Franklin de Freitas – Moinho de erva-mate em Almirante Tamandaré mantém a história paranaense

A bandeira paranaense se destaca e é enfeitada pela presença de dois ramos ao lado de um círculo azulado, onde aparece a constelação do Cruzeiro do Sul e um arco branco com o nome do estado. Um desses ramos, à esquerda do observador, é de erva-mate, produto que permeia a história e desenvolvimento do Paraná e do qual, até hoje, o estado é o maior produtor do país.

O levantamento no Brasil da produção de erva-mate é realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que realiza duas pesquisas diferentes, divulgando os dados no relatório da Produção Agrícola Municipal (PAM) e no relatório da Produção da Extração Vegetal e Silvicultura (PEVS).

De acordo com os dados mais recentes da pesquisa PEVS, o Paraná foi responsável, em 2020, por 87,4% de toda erva-mate extraída no Brasil, respondendo por 372.251 toneladas (enquanto a produção nacional foi de 425.970 no ano de referência). Esses dados, explica o Departamento de Economia Rural (Deral), se referem aos ervais nativos ou sombreados, onde a erva-mate é produzida em meio à vegetação florestal nativa.

Além disso, a Pesquisa Agrícola Municipal (PAM), também divulgada anualmente pelo IBGE, revela que em 2020 foram produzidas 527.546 toneladas de erva-mate proveniente de plantio em pleno sol. Da produção total, o Paraná foi responsável por 43% (228.382 toneladas), tendo aumentado em 19% a produção comparada ao ano de 2019. 

Assim, sendo, o Paraná produziu, em 2020, 600.633 toneladas de erva-mate, o equivalente a 63% de toda a produção nacional (de 953.516 toneladas). Para se ter noção do quão expressiva é essa produção, o segundo maior produtor do país é o Rio Grande do Sul (241.163 toneladas ou 25% do total), seguido por Santa Catarina (110.341, ou 12%).

Trata-se, ainda, de um mercado milionário, cujo valor da produção anual (considerando tanto o plantio em pleno sol como os ervais nativos ou sombreados) supera os R$ 786 milhões. Mas é um mercado, também, que já foi muito mais relevante no contexto estadual, chegando a representar 85% da economia paranaense.

A história do mate no Paraná

A cultura ervateira recorda aos primeiros habitantes do Paraná, os povos indígenas, que já utilizavam a erva-mate como bebida e a consideravam como uma planta sagrada, que servia tanto como remédio como alimento. Curiosamente, muitos ervais nativos da “Ilex Paraguariensis” (nome científico da erva-mate) ficavam próximos da mata de araucárias, o outro ramo no brasão do Paraná.

Com a chegada dos padres jesuítas e seu incentivo ao consumo de chimarrão e chá, os ervais foram se alastrando pelo interior do estado e conseguindo espaço no mercado interno e externo. Foi através da atividade ervateira, inclusive, que o Paraná foi se estruturando, abrindo estradas e ferrovias e desenvolvendo vilas e cidades no entorno de moinhos e locais de beneficiamento da erva-mate. Foi graças a esse desenvolvimento, inclusive, que o estado (então província) conseguiu se emancipar de São Paulo, já que foi a existência de uma economia estável localmente que possibilitou o pleito emancipatório.

Até hoje a cultura ervateira marca sua presença no cenário curitibano. Em bairros como Batel e Alto da Glória, por exemplo, ainda é possível conferir alguns dos casarões construídos pelos barões do mate. A Universidade Federal do Paraná (UFPR), que surgiu em 1912 como Universidade do Paraná, não foi fundada pelos ervateiros, mas não fosse o dinheiro da exportação da erva-mate, certamente a instituição não teria sido criada naquele momento – não à toa, o historiador Ruy Wachowicz chamou a instituição de “universidade do Mate”.

De carro-chefe a coadjuvante na economia paranaense, mas sempre resistindo

Em 1929, contudo, ocorreu a quebra da Bolsa de Nova York e o mundo entrou em recessão. O ciclo da erva-mate, então, entrou em crise e se iniciou um novo ciclo econômico no estado, o da madeira. Já na década de 1940, foi vez do café roubar a cena.

Esse declínio da erva-mate ainda se acentuaria a partir da década seguinte, quando a Argentina passou a desenvolver sua produção, bem como o Uruguai, afetando a exportação da erva-mate brasileira.

Ainda assim, a indústria ervateira resistiu e resiste no Paraná. E a prova disso é que até hoje o antigo “Engenho da Glória”, indústria de erva-mate fundada em 1834 (foi a segunda de Curitiba), ainda existe, mesmo que com outro nome (Moinhos Unidos do Brasil, proprietária da marca Chás Real), após diversas fusões, e funcionando em outro local (esteve na Rua João Negrão, no bairro Rebouças, desde o início do século XX até 2012 e há 10 anos está localizada em Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba).

Diretor-geral da indústria, Henrique Fontana conta que a empresa foi a responsável por lançar o primeiro chá mate do brasil, na década de 1920, e que quatro décadas depois voltou a inovar quando introduziu no mercado os hoje tradicionais chá mate em saquinhos (sachês). Em 1979 vieram ainda os chás de ervas, frutas e flores, que até hoje são o carro-chefe da indústria.

“O consumo da erva-mate caiu muito com o passar das décadas. O chimarrão foi sendo substituído por bebidas mais práticas, como o refrigerante, e hoje o nosso carro-chefe são os chás em sachê”, conta o diretor-geral da empresa, comentando ainda que faz parte da quinta geração da família administrando o negócio ervateiro.

“Vivemos um momento de estabilidade. Nas duas últimas décadas o consumo da erva-mate tem se mantido estável e deve continuar assim pelos próximos anos. Estamos tentando sobreviver ao tempo”, finaliza.

Capital nacional do Mate

O município de Cruz Machado, na região Sul do Paraná, pode se tornar em breve – e oficialmente – a Capital Nacional da Erva-Mate Sombreada. Um projeto de lei que trata do assunto tramita desde 2019 no Congresso Nacional e atualmente aguarda deliberação no plenário do Senado Federal, já tendo sido aprovado pela Câmara dos Deputados. Cruz Machado, inclusive, é responsável por 15,5% de toda erva-mate produzida no Brasil, com o produto local destacando-se por conta das características ideais de vegetação, altitude e tipo de solo. Não á toa, além do Rio Grande do Sul, maior mercado consumidor de erva-mate em nível nacional, o produto paranaense também é exportado para diversos outros países de regiões como Europa, Ásia e a própria América Latina.

Pinhão, outro símbolo

Além do ramo de erva-mate, a bandeira do Paraná também traz um ramo de araucária. E o estado, conforme o IBGE, é também o maior destaque nacional na produção de pinhão, que nada mais é do que a semente do pinheiro-do-paraná. Não surpreende, então, que o estado tenha o título de “Terra do Pinhão” – o nome Curitiba, por exemplo, teve origem na expressão guarani Cury, que significa pinheiro, e tyba, que quer dizer abundante.

De acordo com o IBGE, em 2020 (ano mais recente com dados disponíveis) o Brasil produziu 10.605 toneladas de pinhão, com o valor da produção chegando a R$ 40,98 milhões. Desse total, o Paraná foi responsável por 3.671 toneladas, o equivalente a 34,6% de toda a produção nacional. Minas Gerais (com 3.546 toneladas) e Santa Catarina (com 2.537) aparecem em seguida.