
Quem acompanhava o esporte na Rede Bandeirantes nos anos de 1980 deve se lembrar da figura de boina branca, camisa social, colete e gravata borboleta jogando sinuca. Era Rui Chapéu que marcou uma era nos desafios de sinuca transmitidos no Show do Esporte, ao lado do icônico narrador Luciano do Vale.
E essa figura acabou por inspirar um dos “redutos” da sinuca em Curitiba: o Queens Snooker Bar, na Rua André de Barros, que existe desde 1988.
Rui teve sua estreia no programa após vencer, semana a semana, os então 12 melhores jogadores do Brasil. A partir daí, passou a aparecer na televisão aos domingos
Quem assistia admirado, em Curitiba, era Benedicto Laércio Amatuzzi, o Ditinho. Apaixonado por esportes (inclusive, a sinuca), ele vinha de uma família que possuía tino para os negócios — especialmente na área de bares e restaurantes. Seu pai, Heitor Amatuzzi, foi quem inaugurou, na Rua XV de Novembro, o bar Mignon, que completa 100 anos.
Ditinho trabalhou no Mignon durante a juventude, até que decidiu abrir com o irmão, Heitor Jr., em 1965, o bar e restaurante Pote Chopp. O empreendimento, também localizado na região central da cidade, não demorou a dar lucro — e segue funcionando até hoje.
Anos mais tarde, com o crescimento da família, surgiu a necessidade de abrir um novo negócio e expandir a renda. Crescia, ao mesmo tempo, a demanda por bares onde se pudesse jogar sinuca.
Enquanto a exposição do esporte na televisão despertava um novo olhar sobre a modalidade, Benedicto aproveitou o momento para abrir as portas do Queens Snooker Bar, em 16 de novembro de 1988, dia de seu aniversário.
“A sinuca, antigamente, era vista como um ambiente de malandragem, de aposta. Então, a ideia do meu pai foi abrir um bar de sinuca que acolhesse também mulheres e famílias”, diz Gerson Amatuzzi, 55 anos, filho de Ditinho. Hoje, ele comanda o Queens ao lado de seu cunhado, Celso José Goudard, 66 anos.

Bilhar: encontro de gerações
Hoje, Gerson recebe uma nova geração de clientes interessados por sinuca. Entre os mais jovens, a grande inspiração é o Baianinho de Mauá, que tem ganhado notoriedade nas redes sociais e que afirma ser o jogador de sinuca mais seguido do mundo.
“Nos damos muito bem com a ‘piazada’. Muitos são filhos de clientes antigos e chegam contando que os pais frequentavam o Queens”, afirma Gerson.
Para o sócio, Celso Goudard, a chegada da geração mais nova se deve não somente à tradição, mas também ao interesse renovado por bares com estética retrô.
“Aqui, temos a estética e também temos a história. Somos parte de Curitiba”, diz.
Lívia Dias Silva (21) frequenta o Queens há cerca de um ano. Junto aos amigos do trabalho, ela já participou de uma festa temática — de gala — no mezanino do bar: as mulheres foram de vestido longo, e os homens, de smoking e boina.
“Venho pela carne desfiada, pela estética e pela sinuca. Também toca música que a gente gosta, que é um rock mais antigo, e o atendimento é impecável”, afirma Lívia. “É um lugar que une todas as tribos, né? Normalmente, a gente sai do trabalho e vem todo mundo para cá.”
Clientes da “época de ouro” também continuam frequentando o Queens. É o caso de Ricardo Mastronardi (64). Sentado sozinho numa mesa próxima à entrada, num sábado à noite, ele assiste à TV enquanto janta.
Sua primeira visita foi em 1992, quando trabalhava em um banco próximo ao bar. Ele gostou tanto do almoço, que as refeições se tornaram fixas, às sextas-feiras.
Hoje, aposentado e morando no Capão da Imbuia, a quase 6 km de distância do Queens, Ricardo segue frequentando o bar — agora, aos sábados. O pedido permanece o mesmo: o PF de tilápia.
“É um ambiente descontraído, alegre. E continua do mesmo jeitinho que era, bem tradicional”, diz. “Meu lugarzinho fica reservado.”
Embora muito apreciados, os pratos feitos não são tão pedidos quanto o carro-chefe da casa: o Sanduíche Queens, composto de hambúrguer artesanal, alface, tomate, queijo, presunto, cebola grelhada e bacon. “Caprichado”, como descreve Gerson.
Outra opção com bastante saída é a Carne Loka, o sanduíche preferido de Lívia. Ele é feito com carne cozida desfiada, queijo, cheiro verde e vinagrete.
Esporte britânico, nome americano
Desde a abertura, o Queens conta com um estilo de decoração que remete aos pubs britânicos: madeira escura nos móveis, portas e vigas, prateleiras imponentes repletas de bebida, e paredes decoradas com itens esportivos. A iluminação quente é quebrada apenas pelos focos de luz fria provenientes das luminárias acima de cada mesa de sinuca — um esporte cuja origem é traçada no Reino Unido.
O nome do bar, por outro lado, teve inspiração americana. A arquiteta Rosa Dalledone estava por trás da ideia. Ela apresentou a Benedicto a imagem de uma mulher de pé, com as costas levemente arqueadas para trás, o rosto em direção ao céu, e os braços retos, esticados para a frente, segurando uma bola de diâmetro maior que o de sua cabeça. Essa era uma estátua situada em um bar no distrito de Queens, em Nova York.
Ditinho aprovou a sugestão. O bar ganhou o nome de Queens, e a imagem da mulher se tornou o logo e uma estátua instalada na fachada.
“Muita gente brinca: ‘é boliche aqui?’, por causa do tamanho da bola. Mas o meu pai gostou”, conta Gerson.
Nas décadas de 1990 e 2000, as noites eram movimentadas no Queens. Nas sextas-feiras e sábados, costumava haver fila de espera de mais de 30 pessoas. Elas chegavam a esperar até 2 horas para jogar em uma das 12 mesas de sinuca do bar. O movimento seguia até a madrugada.
Entre os convidados ilustres que já passaram por lá, está o próprio Rui Chapéu, que chegou a jogar uma partida. O Queens também já recebeu nomes como Walter Gerboni, o “mago da sinuca” argentino, conhecido por suas performances quase artísticas, com tacadas que beiravam ao malabarismo, e o sergipano Carne Frita (Walfrido Rodrigues dos Santos), considerado um dos melhores jogadores de sinuca do Brasil.



Ópera, teologia e um amor
As preferências dos clientes são facilmente aprendidas por Gerson. Ele, que trabalha no Queens desde os 19 anos, adquiriu ao longo do tempo a habilidade de memorizar os pedidos e lugares de costume de quem frequenta o bar.
As histórias peculiares também têm lugar especial em sua memória. Gerson conta com nostalgia sobre as vezes em que a voz grandiosa de um cliente italiano ecoava nas paredes do bar. Todos paravam para ouvi-lo cantar ópera, à capela e sem microfone.
Ele se lembra, também, de quando se viu obrigado a fechar o bar, às 4 horas da manhã, ao ouvir uma pergunta complexa emergir de um grupo de amigos: “o que é Deus para você?”. Gerson prontamente respondeu “agora, chega!”.
Porém, a história mais marcante é, certamente, a de Rosangela. Em 1989, a moça costumava lanchar no Queens. Gerson a observava, do outro lado do balcão, pensando que gostaria de namorá-la.
Certo dia, ela pagou o lanche com um cheque. No verso, colocou seu número de telefone. A prática era comum, uma vez que era útil ter o contato do cliente, em caso de haver algum problema no pagamento. No entanto, Rosangela decidiu escrever os números em um tamanho três vezes maior do que o de costume. Gerson entendeu, na hora, que aquilo era um convite para uma ligação.
“Nos casamos em 1995. Hoje, temos dois filhos”, conta.
Um bar da vida inteira
Quase uma década após inaugurar o Queens, em 1996, Benedicto abriu outro snooker bar com inspiração esportiva. O Solero nasceu de sua paixão pelo turfe (corrida de cavalos). O empreendimento fica no mesmo local onde a família morava, em frente à PUC, no Prado Velho (onde havia sido o antigo hipódromo de Curitiba, de 1889 a 1955).
Ditinho é descrito por seu filho como um diplomata. Hábil no relacionamento tanto com os clientes, quanto com a família, Benedicto faleceu em 2017.
Hoje, Gerson e Celso tentam enaltecer o legado da família Amatuzzi e renovar o olhar dos curitibanos sobre o Queens.
“Quando meu pai montou [o bar], ele falava: o Queens não é um bar da moda, é um bar da vida inteira”, diz Gerson. “Para mim, este lugar é uma pérola no Centro que precisa ser redescoberta.”