O feriado de Carnaval foi de muita confusão no Largo da Ordem, na região central de Curitiba. Foram três dias consecutivos, entre sábado e segunda-feira, com brigas generalizadas, garrafadas contra viaturas da Guarda Municipal (GM) e a necessidade do uso da força por parte dos agentes da lei, com balas de borracha e bombas de efeito moral, para dispersar a multidão de foliões, muitos deles ali presentes por conta de eventos organizados via redes sociais – há, inclusive, a suspeita de que cerca de 100 pessoas teriam se organizado por meio dessas plataformas já com a intenção de vandalizar e causar tumulto.
Coronel da Polícia Militar do Paraná (PMPR), Roberson Luiz Bondaruk comenta que há tempos a corporação faz monitoramento de redes sociais, a fim de acompanhar em que nível eventos organizados nessas plataformas podem afetar a Segurança Pública da cidade. Ele, inclusive, foi comandante-geral da PM entre 2011 e 2013, época em que a Curitiba recebeu o Reveillon Fora de Época, realizado em março de 2011 e de 2012 e que começou com um grupo de amigos combinando um ‘rolê’ na Praça da Espanha.
“Na Praça da Espanha, anos atrás, uma pessoa convidou amigos para ir ali, fazer um lanche, alguma coisa assim, e a notícia foi correndo. Quando chegaram lá tinha milhares de pessoas e a praça não estava preparada (para receber tanta gente)”, recorda o Coronel. “Na época houve desdobramento de efetivo de emergência, viaturas foram deslocadas. Era uma coisa inédita”.
Desde então, comenta ainda Bondaruk, a polícia procurou se preparar, se especializar para que situações desse tipo não voltassem a acontecer. Entretanto, ao mesmo tempo que houve esse esforço por parte da corporação, também houve o crescimento da população e do acesso às informações, que fluem cada vez mais rapidamente. De quebra, às mudanças tecnológicas e informacionais soma-se ainda questões de comportamento, acredita o coronel, comentando que o limite das pessoas está mais relativizado.
“O que antigamente se continha pela simples educação, pelo simples fato de saber que era contra a lei, hoje está muito relativizado. Então as pessoas têm atitudes violentas muito mais facilmente, e até achando que isso está no direito delas. Podem tudo e não devem nada, mas isso não é a realidade. A lei e a ordem devem prevalecer na medida em que, quando violadas, há riscos à integridade física das pessoas e ao patrimônio.”
Por fim, Bondaruk ainda aponta ser necessário mudanças na legislação para que se evite que episódios como os deste Carnaval voltem a acontecer. Segundo ele, empresas como Facebook, Instagram e WhatsApp costumam sermuito fechadas para passar informações, atendendo às demandas apenas com mandado judicial, o que complica e compromete o trabalho policial.
“Fica difícil para as corporações policiais numa situação dessas, com milhares de pessoas num local sem estrutura, sem arruamento, sem condições de segurança. E são situações de complexidade cada vez maior”, finaliza.
Confusões eram tragédia anunciada, dizem comerciantes e moradores
Na quarta-feira de Cinzas, a tarde de Josicleine, funcionária de uma panificadora localizada nas proximidades da Fonte da Memória (popularmente chamada de ‘Cavalo Babão’) foi dedicada a limpar a fachada do estabelecimento, que foi completamente pichada durante o feriado de Carnaval. “A parte de cima que vai ser mais difícil (de limpar)”, comenta a trabalhadora.
Segundo o relato de moradores e comerciantes da região do Largo da Ordem, a sensação que fica é a de que as confusões registradas neste feriado eram algo já esperado, anunciado. Em suma, uma questão de tempo.
Uma moradora que não quis ser identificada, por exemplo, conta que há mais de 30 anos mora na Rua Trajano Reis. Segundo ela, há tempos o movimento boêmio é intenso na região, mas nos últimos tempos as aglomerações de pessoas se tornaram cada vez maiores. Além disso, o tráfico e consumo de drogas acontece a céu aberto, sem maior repressão.
“No final de semana, dependendo do horário, os carros nem conseguem passar por aqui e, se tentam, são chutados pelas pessoas que estão na rua. Final de semana a gente quase não consegue dormir por causa da barulheira”, diz a moradora, relatando que já pensou até em se mudar. “Mas já estou há tanto tempo aqui… Se fosse embora, iria para onde?”
Proprietária da marca de moda NovoLouvre, cujo atelier também fica na Trajano Reis, a empresária Mariah Viana conta que desde 2007 trabalha na região. Segundo ela, nos últimos anos a situação só tem piorado.
“Claro que no Carnaval tinha muito mais gente, mas enfrentamos problemas aqui o ano inteiro, sabe. Não tem sossego. O problema é o depois (das noitadas): a rua fica suja, a gente tem que lavar a calçada todo dia porque o pessoal faz xixi, cocô”, relata Viana. “Nunca tive assalto aqui, a gente não se sente em perigo. Mas os clientes são afastados de qualquer forma. Pro comércio é muito ruim a imagem do bairro. Parece que a gente está fadado a só ter bar aqui na Trajano Reis e é o que vai acontecer se ninguém tomar nenhuma atitude”, complementa.
Órgãos de segurança se mobilizam após cenas de vandalismo
Representantes da Prefeitura de Curitiba e da Polícia Militar (PM) estiveram ontem reunidos para avaliar os episódios ocorridos no Largo da Ordem durante o Carnaval. Para evitar que as cenas de violência se repitam, o Largo terá reforço no policiamento durante o próximo final de semana. Além disso, a análise das autoridades de segurança aponta para um movimento com volume inédito de pessoas, com a reunião dos frequentadores habituais e de pessoas que participavam de outros eventos no Centro, como o desfile das escolas de samba.
A Polícia Civil do Paraná também convocou para a manhã desta quinta-feira uma entrevista coletiva para comentar sobre as investigações em andamento acerca dos casos de danos, furtos e outros crimes que ocorreram no Largo da Ordem. Imagens de câmeras de segurança cedidas pela Guarda Municipal estão sendo analisadas, ao mesmo tempo em que equipes de investigação realizam diligências a fim de coletar informações e provas que contribuam no trabalho de identificação e qualificação dos indivíduos envolvidos nos crimes.