Em 29 de janeiro de 1893, Curitiba foi palco de um crime que chocou a cidade: a jovem Maria Bueno, então uma mulher de classe baixa e praticamente anônima, teve sua vida ceifada a navalhadas na região onde hoje fica a Rua Vicente Machado, no Centro da Capital. Sem família ou amigos que reivindicassem seu corpo, Maria foi enterrada em uma cova rasa, como indigente, mas a tragédia que encerrou sua vida daria início a uma devoção que atravessaria séculos.
Anônima em vida, Maria tornou-se, no imaginário popular, uma santa devota, cujo túmulo atrai fiéis até hoje. Estudos, como os da pesquisadora cemiterial Clarissa Grassi, responsável por visitas guiadas à capela dedicada à santa no Cemitério Municipal São Francisco de Paula ajudam a reconstruir sua história a partir de documentos escassos, jornais da época e narrativas populares.
O crime que marcou Curitiba
Segundo registros históricos, Maria foi assassinada pelo seu então amante, o soldado Inácio José Diniz. Há relatos divergentes sobre a forma como o crime ocorreu: alguns afirmam que ela recebeu golpes no pescoço, outros que foi degolada, a versão mais aceita entre devotos e pesquisadores.
O crime teria acontecido após uma discussão. Maria queria participar de um baile, contrariando a vontade de Diniz, que alegava estar em serviço no quartel. Mais tarde, Diniz teria aguardado escondido para atacar Maria durante seu caminho de volta, desferindo múltiplos golpes com um punhal.
O corpo ensanguentado permaneceu na rua por horas, provocando indignação na pequena Curitiba da época. Diniz foi preso e levado a julgamento, mas acabou absolvido sob a alegação de que estava em serviço no quartel, sem testemunhas que comprovassem sua ausência. Para muitos, essa decisão representou uma falha da justiça, e o destino de Diniz, posteriormente morto pelos federalistas durante a Revolução Federalista, foi interpretado pelo povo como justiça divina.
De vítima a santa popular
Embora Maria Bueno não tenha sido canonizada oficialmente, sua memória floresceu no imaginário coletivo. Pouco tempo após o crime, começaram a surgir relatos de milagres e fenômenos inexplicáveis associados ao local da morte e à sua sepultura: velas que não se apagavam, uma roseira que teria nascido da poça de seu sangue e relatos de graças alcançadas por devotos.
A devoção popular fez com que o local original do assassinato fosse lembrado e visitado. Com a expansão urbana, a peregrinação foi transferida para o Cemitério Municipal São Francisco de Paula, e em 1960 Maria passou a ser cultuada em um mausoléu dedicado, consolidando seu lugar como intercessora no imaginário curitibano.
Hoje, a capela da santa é o ponto mais visitado entre os mais de cinco mil túmulos do cemitério, especialmente durante o Dia de Finados (2 de novembro), quando centenas de fiéis acendem velas, depositam flores e realizam orações em sua homenagem.
A trajetória de Maria na memória da cidade
Ela foi uma mulher pobre, parda e anônima em vida, mas sua morte transformou sua história. Publicações da época, como o Diário do Comércio, registraram o assassinato com detalhes chocantes: “uma moça de cor parda havia sido assassinada numa travessa da Rua Campos Geraes, tendo a cabeça completamente separada do corpo e fundos talhos de navalha nas mãos”.
Com o tempo, relatos sobre milagres atribuídos a Maria consolidaram sua fama de intercessora. O local da tragédia, inicialmente uma cruz de madeira na rua, tornou-se ponto de preces e devoção, transformando a jovem vítima em protagonista de narrativas e centro de peregrinação popular.