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Todos os caminhos levam a Aparecida; paranaense narra jornada de 311 km em 14 dias pelo Caminho da Fé

Caminho da Fé entre Minas Gerais e São Paulo é percurso para quem deseja peregrinar em terras brasileiras rumo ao maior santuário mariano do mundo

Everson Mizga
peregrinacao aparecida

Jornalista relata a experiência do Caminho da Fé (Foto: Everson Mizga)

Neste domingo, 12 de outubro, o Brasil católico celebra o dia de Nossa Senhora Aparecida, a santa de cor negra e imagem pequena e cativante, que representa o brasileiro em sua essência: um povo que cresceu em meio à diversidade de etnias, formado por gente de todo o mundo.

E, neste dia dedicado à Padroeira, esse povo se encontra no interior de São Paulo — em Aparecida do Norte, onde está o maior santuário mariano do mundo. De lá, ouvem-se orações, pedidos e agradecimentos em todos os sotaques. De Norte a Sul, de Leste a Oeste, os brasileiros se reúnem aos pés da Mãe, buscando um momento íntimo de fé, na certeza de que ela levará a Cristo suas intenções.

Entre as diferentes formas de chegar a Aparecida do Norte está a peregrinação — deslocar-se de um lugar a outro em direção a um espaço sagrado, onde se encontra o Divino. No Brasil, o Caminho da Fé é uma das formas mais autênticas de acessar Aparecida do Norte peregrinando.

Neste período do ano, em que se comemora o dia da Padroeira, os peregrinos surgem aos montes para percorrer o caminho, com motivações distintas e diferentes formas de fazê-lo: de bicicleta, moto, a cavalo, carro de apoio, em grupo ou sozinho — e, claro, a pé. Independentemente da forma, o objetivo acaba sendo o mesmo: percorrer ramais que chegam a ultrapassar os 800 quilômetros extensão.

Experiência durante a jornada a Aparecida

Entre os dias 27 de setembro e 9 de outubro, tive o prazer de percorrer um desses ramais. Parti de Águas da Prata, no interior de São Paulo, passando por inúmeras cidades mineiras até chegar a Aparecida do Norte — um percurso de 311 quilômetros.

Foi a minha primeira experiência como peregrino. Já havia visitado o Santuário de Aparecida diversas vezes, mas nunca havia feito a caminhada. Posso afirmar: é uma experiência de vida espetacular.
É um aprendizado a cada passo. No meu caso, que caminhei sozinho, acabei interagindo muito com pessoas que estavam em grupo, com moradores da região, com a natureza, com o próprio caminho — e, claro, com Deus.

Entre meus propósitos, estava o de tentar desconectar das redes sociais e da rotina cotidiana, para então me reconectar e encontrar uma versão mais atualizada de mim mesmo por meio da fé e da experiência da caminhada junto da Mãe.

Preparação


É claro que, para fazer esse tipo de peregrinação, o ideal é se preparar ao máximo. Mesmo com todas as prévias e simulações, é natural que surjam imprevistos. Felizmente, não foi o meu caso. Mas estar pronto e bem treinado para a jornada traz segurança e permite que você foque no caminho e na sua busca por propósito, aproveitando tudo o que ele pode oferecer.

Há um ano decidi que faria o ramal tradicional do Caminho da Fé. Desde então, incluí exercícios na minha rotina, estudei o percurso, busquei orientação de pessoas que já haviam feito o trajeto, localizei pontos de hospedagem e escolhi os melhores equipamentos: calçado adequado, roupas apropriadas, mochila (que me acompanharia por 14 dias) e bastões de apoio, esses essenciais para um terreno com bastante subidas e descidas.

Aliás, a mochila é um item que merece atenção: se ela passar dos 5,5 kg, você provavelmente está levando algo desnecessário. Por isso, é recomendável simular a jornada nos treinos, para entender o que realmente será útil, se os pés são sensíveis a bolhas, se o corpo pede mais atenção em determinado ponto e por aí vai. Essa “receita” simples proporciona mais segurança e conforto ao longo do caminho.

Hospedagem


Programar a hospedagem no Caminho da Fé é essencial. Sair de casa com as pousadas previamente agendadas evita dores de cabeça. E há opções para todos os gostos. Fiquei em 13 pousadas espalhadas pelos 311 quilômetros que percorri. O mais interessante é que a maioria delas são negócios familiares: casais, pais e filhos que recebem com carinho os peregrinos.

Não se surpreenda se for recebido com uma boa fatia de bolo de fubá mineiro e um café preto, coado na hora. No jantar, geralmente você se senta à mesa com a própria família da pousada, compartilha uma refeição caseira e ouve “causos” e histórias da região. Enquanto isso, sua roupa — de peregrino — gira na máquina de lavar, pronta para o dia seguinte. É o próprio viajante quem lava suas roupas e louças.

O café da manhã é outro momento de conversa e acolhimento — e começa antes do sol nascer. Sim, para quem peregrina, o dia começa ao cantar do galo. As jornadas costumam ter 25 km ou mais, sob o sol escaldante de 30 graus (ou mais), em uma rotina de subidas e descidas pelas serras de Minas Gerais e São Paulo, exigindo preparo físico e força mental.

A chegada nas pousadas geralmente acontece entre sete e nove horas após a partida. E o horário de dormir não passa das 21h, pois o corpo pede descanso.

Conexão


Se por um lado o corpo se cansa, por outro a alma se enche de leveza. As belas paisagens das serras — sendo a Luminosa o ponto mais alto, com mais de 1.900 metros de altitude — convidam o peregrino à reflexão, ao aprendizado interior e a diálogos com a própria fé.

O encontro com outros peregrinos também gera conexões profundas. Em certos momentos, ouvimos histórias de superação que nos tocam profundamente. Em outros, somos nós quem oferecemos a nossa experiência de vida. Essa troca espontânea é rica e verdadeira, surgindo naturalmente ao longo da jornada e entre um ponto de apoio e outro ao longo do caminho.

A estrada é bem sinalizada. As flechas amarelas guiam o peregrino, e a cada dois quilômetros há placas que indicam a distância restante até o Santuário de Aparecida

Durante o percurso, percebemos a profunda religiosidade do povo brasileiro. Pequenas capelas são vistas as dezenas, e as grutas com imagens de Nossa Senhora e fitinhas com mensagens de fé se multiplicam. O acúmulo de fitas depositadas ao longo do percurso dão sinal de que milhões já viveram essa experiência do Caminho da Fé nos últimos anos.

Simplicidade


A melhor forma de viver o caminho , a meu ver, é peregrinando. Fazer o Caminho da Fé como turista até pode ser uma alternativa, mas não é a vocação desse lugar. Foi o que percebi nesses 13 dias. A verdadeira essência do Caminho está em sua simplicidade, na acolhida das pessoas e na presença de Deus em cada detalhe.

Seja dividindo um quarto com outro peregrino, compartilhando a comida, lavando a própria roupa ou vivendo com o mínimo necessário — tudo isso faz parte do espírito da peregrinação. Peregrinar é muito diferente de turistar. Não se trata de buscar status ou moda, mas de se olhar por dentro. E, para isso, é preciso se desapegar das amarras do cotidiano e refletir sobre o que realmente tem valor.

A chegada à Basílica
Embora o aprendizado esteja presente em todo o caminho — pois é no processo que se encontram as respostas — chegar a Aparecida do Norte é o momento mais emocionante. Pode ser comparado à chegada após uma longa viagem, quando você é recebido por alguém que lhe ama.

A emoção toma conta, e os peregrinos choram aos pés da Mãe Padroeira, que os acolhe com um abraço silencioso e profundo. As lágrimas caem naturalmente; o choro é difícil de conter. É uma mistura de gratidão, saudade e fé.

A imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida representa Maria grávida, à espera do Salvador — e é essa mesma Mãe que acolhe e espera seus filhos peregrinos, derramando bênçãos e inspiração para uma vida mais plena e transformada.

O percurso


Ao longo do caminho, encontramos mensagens de apoio que nos comovem — muitas vezes, pela sensibilidade aflorada que a caminhada desperta. Essas mensagens incentivam, mesmo nas subidas mais íngremes ou descidas desafiadoras.

E há uma frase que se repete entre os peregrinos: “Bom Caminho”. Ela é dita centenas de vezes durante o percurso, como um mantra de encorajamento e irmandade.

Portanto, se você, leitor desta matéria escrita especialmente para o Bem Paraná, já pensou em fazer o Caminho da Fé, espero ter contribuído para que seu projeto avance. E, para aqueles que não conheciam essa jornada, que este conteúdo possa despertar algo bom em seu coração.
E para quem em breve irá vivê-la:
Bom Caminho!

Para saber mais sobre o caminho acesse: www.caminhodafe.com.br

Everson Mizga, especial para o Bem Paraná. Mizga é jornalista, nascido em Pinhais, na Grande Curitiba.

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