
Um exemplo de amor e um lugar que oferece um contato único com a natureza. Essa é a Reserva Jaguarapira, local que é quase um “pequeno paraíso” e, ao mesmo tempo, uma lição ambiental. O espaço de dois hectares fica em Quatro Barras, na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), e é resultado de um esforço para preservação da Mata Atlântica iniciado em 1994, muito antes da Serra da Baitaca virar Unidade de Conservação, em 2002.
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Casa de pedra e paisagem esplendorosa
No terreno, na região onde estão duas de suas casas, tem-se duas paisagens espetaculares.
De um lado, vê-se a represa do Iraí, como um enorme lago, e um pouco mais ao fundo o município de Curitiba.
Do outro, fica-se de frente para uma das “caras” do Anhangava, uma das principais montanhas do Paraná, considerada uma verdadeira “escola” para o montanhismo paranaense. A vista é para um lugar conhecido como “Campo das Panelas”, setor onde estão as vias de escalada mais longas do morro de 1.420 metros.
A casa principal, disponível para locação (são duas as casas acessíveis para quem quer passar um tempo imerso na Reserva), também merece destaque. Ela fica incrustada num monte de rochas, no lugar onde um dia funcionou a sede de uma das antigas pedreiras do bairro Borda do Campo. Em seu segundo andar, uma vista esplendorosa para o Anhangava. Além disso, utiliza materiais reciclados ou reaproveitados.
O corrimão da escada que leva para o segundo andar, por exemplo, foi esculpido por um casal de baitacas (uma espécie de papagaio) que mora na região, na época em que a madeira servia como viga no telhado da residências. As enormes e belas janelas no segundo andar da casa e suas portas, por sua vez, vieram de demolidoras. A banheira, que fica naquele que é, possível e provavelmente, o banheiro com a vista mais bonita de toda a região metropolitana, chegou totalmente enferrujado e lixado na mão. Tem fogão à lenha na casa, uma piscina alimentada por água da chuva e espaço para fogueira num recanto de frente para o Iraí.
Muito mais que instagramável: um case de preservação
Mas não são só os cenários e paisagens instragramáveis servem para inspirar as pessoas que visitam a Reserva Jaguarapira. Isso porque o lugar é, também, uma história de amor pela natureza.
Tudo começou em 1994, quando a médica veterinária Renata Leite Pitman concluiu uma especialização e iniciou seu mestrado em Conservação da Natureza na Escola de Floresta da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi quando ela conheceu o trabalho do professor Carlos Roderjan e Edson “Dubois” Struminski, que desde 1989 já trabalhavam na preservação da Serra da Baitaca. O local é estratégico por conta das inúmeras nascentes que possui e que abastecem represas utilizadas para energia elétrica e abastecimento público da RMC. Além disso, a área também abriga algumas composições de influência atlântica que estão em desaparecimento.
“Comecei fazendo voluntariado no projeto [do professor Roderjan]. E um tempo depois colocaram à venda um terreno de 20 hectares, porque nos anos 1980 a Serra do Mar foi tombada e daí foi proibida a mineração acima dos mil metros de altitude. Aqui, a gente vai dar direto numa mina desativada por causa disso. E daí esse terreno foi colocado à venda”, conta Renata.
Para comprar o imóvel, 10 amigos se juntaram para depois dividir o espaço de 20 hectares em 10 terrenos. E como não conseguiu participar da reunião que definiu a partilha das áreas, a médica veterinária acabou ficando com a parte “que sobrou”, que ninguém para quis.
“O que era o perfeito para mim, porque era a área mais degradada. Teve um incêndio no Anhangava, por causa da mineração, e o solo acidificou. Essa parte do terreno foi invadida por samambaias”, relata a ambientalista. Sua primeira primeira missão para a recuperação da área, então, foi eliminar as samambaias invasoras (um processo que durou 10 anos), cercar a propriedade para evitar a entrada de animais domésticos e plantar muita Bracatinga, uma leguminosa que produz sombra rápido e fixa nitrogênio no solo. Depois disso foi possível fazer o solo receber outras espécies nativas de crescimento mais lento, como a Araucária.
Imersão na natureza, ciência cidadã e uma lição de bioeconomia
Considerado oficialmente um Posto Avançado da Reserva da Bioesfera da Mata Atlântica (RBMA), a Reserva Jaguarapira leva sua missão para além de seu próprio terreno. O lugar procura difundir a existência da Zona de Amortecimento da Serra da Baitaca e as oportunidades e recomendações para se viver nela. Essa área no entorno do Parque Estadual da Serra da Baitaca é importante por ter o objetivo de minimizar os impactos negativos sobre a Unidade de Conservação.
“Resta apenas 10% da Mata Atlântica e a vegetação que temos aqui, só ocorre aqui, não tem em outro lugar. O que divulgamos é a possibilidade de se explorar a bioeconomia, para que você mantenha a floresta em pé e explora a riqueza dela. Imagina explorar as resinas do cedro… A nossa erva mate, é feita aqui, colhida, plantada, tudo feito à mão. Assim você preserva a floresta e diminui esse conflito que é trazer ovelha, trazer galinha, plantar café… Plantar coisa que não é daqui, que você tem que fertilizar o solo”, explica Renata.
E a médica veterinária, como a cientista que é, também realiza um esforço de ciência cidadã, envolvendo outros moradores da Zona de Amortecimento do Parque e pessoas que frequentam a região para que alimentem com dados a plataforma iNaturalist. Através dali é possível registrar a biodiversidade da Serra da Baitaca. Só na reserva Jaguarapira identificou-se mais de 1,4 mil espécies de plantas e animais. Lagartos teiú, pássaros como saíra-lagarta, baitacas e até uma espécie praticamente desconhecida de marsupial. Trata-se do Monodelphis iheringi, um mamífero que tem uma bolsa parecida com a de um canguru, mas que é minúsculo.
“Minha filha, Maria Silvia Pitman, estudante de biologia, está estudando essa espécie. Ninguém sabe nada desse bicho, são poucos registros dele, que só se encontra aqui na Mata Atlântica. Alguns alunos da UTFPR encontraram um aqui. É uma espécie pouco conhecida, que vive embaixo da terra. Mas nós já vimos, por exemplo, ele escalando árvore aqui, algo que não se tem na literatura. E minha filha conseguiu gravar a vocalização deles”, diz Renata, orgulhosa.
Abaixo, você confere um vídeo do Monodelphis iheringi, feito por Maria Pitman