
Quem acredita que as feiras de rua são espaços reservados apenas ao comércio está enganado. Lá são formadas amizades duradouras e relações de confiança que se fortalecem com o tempo. E não apenas entre os frequentadores das feiras, mas principalmente entre feirantes e fregueses, cujo vínculo vai muito além da compra e venda de produtos.
Em Curitiba, Marilene Dutra repete o mesmo programa todos os sábados de manhã, sem exceção, há 40 anos: na Feira Livre do Alto da Glória. A única vez que Marilene, de 83 anos, precisou ficar um tempo afastada da feira foi devido a uma cirurgia no joelho. “Todos os feirantes me perguntaram o que tinha acontecido, se eu estava bem. Já sou habitué”, ri.
Ela caminha pelas mais de 50 barracas montadas ao longo da Rua Alberto Bolliger para comprar queijos, frutas, legumes e curau para o marido. Para o último item, Marilene faz questão de ir na Banca da Pamonha. “Os clientes são quase uma família já. Todo sábado estão aqui, faça chuva, faça sol”, diz Joyce Romão, responsável pelo espaço que opera há 18 anos.
Moradora da região Itupava há cinco décadas, Marilene conta que sempre compra nas mesmas bancas, hábito herdado da mãe, que também era frequentadora assídua da feira. “Mesmo sendo diabética ela não abria mão do pastel. Aos 80 anos ela ainda vinha na feira de bengala”, recorda.
Quem sempre se preocupa com os clientes, caso eles não apareçam é Milton Kuroda, de 57 anos, que comercializa bacalhau, azeitonas, nozes e frutas secas nas feiras da capital há 20 anos. “Os clientes mais antigos a gente sabe até o time de futebol que torce. Quando eles não vêm sentimos falta e ficamos preocupados, nos perguntando se está tudo bem ou se aconteceu alguma coisa.”
É comum, conta Milton, que os fregueses, principalmente os fiéis, acompanhem os feirantes onde estão. Se não conseguem ir na feira de sábado, no Alto da Glória, por exemplo, os clientes podem encontrar as bancas em outros pontos da cidade. Segundo a Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN), Curitiba tem 85 feiras, que funcionam em diferentes dias da semana, horários e bairros.
“Quando nós vamos na feira e uma das nossas bancas regulares não está por algum motivo a gente se sente culpado de comprar em outra”, confessa, aos risos, a psicóloga Rafaela Paese. Ela e o marido compram frutas e legumes na feira do Alto da Glória há dez anos, o que significa que os feirantes já sabem exatamente o que o casal vai levar. “A banca onde meu marido compra mamão já deixa a fruta separada com o nome dele.”
Curitiba tem 85 pontos de feiras livres, sendo 18 noturnas
As 85 Feiras Livres de Curitiba comercializam hortifrutigranjeiros, frios, carnes, pescados, massas, cereais, produtos orgânicos e muito mais em ruas, praças e parques da cidade. Divididas em oito categorias, as feiras funcionam em dias e horários pré-definidos, que podem ser conferidos no site da prefeitura.
São 55 Feiras Livres, sendo 37 diurnas e 18 noturnas. A especialidade dessa categoria é a venda de hortifrutigranjeiros. Há também três Feiras Gastronômicas, que oferecem pratos prontos para o consumo, uma Feira do Litoral, com frutos do mar, 14 Feiras Orgânicas, que oferecem alimentos sem agrotóxicos, e uma Feira das Cooperativas, onde os integrantes de cooperativas da agricultura familiar da Região Metropolitana comercializam frutas, verduras e produtos orgânicos.
Além disso, a prefeitura oferece os programas Nossa Feira, que conta com seis pontos que vendem produtos a um preço único e acessível a regiões desabastecidas, e Direto da Roça, com alimentos de produtores da região metropolitana. Por fim, há dois Pontos de Pescado, que são espaços destinados ao comércio de diversos tipos de camarão, peixes inteiros e filetados.
‘Existe uma magia’
Seguindo pela Rua Alberto Bolliger, Casemiro e Neide Suider recebem todos com um sorriso no rosto e muita história boa para contar. Há 38 anos vendendo ovos, Casemiro diz que ser feirante em Curitiba é uma profissão única e gratificante. “O contato com as pessoas é maravilhoso. Temos clientes de gerações, que vêm com os avós, pais.”
Ele relembra uma ocasião, quando ele e a esposa estavam com a banca montada no Batel, em que a máquina de cartão de crédito falhou. Casemiro decidiu vender mesmo assim e avisar os fregueses que pagassem na semana seguinte. “Todo mundo me pagou, alguns até a mais. Foi uma coisa inacreditável.”
“Manter essa proximidade com as pessoas é fundamental porque depois de um tempo já não é mais aquela relação cliente/vendedor, é uma amizade. E isso não tem preço, você não encontra em outro lugar. Eu sempre digo, na feira você é pai, mãe, professor, filho, terapeuta, psicólogo, você é tudo”, brinca Neide.
Uma das clientes dos Suider, Verônica Werle, compra ovos com o casal desde que se mudou para Curitiba do Rio Grande do Sul há quatro anos. “Eles têm os melhores ovos. Sempre que falo que vamos comprar ovos minhas filhas já sabem que vamos no tio Casemiro.”
Ao contrário de Casemiro, que chega na feira por volta das 5h da manhã, a família Tomita, que trabalha no ramo florista há mais de três décadas, não precisa se deslocar tão cedo. Isso porque Danilo, de 31 anos, e sua mãe Cida, de 67, preparam as flores que serão vendidas já no dia anterior.
“O bom da feira é que se você atende bem o seu cliente você sempre vai tê-lo. Os fregueses são muito fiéis. Tem uns que a gente viu crescer, que vinha ainda criança com os pais e hoje compra com a gente, traz os filhos. É até engraçado, tem gente que faz um roteiro da feira e é sempre o mesmo”, conta Danilo.
Os fregueses dos Tomita, Marina Mori, de 68 anos, e seu marido Tadasi Mori, de 74, frequentam a feira do Alto da Glória há mais de 40 anos religiosamente todos os sábados. O casal já foi até convidado para o casamento da filha de uma das feirantes, que eles viram nascer e depois se tornaram amigos. “A feira é um lugar muito interessante porque você conhece pessoas, encontra gente que você não via há muito tempo, troca ideias, aprende”, afirma Marina, enquanto é atendida por Danilo.
Além das flores, Marina e Tadasi adoram comprar frutas e verduras em um dos comércios hortifrutigranjeiros mais tradicionais da capital: a Banca do Roberto, fundada em 1964. Hoje, é Ricardo Miquilussi, de 40 anos, um dos filhos do proprietário, que ajuda a tocar o estabelecimento. Apesar de trabalhar na banca do pai há 25 anos, Ricardo frequenta a feira desde que nasceu. “Agora já estamos atendendo a quarta geração de clientes.”
Para ele, o ambiente da feira funciona com base em três pontos fundamentais: a relação com os fregueses, o atendimento e a qualidade da mercadoria. “Tem muitas pessoas que vêm na feira e não compram nada, vêm só para conversar, principalmente no sábado. Encostam aqui do lado e batem papo. É incrível. Essa é a magia da feira, é o que a diferencia de outros lugares.”