
Um estudo acaba de confirmar que fósseis encontrados há cerca de 20 anos eram pegadas de pterossauros que viveram em território brasileiro milhões de anos atrás.
Pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em colaboração com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e o Instituto Cavanis, de Veneza (Itália), acabam de descrever as primeiras pegadas de pterossauros registradas no Brasil.
O estudo foi publicado em setembro na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências, uma das principais do País.
Os fósseis haviam sido encontrados há cerca de 20 anos, em uma pedreira de arenito no município de Araraquara (SP), pelo professor Marcelo Adorna Fernandes, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva (DEBE) da UFSCar, e pela pesquisadora Luciana Bueno dos Reis Fernandes.
O estudo também teve a colaboração de Mauro B.S. Lacerda, pesquisador da UFRJ, e do paleontólogo italiano Giuseppe Leonardi. A novidade agora é a análise detalhada, que permitiu confirmar que os vestígios pertencem ao icnogênero Pteraichnus, atribuído a pterossauros do grupo azhdarchoid, com afinidade ao gênero Tupandactylus.
“As pegadas são muito diferentes daquelas de dinossauros que encontramos no mesmo contexto geológico. Foi necessária uma comparação com materiais de outras partes do mundo para confirmar que, de fato, pertencem a pterossauros”, explica Fernandes.
Segundo ele, o Pteraichnus, icnogênero já descrito na Argentina e em outros países, apresenta grande semelhança com os fósseis de Araraquara pelo formato do pé e dos dígitos das mãos.
As análises conduzidas por Lacerda detalharam a morfologia das pegadas, revelando impressões de três dedos. A equipe identificou que, nos membros dianteiros, os pterossauros caminhavam apoiados apenas nos dedos – comportamento chamado digitígrado, típico de animais como cães e gatos.
Nas patas traseiras, o apoio era feito com toda a sola do pé, característica conhecida como plantígrado, semelhante ao que fazem os seres humanos, ursos e roedores. Já Leonardi encontrou características como três impressões digitais curtas direcionadas anteriormente e o arco do meio-do-pé, elementos decisivos para a atribuição ao icnogênero Pteraichnus.
As pegadas foram localizadas em rochas da Formação Botucatu, que há cerca de 135 milhões de anos correspondia a um imenso deserto de dunas e interdunas úmidas, estendendo-se do sul de Minas Gerais ao Uruguai.
Diferente de outras regiões fossilíferas do País, esse paleodeserto não preservou ossos, mas sim as marcas deixadas pelos animais que o habitaram. Até hoje, centenas de pegadas já haviam sido registradas, atribuídas a lagartos, pequenos mamíferos e dinossauros, mas nunca a pterossauros.
Fernandes lembra que os fósseis foram coletados durante seu doutorado, em 2004, na UFRJ. “Foram vários anos de coletas e armazenamento desse material. Muitas pegadas fósseis ainda estão depositadas na coleção do DEBE e seguem sendo estudadas por nossos estudantes e colaboradores. A validação científica só se concretiza quando o material é estudado e interpretado em artigo publicado em revista especializada”, afirma.
Com base no tamanho das pegadas, os pesquisadores calcularam que o animal teria cerca de 60 centímetros de altura no quadril e envergadura de asas superior a 2,5 metros – o que o coloca entre os maiores representantes do icnogênero no mundo.
Segundo Fernandes, o achado amplia o entendimento da diversidade de fauna no antigo deserto. “Até hoje só conhecíamos restos ósseos de pterossauros no Brasil, especialmente no Nordeste, com registros também no Paraná e em Minas Gerais. As pegadas da Formação Botucatu revelam que, mesmo em um ambiente árido, havia cadeias alimentares estruturadas e uma fauna de vertebrados diversificada, que agora sabemos incluir também os pterossauros. Esse entendimento da diversidade da fauna proporciona uma melhor compreensão da evolução dos grupos biológicos e do ambiente”, destaca o docente.
As primeiras pegadas de pterossauros do Brasil podem ser conhecidas pelo público em exposição permanente no Museu da Ciência Professor Mário Tolentino, na Praça Coronel Sales, Centro, São Carlos (SP). A visitação é gratuita, de segunda a sexta-feira, das 8 às 18 horas.