A PolĂ­cia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no inquĂ©rito que apura desvio e tentativa de venda de joias sauditas – o caso foi revelado pelo EstadĂ£o em março de 2023. A investigaĂ§Ă£o imputa ao ex-chefe do Executivo federal indĂ­cios da prĂ¡tica dos crimes de peculato, associaĂ§Ă£o criminosa e lavagem de dinheiro.

AlĂ©m de Bolsonaro, foram indiciados 11 ex-assessores e aliados do ex-presidente, entre eles o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, o ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque, o ex-chefe da Receita Federal Julio Cesar Vieira Gomes e os advogados Frederick Wassef e Fabio Wajngarten. Wajngarten foi chefe da Secretaria Especial de ComunicaĂ§Ă£o Social (Secom).

Bolsonaro vinha sendo investigado sob a suspeita de intervir, pessoalmente e por meio de funcionĂ¡rios da PresidĂªncia, para conseguir a liberaĂ§Ă£o de um conjunto de joias dado pelo governo da ArĂ¡bia Saudita e avaliado por peritos da PF em R$ 5,1 milhões.

Como foi um presente institucional, os itens deveriam ser catalogados e incorporados ao patrimĂ´nio da UniĂ£o. O ex-presidente prestou depoimento Ă  PF sobre esse caso em abril e em agosto do ano passado.

O relatĂ³rio final da PF estĂ¡ prestes a ser entregue ao Supremo Tribunal Federal. Quando o inquĂ©rito for remetido formalmente ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, ele deve abrir vista Ă  Procuradoria-Geral da RepĂºblica. Cabe ao Ă³rgĂ£o se manifestar sobre um eventual oferecimento de denĂºncia contra os investigados. O MinistĂ©rio PĂºblico Federal pode seguir ou nĂ£o o parecer da PF.

Exterior

O indiciamento ocorreu na esteira da OperaĂ§Ă£o Lucas 12:2, que apontou indĂ­cios de que Bolsonaro e aliados “atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razĂ£o do cargo pelo ex-presidente para posteriormente serem vendidos no exterior”.

Segundo a corporaĂ§Ă£o, dados do inquĂ©rito indicam a possibilidade de o Gabinete Adjunto de DocumentaĂ§Ă£o HistĂ³rica do Gabinete Pessoal da PresidĂªncia – responsĂ¡vel pela definiĂ§Ă£o do destino de presentes oferecidos por autoridade estrangeira ao presidente – “ter sido utilizado para desviar, para o acervo privado, presentes de alto valor, mediante determinaĂ§Ă£o” de Bolsonaro.

Ă€ Ă©poca em que a Lucas 12:2 foi aberta, os investigadores implicaram o ex-presidente em duas hipĂ³teses criminais. A primeira levantou suspeitas de que o esquema teria ocorrido durante quase toda a gestĂ£o de Bolsonaro, entre 2019 e dezembro de 2022, com o desvio de presentes recebidos pelo ex-presidente e a remessa, de forma oculta, para os Estados Unidos, em aviĂ£o presidencial.

A PF indica que, naquele paĂ­s, os presentes foram encaminhados para lojas especializadas na FlĂ³rida, em Nova York e na PensilvĂ¢nia, “para serem avaliados e submetidos Ă  alienaĂ§Ă£o, por meio de leilões e/ou venda direta”.

JĂ¡ a segunda hipĂ³tese criminal da PF Ă© a de que o mesmo grupo teria ocultado “origem, localizaĂ§Ă£o e propriedade dos recursos financeiros decorrentes da alienaĂ§Ă£o dos bens desviados do acervo pĂºblico”.

Resgate

Segundo a apuraĂ§Ă£o, apĂ³s o EstadĂ£o revelar o recebimentos de kits de joias por integrantes do governo Bolsonaro, os investigados estruturaram uma “verdadeira operaĂ§Ă£o para resgatar os bens, que estavam em estabelecimentos comerciais nos EUA, para retornarem ao Brasil e serem devolvidos ao governo brasileiro, tudo para cumprir uma decisĂ£o exarada pelo Tribunal de Contas da UniĂ£o (TCU)”.

Dados de presente a Bolsonaro pelo regime ditatorial da ArĂ¡bia Saudita, um par de brincos de diamantes, um relĂ³gio de luxo e um colar de ouro estavam na mochila de um assessor do entĂ£o ministro Bento Albuquerque. Era outubro de 2021 e as joias quase entraram de maneira irregular no PaĂ­s. A investida foi barrada pela fiscalizaĂ§Ă£o da Receita no Aeroporto de Guarulhos (SP).

A histĂ³ria começou com a primeira visita de Bolsonaro Ă  ArĂ¡bia Saudita, em 2019. Na visita, o ex-presidente recebeu do rei Salman Bin Abdulaziz Al Saud um relĂ³gio Rolex. O item ficou com o ex-chefe do Executivo e, posteriormente, foi vendido por assessores da PresidĂªncia nos Estados Unidos.

Em março de 2021, foi exposto que trĂªs pacotes de joias entregues pelo governo saudita chegaram ao PaĂ­s de forma irregular. Um dos kits foi apreendido em Guarulhos e os outros dois foram entregues para o ex-presidente, que incorporou os itens ao “acervo privado” dele. A prĂ¡tica Ă© ilegal, tendo em vista que a legislaĂ§Ă£o brasileira exige que presentes sejam entregues para o patrimĂ´nio da PresidĂªncia.

Entrega

Wassef negou que Bolsonaro ou Mauro Cid tenham pedido que ele resgatasse o relĂ³gio Rolex no exterior. “Eu estava em viagem nos Estados Unidos e apenas pratiquei um Ăºnico ato, que foi a compra do Rolex com meus prĂ³prios recursos, para devolver ao governo federal. Entreguei espontaneamente Ă  PolĂ­cia Federal todos os documentos que provam isto. Nem eu e nem os demais advogados do ex-presidente tivemos acesso ao relatĂ³rio final, o que choca a todos, o vazamento Ă  imprensa de peças processuais que estĂ£o em segredo de Justiça. Estou passando por tudo isto apenas por exercer advocacia em defesa de Jair Bolsonaro”, declarou o advogado do ex-presidente.

FĂ¡bio Wajngarten criticou a conduta da PF. “O meu indiciamento se baseia na seguinte afronta legal: fui indiciado porque, no exercĂ­cio de minhas prerrogativas, defendi um cliente, sendo que em toda a investigaĂ§Ă£o nĂ£o hĂ¡ qualquer prova contra mim. Fui indiciado pela razĂ£o bizarra de ter cumprido a lei”, afirmou.

Wajngarten disse ainda que sua orientaĂ§Ă£o, como advogado, foi a de que os presentes “fossem imediatamente retornados Ă  posse do Tribunal de Contas da UniĂ£o”. “Minha sugestĂ£o foi acolhida e os presentes, entregues imediatamente ao TCU.” Ele afirmou que vai recorrer “a todas as instĂ¢ncias da Justiça para conter o abuso de poder e essa atitude arbitrĂ¡ria de um integrante da PF”.

As defesas dos outros indiciados nĂ£o haviam se manifestado atĂ© a publicaĂ§Ă£o deste texto. O espaço segue aberto a manifestações. (COLABOROU GABRIEL DE SOUSA)

As informações sĂ£o do jornal O Estado de S. Paulo.