Audiência pública na Câmara de Curitiba acaba com pedido de cassação por apologia ao uso de drogas

Josianne Ritz e Martha Feldens
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(Foto: Carlos Costa/CMC)

Uma audiência pública promovida na Câmara Municipal de Curitiba (CMC), na última terça-feira (5), provocou forte reação de parlamentares devido à distribuição de um folder com orientações sobre a estratégia de redução de danos voltada a usuários de drogas. O debate culminou até no pedido de cassação da vereadora Professora Ângela (PSOL) sob a alegação de apologia ao uso de drogas. A audiência pública debateu sobre o tema “Sistema de Segurança Pública, Saúde e Políticas de Drogas para a Cidade de Curitiba”.

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Na sessão plenária de ontem, dez vereadores se manifestaram em plenário para criticar o conteúdo do material, que, segundo eles, faz apologia ao uso de entorpecentes.  

A audiência foi uma iniciativa do mandato da vereadora Professora Angela (PSOL), que rebateu as críticas e defendeu a necessidade de uma nova abordagem sobre a política de drogas, “que não seja apenas um assunto de polícia, mas sim de saúde, direito, liberdade e autonomia”.

 O vereador Da Costa (União) disse que “diante da gravidade da situação”, ingressou com um pedido de cassação da vereadora e enviou ofício também ao Ministério Público do Paraná “noticiando esse crime”. Ele ainda apontou outros 12 colegas que endossariam a sua queixa. Nesta quinta, vários deles se manifestaram.

O vereador Da Costa relatou ter sido avisado por sua assessoria de que, na audiência pública em questão, havia uma mesa com vários panfletos que “faziam apologia ao uso de drogas”, o que o levou a ir até o local e a gravar um vídeo para expor a situação, que considerou um “crime, gravíssimo e deplorável”. O parlamentar lembrou que a audiência pública foi sim aprovada pelo plenário – o que é feito com a votação de um requerimento escrito -, mas acusou Professora Angela de ter feito isso de forma “mascarada”.

Referindo-se ao folder distribuído no evento, o vereador disse que havia referências a vários tipos de drogas, que, na sua avaliação, incentivariam as pessoas a ingressar no mundo das drogas. “Eu entendo que, se você quer reduzir o dano que a droga causa na pessoa, você vai incentivando ela a deixar de usar a droga, e não a usar”, opinou Da Costa sobre o conceito da estratégia de redução de danos. Ele fez a leitura de um trecho do material: “inclusive onde fala sobre o LSD, ‘conheça a substância e inicie em pequenas quantidades’, se isso aqui não é incentivar o consumo, então eu não sei mais o que é apologia ao uso de drogas”.

Na sequência, o parlamentar narrou várias ocorrências que atendeu, enquanto era policial militar, que envolviam usuários de drogas. Em uma delas, contou, teve que fazer massagem cardíaca em uma pessoa, durante 40 minutos, porque “o cidadão estava com o nariz entupido de cocaína”. “Eu poderia passar a manhã inteira aqui falando sobre o que a droga faz na vida das pessoas. É deprimente ver um usuário de crack. E ontem aqui não achem que tinha usuário de crack não, tinha um monte de playboys que não têm ideia do que é isso aqui”, disse, referindo-se novamente ao material.

A vereadora Delegada Tathiana Guzella (União) classificou o episódio como “crime ocorrido dentro da Casa” e criticou o conteúdo do folder, que “diz como usar da melhor forma, para um melhor aproveitamento, o LSD, o crack, cogumelos”. A vereadora questionou se a autora do material repassaria essas informações a seus próprios filhos e alertou que “o Brasil é consignatário de diversos tratados internacionais e assumiu, através dos seus governantes, atual e anteriores, o compromisso de jamais liberar a comercialização da droga”.

Câmara de Curitiba: Vereadora Professora Ângela reafirma importância da “política de redução de danos”

Vereadora esclareceu sobre a audiência pública que debateu o sistema de segurança, sáude e política de drogas. (Foto: Carlos Costa/CMC)

O departamento jurídico do mandato da vereadora Professora Angela, do PSOL, informou ao que ainda não foi notificado do pedido de cassação do mandato dela, feito esta semana pelo vereador DaCosta (União), sob a acusação de apologia ao uso de drogas. Segundo a assessoria jurídica da vereadora, o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) “segue defendendo que a política de redução de danos é uma questão de saúde pública e precisa ser discutida de forma ampla e democrática”. E informou que o partido irá defender o mandato da vereadora, “que é tão importante para nós.”

Professora Angela foi acusada de fazer apologia ao uso de drogas por causa de material de divulgação dessa chamada política de contenção de danos que seu gabinete preparou. São panfletos com recomendações de cuidados por quem é usuário de drogas. O material estava disponível durante uma audiência pública na terça-feira (5) à noite na Câmara.

Direção da Câmara de Curitiba diz que vai analisar “eventuais excessos”

Diante da repercussão do caso, a direção da Câmara emitiu uma nota oficial sobre o assunto informando que eventuais excessos ou distorções serão analisados com a devida seriedade, à luz do Regimento Interno e da legislação vigente.

 “A Câmara Municipal de Curitiba (CMC) vem a público esclarecer os fatos relacionados à audiência pública realizada na tarde desta terça-feira (5), com o tema “Sistema de Segurança Pública, Saúde e Políticas de Drogas para a Cidade de Curitiba”. A audiência, proposta pela vereadora Professora Angela (PSOL) – por meio da proposição 407.00017.2025 -, foi aprovada em plenário conforme previsto no Regimento Interno da Casa. As audiências públicas são instrumentos legítimos de participação popular e expressão democrática, e o papel da Presidência e da estrutura administrativa da Câmara é garantir sua realização, sem interferência no conteúdo dos debates ou censura prévia a manifestações da sociedade civil”, afirmou a nota da Câmara.

“No entanto, é importante reafirmar que a CMC não compactua com discursos que, de forma direta ou indireta, possam configurar apologia ao uso de drogas ou incentivo a qualquer prática ilícita. A defesa da liberdade de expressão deve sempre respeitar os limites estabelecidos pela legislação brasileira, bem como os princípios éticos e legais que regem a atuação dos agentes públicos e da sociedade!”