
A vereadora Maria Letícia (PV), acusada de quebra de decoro parlamentar, não se tornará o primeiro parlamentar cassado pela Câmara Municipal de Curitiba (CMC). Nesta terça-feira (23 de abril) os nove integrantes do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar (CEDP) da Casa Legislativa decidiram, por seis votos a três (confira abaixo como votou cada vereador), afastar a aplicação da punição máxima, aplicando, em vez da cassação do mandato, a suspensão de prerrogativas da vereadora por um prazo de seis meses.
Com a suspensão por seis meses das prerrogativas do cargo, a vereadora Maria Letícia não poderá:
- Usar a palavra em sessão em horário destinado ao pequeno ou grande expediente;
- Candidatar-se ou permanecer exercendo o cargo de membro da Mesa, de corregedor, presidente ou vice-presidente de comissão e membro do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar ou membro de comissão parlamentar de inquérito e Procuradoria da Mulher.
ATUALIZAÇÃO: Originalmente, a reportagem informava que o caso ainda teria de ser votado em plenário. Na realidade, por suspender prerrogativas regimentais, o caso é decidido já no Conselho de Ética (art. 14 do Código de Ética e Decoro Parlamentar da CMC). A suspensão temporária do mandato é que demanda análise do caso em plenário (art. 16 do Código de Ética). A reportagem foi corrigida e atualizada às 17 horas.
Como foi a votação
Na semana passada, o vereador Professor Euler (MDB) abriu a votação sobre o caso apresentando um voto favorável à cassação de Maria Letícia. Segundo ele, ao ameaçar os policiais que atendiam o acidente de trânsito em que ela havia se envolvido, dizendo que era vereadora e eles iriam se dar mal, a parlamentar abusou das prerrogativas do cargo, incorrendo na quebra de decoro parlamentar.
“Ou seja, ela tentou usar a prerrogativa do cargo para ser beneficiada, para não ser punida pelo erro que cometeu. Ela abusou das prerrogativas do cargo e isso é hipótese para cassação de mandato“, defendeu Euler.
Angelo Vanhoni (PT), por sua vez, pediu vista na quinta-feira passada, após a apresentação do voto do relator, e reabriu a votação hoje, com voto contrário à aplicação de punição máxima ao caso de Maria Letícia. Segundo ele, pelo princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, não seria adequada a cassação do mandato parlamentar.
“Da conduta aqui apurada, não é possível verificar a quebra de decoro parlamentar, e ainda que se considere desrespeitosa [a conduta de Maria Letícia], não apresentou ofensa à reputação do Poder Legislativo“, defendeu o vereador, pedindo a suspensão de direitos regimentais da parlamentar por 90 dias – direitos estes como usar a palavra, em sessão, no horário destinado ao Pequeno ou Grande Expediente; e candidatar-se a, ou permanecer exercendo, cargo de membro da Mesa, de Corregedor, de Presidente ou Vice-Presidente de Comissão, de membro do Conselho de Ética e Decoro.
Presidente do Conselho, Dalton Borba (Solidariedade) concordou com a aplicação de uma pena mais leve à parlamentar. “Aplicar a cassação é torná-la inelegível. É pena capital. É condenar ao fim da carreira política aquele que sofre a pena. Mas na suspensão de prerrogativas, somente a representada está pagando a conta. Na cassação, a Câmara inteira está pagando a conta, porque nós estamos quebrando aqui, sem dúvida nenhuma, o princípio da representação política. A suspensão, apenas a vereadora responde pelo que ela fez. A Câmara aplica a lei proporcionalmente, razoavelmente, adequadamente, e legalmente”, defendeu o parlamentar.
Sua divergência com relação ao voto de Vanhoni foi em relação à punição a ser aplicada: suspensão por seis meses de todas as prerrogativas inerentes ao cargo de vereadora, uma punição mais dura que a defendida pelo petista – que acabou concordando com a sugestão do presidente do Conselho de Ética,
No final das contas, então, o voto apresentado por Dalton Borba acabou sendo o vencedor, por seis votos a três.
“Não devemos matar um pardal com um tiro de canhão”
O vereador Dalton Borba, que proferiu o voto vencedor no Conselho de Ética, defendeu que a suspensão de prerrogativas da vereadora maria letícia seria uma punição adequada e suficientemente grave. “Lembremos que o parlamento é o lugar daquele que fala, nós estamos tirando o direito de voz da vereadora e isso em ano de eleição. Não é uma punição suficiente?”, questionou ele, fazendo em seguida uma curiosa analogia.
“Temos que ter coragem pra julgar segundo um critério de Justiça, e não ficar com medo da sociedade, nas urnas, se voltar contra nós. Isso é covardia, é hipocrisia. Não devemos matar um pardal com um tiro de canhão.”
O vereador Rodrigo Braga Reis (PL), por outro lado, decidiu seguir o voto do relator, afirmando que Maria Letícia teria cometido sucessivas violações de regras morais, incorrendo em quebra de decoro parlamentar.
“Policiais militares foram chamados de covardes, que seriam lixo, assediadores, que a policial mulher devia ter vergonha de estar na corporação, que era vereadora e que os policiais iriam se ferrar, porque era amigo do secretário de Segurança”, recordou o parlamentar, lembrando ainda que a vereadora se recusou a fazer uso do etilômetro.
“Temos que dar exemplo para toda a população de Curitiba”, discursou o parlamentar. “A sociedade curitibana aceitaria apenas uma suspensão? [A cassação] É a única punição compatível com o Regimento Interno.”
Vereadora se manifesta e diz que cassação seria “absurdo”
A vereadora Maria Letícia se manifestou sobre a decisão do Conselho de Ética através de uma nota divulgada por seu gabinete à imprensa. No texto, ela afirma que foi reconhecida a “desproporcionalidade da pena sugerida pelo relator”, agradecendo ainda aos parlamentares “que rejeitaram o absurdo da cassação uma vez que sequer houve prova de qualquer conduta condenável imputada à parlamentar”.
Ainda segundo a parlamentar, embora ela compreenda a posição do colegiado (que suspendeu prerrogativas regimentais da vereadora), ainda considera a decisão injusta, “reflexo da realidade machista da Câmara e da sociedade, pois não cometeu nenhum ato que configure quebra de decoro”, e reitera que “após o processo, prevaleceu o bom senso e a proporcionalidade”.
Como votaram os integrantes do Conselho de Ética
Participaram da votação nesta terça-feira (23) os nove vereadores que integram o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Ao votar, aqueles que foram contrários à cassação seguiram o entendimento de Dalton Borba, defendendo a suspensão de todas as prerrogativas inerentes ao cargo de vereador por seis meses. Por outro lado, aqueles que pediram a cassação do mandato seguiram o voto do relator, Professor Euler.
Confira abaixo como votou cada parlamentar que integra o Conselho de Ética:
Contra a cassação da vereadora, mas favoráveis à sua suspensão por seis meses
Bruno Pessutti (Pode)
Zezinho do Sabará (PSD)
Marcos Vieira (PDT)
Dalton Borba (Solidariedade)
Pastor Marciano Alves (Republicanos)
Angelo Vanhoni (PT)
A favor da cassação de Maria Letícia
Jornalista Márcio Barros (PSD)
Rodrigo Reis (PL)
Professor Euler (MDB)
Recorde o caso
No dia 25 de novembro de 2023 (um sábado), a vereadora Maria Letícia foi presa em flagrante, suspeita de embriaguez ao volante, após se envolver num acidente de trânsito na alameda Augusto Stellfeld, no Centro de Curitiba.
Na época, a assessoria de comunicação da parlamentar disse que ela foi “vítima de acidente de carro após passar mal” e, em depoimento à polícia, Maria Letícia ainda alegou que houve excesso na abordagem policial.
Segundo o boletim de ocorrência confeccionado pela Polícia Militar, a parlamentar estava sem condições de dirigir, mas ainda tentou ligar o carro para fugir do local e também teria ameaçado os agentes que atendiam a situação, afirmando que era vereadora e que eles “iriam se ferrar”. Ela se recusou a fazer o teste do bafômetro, mas apresentava sinais de embriaguez e foi levada para um camburão, algemada.