O gabinete de número 211, no 21º andar do prédio do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ), na Rua Mauá, no centro de Curitiba, passa a ser ocupado pela ex-promotora pública Estado e agora desembargadora, Ângela Khury Munhoz da Rocha. Ela é 11ª mulher a ocupar a vaga, entre os 120 membros da Casa. Longe das dificuldades das primeiras mulheres a assumir o cargo, quando o prédio se quer tinha sanitário feminino, Ângela assume com novos desafios: humanizar a atuação do judiciário, agilizar o sistema e fazer com que a Justiça chegue aos mais humildes.

A indicação da nova desembargador está na cota do “quinto constitucional”, os 20% do quadro que são compostos por indicação da Ordem dos Advogados do Brasil ou do Ministério Público. Sempre foram indicados membros do corpo de juristas da ordem, mas Ângela quebrou o tabu e é a primeira promotora pública a ser nomeada como desembargadora.

Com 45 anos de idade, dos quais 23 foram dedicados ao Ministério Público, Ângela Khury é casada com um médico, de quem herdou o outro sobrenome “Munhoz da Rocha”. Mãe de uma filha de 10 anos, a nova desembargadora tomou posse na última quinta e começa a despachar hoje no “gabinete 211”. Ela teve ascensão rápida. Um ano depois de se formar em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 1986, já passou em um concurso para  promotora de justiça substituta em São José dos Pinhais. Passou por comarcas no interior e desde 1990 está em Curitiba. A promotora nova desembargadora concedeu enrevista ao Jornal do Estado:

Jornal do Estado — A senhora é uma das mulheres que assume uma vaga de desembargadora no Tribunal de Justiça do Paraná (TJ). Com isso, temos 11 desembargadoras, o que é raro se comparar com alguns estados, principalmente do Norte e Nordeste. A discriminação foi superada? A mulher tem tido os mesmos sucessos na carreira do Judiciário, como hoje ocorre em outras profissões?

Ângela Khury — Nós mulheres, desde jovens, travamos uma luta sem trégua na busca de um espaço. Quando mais velhas, tentamos compatibilizar trabalho, família, compromissos em geral e uma infinidade de afazeres. Entretanto, apesar de todo o esforço, nos sentimos culpadas se algo não sai como planejamos. Iríamos bem mais longe se conseguíssemos ser parceiras e nos ajudássemos mutuamente.

JE — É inédito o fato da senhora sair do Ministério Público, que é uma instância de fiscalização, denúncias e acusação, para assumir um cargo na área do Judiciário, que é uma instância de julgamento. Qual a importância dessa mudança de postura do Poder Judiciário?

Ângela Khury — Sou a primeira mulher do Ministério Público a ocupar uma cadeira no Tribunal de Justiça. Porém, muitos membros da minha instituição já abrilhantaram o Judiciário. Um deles é Antonio Lopes de Noronha que deu relevante contribuição ao Poder Judiciário. 

JE — É uma função diferente ou a senhora considera um cargo igual ao que desempenhava no MP, estando apenas do outro lado com a toga de desembargadora?

Ângela Khury — Ministério Público e magistratura não se confundem. O primeiro é defensor da ordem jurídica e do regime democrático e é parte, por exemplo, nas ações penais e civis públicas. Ao segundo, incumbe decidir as questões que lhe são trazidas.

JE — A senhora vem de uma família de políticos, como, por exemplo, o ex-deputado e presidente da Assembléia Legislativa, Aníbal Curi, já falecido. Outro exemplo é seu parentesco com o atual deputado estadual Alexandre Curi (PMDB). Isso interfere em algo?


Ângela Khury — Sou sobrinha de Aníbal Curi, um político que fez história em nosso Estado e prima de Alexandre, seu neto, que é o primeiro secretário da Assembleia Legislativa. Anibal era odiado por uns e amado por outros. Eu estou entre aqueles que o amavam. O fato de ter um bom relacionamento com minha família não interfere no exercício do trabalho e na minha independência funcional.

JE — Muitos criticam uma suposta interferência do Judiciário em questões políticas, como vemos no caso das denúncias contra o presidente do Senado, José Sarney (PMDB/AM), e até no caso da sua filha, Roseana Sarney (PMDB/MA), que teve que assumir a vaga de Jackson Lago (PDT/MA), cassado pelo STF.  A senhora acha que está tendo uma “judicialização” da política?

Ângela Khury — Para alguns, na judicialização haveria uma distorção no exercício das atribuições do magistrado ao efetivar concretamente um direito fundamental. Vale dizer: o Judiciário estaria conhecendo matérias que outrora eram vistas como essencialmente políticas. Essa ingerência vem sendo criticada pelos mais diversos motivos. Entretanto, ninguém discorda que o Judiciário vem, de fato, ocupando um vácuo deixado pelo Legislativo e Executivo e que, se daquele não virá a solução definitiva, por certo não tem se omitido. E assumir responsabilidades hoje em dia não é pouca coisa.

JE — Já que o assunto é política, a senhora assume o cargo de desembargadora e pode ocorrer que venha a julgar alguns casos que envolvam amigos de sua família, como do deputado Alexandre Curi, que é da base de apoio do governador Requião (PMDB). Sente-se à vontade para julgar esses casos?

Ângela Khury — A lei concede aos magistrados a possibilidade de não apreciar os casos em que figuram como partes, parentes e amigos. Assim farei na medida que for preciso. Podem esperar de mim a imparcialidade e o respeito às leis.