O auditĂ³rio do Hotel JaraguĂ¡, em SĂ£o Paulo, estava apinhado de jornalistas brasileiros e estrangeiros Ă  espera de um pronunciamento do petista Luiz InĂ¡cio Lula da Silva na noite de 2 de outubro. A festa que o PT esperava fazer para celebrar a vitĂ³ria eleitoral ainda no primeiro turno nĂ£o aconteceu, e Lula segurou sua fala atĂ© as 22h, minutos depois de ampliar a distĂ¢ncia em relaĂ§Ă£o a Jair Bolsonaro (PL) e alcançar 48% dos votos vĂ¡lidos.

A força que o presidente mostrou nas urnas, um baque que desorientou a campanha petista no inĂ­cio deste mĂªs, impulsionou a adesĂ£o de nomes distantes da esquerda e de ex-adversĂ¡rios em torno de uma frente antibolsonarista. Lula fez acenos para religiosos e para o centro e se comprometeu, se eleito, a fazer um governo “para alĂ©m do PT”.

Dois dias depois do primeiro turno, o entorno de Lula estava atĂ´nito. As imagens de Bolsonaro recebendo apoio dos governadores dos trĂªs principais Estados no segundo turno – Minas, SĂ£o Paulo e Rio de Janeiro – eram acompanhadas de dentro do QG petista, enquanto o ex-presidente recebia frades franciscanos para uma bĂªnĂ§Ă£o aos cachorros da famĂ­lia, no dia de SĂ£o Francisco de Assis.

A campanha do PT havia identificado uma avalanche de notícias falsas contra Lula nas redes sociais na véspera do primeiro turno, ligando o petista ao satanismo, e tentava conter o problema com a imagem dos religiosos. Além de largar na frente nos apoios, Bolsonaro mantinha o controle da pauta.

Os dias que se seguiram, no entanto, entregaram Ă  campanha de Lula o maior trunfo na disputa pela PresidĂªncia. Simone Tebet (MDB), terceira colocada na eleiĂ§Ă£o deste ano e o rosto que simbolizava a tentativa de fugir da polarizaĂ§Ă£o, declarou apoio ao petista. Simone mergulhou na campanha, sem deixar de fazer eventuais crĂ­ticas ao PT e a Lula, o que a credenciou como porta-voz de um movimento para atrair descontentes com o petismo em uma chamada “frente democrĂ¡tica”.

LIBERAIS. Economistas liberais e “pais” do Plano Real se somaram ao esforço prĂ³-Lula: Pedro Malan, Edmar Bacha, ArmĂ­nio Fraga e PĂ©rsio Arida declararam voto no petista, assim como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e atĂ© o ex-candidato Ă  PresidĂªncia pelo Novo JoĂ£o AmoĂªdo. Teve tambĂ©m o apoio do PDT de Ciro Gomes, quarto colocado na disputa, e uma concordĂ¢ncia tĂ­mida dele. Parte das articulações foi montada pelo candidato a vice, Geraldo Alckmin (PSB), com movimentos discretos.

Ao lado de Simone, a deputada federal eleita Marina Silva (Rede-SP) tambĂ©m se tornou uma das principais figuras da campanha na busca por votos de indecisos. As duas encamparam com ArmĂ­nio Fraga a tarefa de tentar convencer 650 empresĂ¡rios, banqueiros e CEOs indecisos reunidos na casa da ambientalista Teresa Bracher e do marido dela, o banqueiro CĂ¢ndido Bracher.

No primeiro turno, Lula jĂ¡ tinha conquistado o apoio de oito ex-candidatos a presidente, de sete ex-ministros de FHC, do ex-ministro e ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, de cinco ex-ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo o relator do mensalĂ£o, Joaquim Barbosa, e de parte dos tucanos.

CARTAS. O ex-presidente acolheu sugestões, como a divulgaĂ§Ă£o de uma carta aos evangĂ©licos e, a trĂªs dias do segundo turno, uma carta com a promessa de estabelecer uma polĂ­tica fiscal responsĂ¡vel, recebida com receio pelo mercado. Trocou afagos com Arida e Meirelles, que figuram na lista de “ministeriĂ¡veis”, reiterou a decisĂ£o de nĂ£o disputar a reeleiĂ§Ă£o e prometeu que vai montar um governo “para alĂ©m do PT”.

Os acenos nĂ£o se traduziram em fĂ´lego para o petista de maneira imediata. O Sudeste do PaĂ­s esteve em forte disputa com Bolsonaro, e o presidente largou na frente ao conquistar o apoio dos trĂªs governadores, especialmente de Romeu Zema (Novo-MG). Logo, a campanha do PT incorporou nas peças de televisĂ£o e rĂ¡dio o que aliados de Lula chamam de “pĂ¢ntano” da internet: ataques a Bolsonaro em temas de costumes e religiĂ£o – algo que o partido rejeitava fazer inicialmente.

RELIGIĂƒO. A “guerra santa” dominou parte do segundo turno, com ataques sobre religiĂ£o de lado a lado. Lula rejeitava fazer uma carta de compromisso aos evangĂ©licos, que votam majoritariamente em Bolsonaro, mas foi convencido pela senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), que aderiu Ă  campanha no segundo turno. Por escrito, Lula reforçou a defesa da liberdade religiosa, relembrou feitos de seu governo em favor do segmento e se declarou contra o aborto.

O deputado federal AndrĂ© Janones (Avante-MG) agitava os temas nas redes sociais com tĂ¡ticas semelhantes Ă s de aliados de Bolsonaro, o que inclui sensacionalismo e descontextualizações. A atuaĂ§Ă£o de Janones ajudou a campanha a ocupar um espaço que antes nĂ£o conseguia nas redes.

A virada no Ă¢nimo do QG de Lula ocorreu nos Ăºltimos dez dias de campanha: primeiro, a expressĂ£o “pintou um clima”; depois o ataque armado de Roberto Jefferson contra agentes da PolĂ­cia Federal; e, por fim, dois estudos do MinistĂ©rio da Economia sobre desindexaĂ§Ă£o do salĂ¡rio mĂ­nimo da inflaĂ§Ă£o e sobre o fim da deduĂ§Ă£o de gastos com saĂºde e educaĂ§Ă£o do Imposto de Renda.

A questĂ£o do salĂ¡rio mĂ­nimo, percebida como a mais impactante, permitiu que o PT finalmente emplacasse a pauta que queria: a econĂ´mica, com foco nas dificuldades da vida real da populaĂ§Ă£o.

As informações sĂ£o do jornal O Estado de S. Paulo.