Política Começa nesta terça

Glossário para entender o julgamento do STF sobre trama golpista e Bolsonaro

João Pedro Abdo e Ana Gabriela Oliveira Lima, Folhapress
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© Marcelo Camargo/Agência Brasil

O julgamento do núcleo crucial da trama golpista começará nesta terça-feira (2) e deve durar até 12 de setembro, último dia com sessões reservadas pelo presidente da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal), Cristiano Zanin. O tribunal vai analisar a denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus.

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O glossário abaixo explica os termos mais importantes para entender o caso e as expressões jurídicas que devem aparecer nas falas do advogados e do procurador-geral da República, Paulo Gonet, e nos votos dos ministros.

ABOLIÇÃO VIOLENTA DE ESTADO DE DIREITO
Um dos cinco crimes dos quais os réus do núcleo crucial são acusados. Previsto no artigo 359-L do Código Penal, passou a vigorar em 2021 em substituição aos crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, editada no regime militar. Pune a tentativa de impedir o funcionamento dos Poderes.
AÇÃO PENAL 2668
Número de identificação do processo no qual são investigados e julgados os réus do núcleo crucial da trama golpista.
ARREPENDIMENTO EFICAZ
Ocorre quando, após executar os atos necessários para cometer um crime, o sujeito agiu para evitar que o mesmo seja consumado.
ARTIGO 142
Trecho da Constituição que define o papel das Forças Armadas. Segundo o artigo, Exército, Marinha e Aeronáutica são subordinadas ao presidente da República e servem para garantir a defesa da pátria, dos Poderes, da lei e da ordem. A leitura, rechaçada pelo STF e pela maioria dos juristas, de que artigo permitiria que as Forças atuassem como poder moderador foi usada por bolsonaristas como argumento para pedir intervenção militar.
ATOS EXECUTÓRIOS
Termo deve ser usado nos debates sobre a configuração de uma tentativa de ruptura institucional. Os executórios têm início no momento em que também se inicia a agressão ao bem jurídico protegido —no caso da trama golpista, o Estado democrático de Direito, por exemplo.
As ações praticadas nessa etapa são aquelas que estão descritas nos artigos de cada crime. No caso do homicídio, por exemplo, é quando o assassinato da vítima começa a ser executado. A divisão entre o fim da preparação e o início da execução é um tema sempre muito debatido entre acusação e defesa.
ATOS PREPARATÓRIOS
São aqueles praticados pelo autor ou acusado antes que comece a executar qualquer dano ao bem jurídico protegido pelo crime em questão, como vida, honra, integridade física etc. Inclui a organização do plano e a aquisição de armas, por exemplo. Geralmente, essa etapa também não é passível de punição.
COGITAÇÃO (‘COGITATIO’)
Quando o autor ou suspeito de um crime apenas pensa sobre cometê-lo, mas não atua nesse sentido. Essa etapa não é punida pelo direito penal brasileiro.
COPA 2022
Dois elementos da investigação da trama golpista receberam o nome de “Copa 2022”. Esse era o nome de grupo criado no aplicativo de mensagens Signal para monitorar os alvos do plano de assassinato de autoridades descoberto pela Polícia Federal. Os participantes utilizavam nomes de países (Alemanha, Áustria, Brasil, Argentina, Japão e Gana) para não serem identificados. E Copa 2022 também é o nome de um documento protegido por senha que o “kid preto” Rafael Martins Oliveira enviou por WhatsApp a Mauro Cid. Segundo a PF, tratava-se de uma estimativa de gastos do plano Punhal Verde Amarelo.
CRIME MULTITUDINÁRIO
Também chamado de “crime de multidão”, foi a categoria usada na investigação e no julgamento dos envolvidos no 8 de Janeiro. É praticado por um grupo de pessoas envolvidas em situações de confusão. Nesses casos, não é necessária a descrição individualizada e minuciosa de cada ato praticado por cada envolvido.
DANO QUALIFICADO
O artigo 163 do Código Penal pune danos causados ao patrimônio de terceiros. A PGR acusa os envolvidos na trama golpista de praticar esse crime por insuflarem os participantes dos acampamentos bolsonaristas contra a ordem democrática, o que culminou no 8 de Janeiro. Se condenados, podem ser punidos com até três anos de detenção, além de multa.
DELAÇÃO PREMIADA
Regulamentada em 2013 pela Lei de Organizações Criminosas, é um meio de obtenção de provas no processo penal brasileiro e também recebe o nome de colaboração premiada. Nele, o juiz concede benefícios ao réu, como redução do tempo de pena ou mesmo perdão judicial, em troca de informações úteis para o processo. No caso da trama golpista, o delator é o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA
Ocorre quando, durante os atos executórios, o autor do crime muda de ideia antes de concluir a ação. Para não acarretar punição, essa interrupção deve ocorrer sem interferência de terceiros.
DETERIORAÇÃO DE PATRIMÔNIO TOMBADO
Crime muito semelhante ao dano qualificado. A principal diferença é o objeto danificado que, neste caso, deve ser um patrimônio tombado. A pena de reclusão máxima é um pouco menor, chegando a dois anos. Está previsto no artigo 165 do Código Penal.
ESTADO DE DEFESA
A Constituição prevê que pode ser decretado pelo presidente da República após consulta aos Conselhos da República e de Defesa Nacional. O Congresso tem 24 horas para ratificar a decisão, que deve ser motivada por grave instabilidade institucional ou catástrofes naturais. O local onde será estabelecido o estado de defesa é determinado e restrito. Uma das versões de minuta golpista, encontrada com o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, previa a instauração de estado de defesa na sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
ESTADO DE SÍTIO
A Constituição prevê que tem prazo prorrogável de 30 dias e depende do aval do Congresso para ser decretado, o que pode acontecer caso o estado de defesa seja insuficiente. Pode ser instaurado durante conflito armado com país estrangeiro. Possibilita a adoção de medidas contra cidadãos que incluem requisição de bens e proibição do direito de reunião.
GLO (GARANTIA DE LEI E DA ORDEM)
Medida que dá às Forças Armadas poder de polícia em uma determinada unidade da federação quando as forças de seguranças estaduais ou distritais não são eficazes ou passam por crise. É uma prerrogativa do presidente, que deve editar um decreto de GLO.
GOLPE DE ESTADO
Um dos cinco crimes imputados aos réus pela PGR (Procuradoria-Geral da República). Vigora desde 2021 e está previsto no artigo 359-M do Código Penal. A diferença em relação ao crime de tentativa de abolição do Estado de Direito é que, neste caso, há tentativa de impedir posse de governo eleito. A pena mínima para os dois crimes é de quatro anos. As penas máximas, por sua vez, vão até 12 anos para a tentativa de golpe e oito para a tentativa de abolir o Estado de Direito.
‘ITER CRIMINIS’
Termo em latim que significa “caminho do crime”. No direito penal, designa o conjunto de etapas do cometimento ou não de um crime. A sucessão de fatos descritos vai desde o momento em que o autor cogita praticar o delito até a consumação.
KIDS PRETOS
Nome pelo qual são conhecidos os integrantes de divisão militar também chamada de “forças especiais”. Eles formam a tropa de elite do Exército e são especialistas em operações como infiltração em território inimigo e na formação de leigos em combatentes. O apelido tem origem na farda da divisão, que inclui um gorro preto. Com exceção de Mário Fernandes, todos os militares acusados de envolvimento no plano para matar Lula, Alckmin e Moraes eram “kids pretos”.
LEI MAGNITSKY
Lei dos Estados Unidos usada para aplicar sanções contra atores políticos que tenha violado direitos humanos ou praticado corrupção em larga escala. O governo de Donald Trump aplicou o dispositivo contra o ministro do STF Alexandre de Moraes. A medida foi tratada como uso político da Lei Magnitsky.
MINUTA GOLPISTA
Segundo investigação da Polícia Federal, Bolsonaro e outros réus elaboraram, debateram e revisaram um documento para dar base jurídica à tentativa de impedir Lula (PT) de assumir a Presidência. A primeira vez que o documento veio a público foi em janeiro de 2023, após operação de buscas na casa de Anderson Torres. O inquérito aponta que se tratava da terceira e última versão de um documento, que previa a instauração de estado de defesa no TSE.
Segundo a PF, houve outras duas versões. A primeira, que previa a prisão de Moraes e do então presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi apresentada a Bolsonaro pelo assessor Felipe Martins em novembro de 2022. Também há uma segunda versão que instaurava estado de sítio e decretava a GLO. O ex-presidente teria apresentado a segunda minuta golpista aos chefes do Exército e da Marinha em dezembro de 2022.
NÚCLEO CRUCIAL
Com base na participação apontada na denúncia, os réus nas ações da trama golpista foram agrupados em diferentes grupos para viabilizar um julgamento mais rápido. O núcleo crucial é composto por Jair Bolsonaro, Mauro Cid (ex-ajudante de ordens e delator), Walter Braga Netto (ex-ministro da Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Alexandre Ramagem (ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência), Anderson Torres (ex-ministro da Justiça), Almir Garnier (ex-comandante da Marinha) e Paulo Sérgio Nogueira (ex-ministro da Defesa).
ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA
O crime de participação em organização criminosa armada está previsto no artigo 288 do Código Penal e pune associações de três ou mais pessoas cuja finalidade é o cometimento de crimes. A pena vai de um a três anos de reclusão e pode ser elevada em até metade caso haja emprego de arma de fogo, como defende a PGR que foi o caso dos réus do núcleo crucial.
PEDIDO DE ASILO
Durante o inquérito que apurava as tentativas de interferência na ação penal da trama golpista por parte de Bolsonaro e de seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP), a PF descobriu um documento com o ex-presidente. Trata-se de uma minuta de pedido de asilo político endereçado ao presidente da Argentina, Javier Milei. Para a Polícia Federal, havia risco de fuga.
PRIMEIRA TURMA
O STF, assim como outros tribunais, tem órgãos compostos por parte dos magistrados. O regimento interno das cortes delega funções específicas a esses órgãos. No caso do Supremo, são duas turmas. Uma das atribuições que possuem é processar e julgar ações penais cujo juízo natural é o STF, como a ação penal 2668. A Primeira Turma do STF é formada por Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, atual presidente.
PRISÃO PREVENTIVA
Pode ser decretada antes do julgamento definitivo de um réu. Ela serve para garantir a ordem pública, evitar que um processo sofra interferências e aplicar uma pena quando as provas de autoria já são suficientes. O descumprimento de medidas cautelares anteriores também pode acarretar prisão preventiva.
PROCURADORIA-GERAL REPÚBLICA
O cargo máximo do Ministério Público Federal é exercido atualmente pelo procurador Paulo Gonet. É responsável pela atuação do órgão perante o STF, o que inclui a acusação contra réus em alguns tipos de ações penais, como a da trama golpista.
PUNHAL VERDE E AMARELO
Designa o plano para assassinar Lula, Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes descoberto a partir de um arquivo encontrado no computador do general da reserva Mário Fernandes. Segundo a investigação da PF, cinco pessoas (quatro militares, incluindo Fernandes, e um policial federal) estavam envolvidas no planejamento.
RELATOR
Em um colegiado, o relator é o juiz ou ministro responsável por analisar um processo, elaborar o relatório e dar o voto sobre o caso. É sempre o primeiro a votar, e os demais membros do tribunal podem acompanhá-lo integralmente, parcialmente ou discordar da decisão tomada. Na ação penal 2668, o ministro Alexandre de Moraes é o relator.
TRAMA GOLPISTA
O termo designa o conjunto de ações atribuídas a políticos e militares na acusação de tentativa de golpe de Estado após a vitória de Lula (PT) na eleição de 2022. A referência não inclui os manifestantes presentes nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, processados e julgados em outros processos.
VOLUNTARIEDADE
Um dos requisitos da delação premiada é a “voluntariedade da manifestação da vontade”. O delator deve aderir espontaneamente, e a validade do acordo depende dessa adesão. Essa questão é ainda mais latente quando um delator está em prisão preventiva, por exemplo. No caso de Mauro Cid, a voluntariedade do acordo foi questionada devido a mensagens trocadas entre ele e Luiz Eduardo Kuntz, advogado de um dos réus da trama golpista.