Há 40 anos Curitiba cria datas para calendário que não existe

Há quase 40 anos os vereadores de Curitiba gastam tempo (e consequentemente dinheiro público) discutindo uma série de projetos que criam datas ou eventos para o calendário oficial do município. Desde 1987, mostra um levantamento inédito feito pelo Bem Paraná, pelo menos 175 leis desse tipo foram aprovadas pelos parlamentares e depois sancionadas pelo prefeito. Apenas em 2025, seis datas já foram promulgadas e outros 49 projetos de lei começaram a tramitar no Legisltivo curitibano.

Só que se você tentar, não vai conseguir localizar esse tal de “calendário oficial” de Curitiba. E o motivo para isso é simples: esse calendário nunca foi criado, de fato.

O que acontece é uma espécie de limbo legislativo. Ao longo dos anos, os vereadores começaram a utilizar com mais recorrência o instrumento de incluir datas e eventos no calendário. Contudo, não existe uma lei criando formalmente esse calendário e, consequentemente, organizando as celebrações que constam nele. Como resultado, o que temos são leis esparsas pelo ordenamento do município, mandando incluir datas ou eventos num calendário que, na realidade, não existe.

Ou melhor, não existia. Porque o Bem Paraná tratou de construir uma primeira relação do que seria essa agenda curitibana.

Metodologia

Para realizar o levantamento, a reportagem consultou o site Leis Municipais, verificando as legislações do município que continham as seguintes palavras-chave: “calendário” e “oficial”.

Via de regra, os legisladores falam, em suas proposições, sobre incluir datas ou eventos no “Calendário oficial do município”, no “Calendário oficial de eventos do município” ou, até no “Calendário oficial de eventos culturais do município”. A distinção entre o que se incluiria num ou outro calendário, porém, não é clara, o que faz datas comemorativas e eventos se misturarem, na prática.

O levantamento, então, optou por juntar todas as datas e eventos oficialmente incluídos nalgum “calendário oficial” numa agenda única.

A primeira celebração do calendário de Curitiba: uma Semana sem data

A primeira data inclusa num calendário oficial de Curitiba é a Semana de Prevenção de Acidentes. Instituída em 1987, através da Lei nº 7044, seria uma ocasião para se fazer “palestras, cursos e seminários” e levar noções básicas sobre “prevenção de acidentes em geral” à população.

A ideia era que fosse um evento anual, mas o legislador não definiu uma data em específico. Em vez disso, delegou ao Poder Executivo, através de decreto, a missão de designar um dia e mês para as atividades. E esse decreto nunca foi publicado.

E essa não é a única celebração sem data no calendário da cidade. A mostra Traços Curitibanos (que apresenta a produção local da ilustração, quadrinhos, caricatura e animação), por exemplo, deverá ser realizada a cada dois anos, “preferencialmente nos anos pares”. Geralmente, o evento acontece entre março e junho ou abril e julho, mas isso não fica claro na legislação.

Profissões, pautas de saúde, Dia da Imaginação e Dia da Bocha

Grande parte das celebrações na cidade são de cunho religioso. Outras tantas recordam as mais diversas profissões (da empregada doméstica ao médico, passando pelo taquígrafo e o auditor fiscal de tributos municipais). Há também eventos datas diversas que remetem a questões de saúde (como a Semana de Prevenção ao Alcoolismo e a Semana Municipal de Prevenção e Combate à Depressão).

Entre os esportes, o futebol não é mencionado. Mas a bocha tem o seu lugar: o dia 25 de maio, numa homenagem às tradições da imigração italiana que prosperaram na cidade.

O Yoga também é privilegiado e celebrado em duas ocasiões: no Dia do Yôga (18 de fevereiro, data de nascimento do mestre hindu Sri Rámakrishna) e na Semana de Incentivo à Prática do Yoga (celebrada na semana do dia 21 de junho, o Dia Internacional do Yoga).

Outra data curiosa é o Dia Municipal da Imaginação, 12 de junho. Trata-se de uma homenagem ao publicitário Sérgio Mercer e a “todas as figuras especiais, inimigas da mediocridade que com sua imaginação e talento contribuem para um país especial”.

Um mês vazio, três datas para um dia só e o “congestionado” Dia sem Carro

Dos 12 meses do ano, um deles acabou ficando sem qualquer data para ser celebrada no calendário curitibano: o de janeiro. Por outro lado, alguns dias chegam a ter três datas para serem celebrada de uma só vez.

No dia 21 de março, por exemplo, comemoram-se os dias municipais do Combate ao Racismo, do Imigrante e da Síndrome de Down. Já em 19 de setembro temos os dias do Jovem Adventista, o do Educador Social e da Memória Tropeira. E isso tudo ainda dentro da Semana da Mobilidade Ativa (16 a 22 de setembro).

Mas dia congestionado mesmo é o Dia Municipal sem Carro (22 de setembro). Ele foi criado em 2004, mas em 2020 acabou incorporado à Semana da Mobilidade Ativa. Mas agora pode voltar, porque há um novo projeto de lei tramitando e sendo discutido pelas comissões da Câmara para reinstituir “o Dia Municipal Sem Carro no Calendário Oficial de Eventos do Município de Curitiba”.

O Dia da Consciência Negra e o seu feriado “cancelado”

No Brasil, o Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, é feriado nacional desde o ano passado, graças à Lei nº 14.759/2023. Em Curitiba, no entanto, o reconhecimento da data como um feriado municipal poderia ter vindo antes, muito antes.

Desde 2003 a data consta no calendário oficial da cidade. Inicialmente, no entanto, era só mais uma das várias datas na agenda curitibana. Isso até 2013, quando uma iniciativa do vereador Clementino Vieira foi aprovada e atualizou a redação da Lei Municipal 10.921/03. A partir dali – e seguindo os exemplos dos estados do Mato Grosso e do Rio de Janeiro -, Curitiba passaria a ter um feriado no dia 20 de novembro.

Eis que se aproximou o dia do feriado e a polêmica se instalou na cidade. De um lado, entidades como a Associação Comercial do Paraná (ACP) e o Sindicato da Construção Civil do Paraná (Sinduscon-PR) alegavam prejuízo milionário com o fechamento do comércio, indústria e serviços em geral. Do outro, a Câmara Municipal defendia sua competência para legislar sobre o assunto e a militância, a relevância de se reconhecer ocasião tão simbólica como um feriado, e não como só mais uma data.

No final, porém, as alegações econômicas tiveram um peso maior e o feriado acabou suspenso pela Justiça do Paraná. Uma situação que só foi mudar em 2024, quando a lei nacional começou a valer e determinou o Dia da Consciência Negra como feriado em todo o país.

O Calendário Oficial de Curitiba