ApĂ³s 56 anos, a certidĂ£o de Ă³bito que atribuĂ­a a morte de Higino JoĂ£o Pio a um suicĂ­dio serĂ¡ atualizada. Na causa da morte do catarinense, que foi o primeiro prefeito eleito de BalneĂ¡rio CamboriĂº, passarĂ¡ a constar ações de agentes do Estado brasileiro durante a ditadura militar.

Higino foi uma das 698 pessoas em Santa Catarina que sofreram violações de direitos humanos, segundo estima a ComissĂ£o Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright. Ele foi tambĂ©m o Ăºnico dos presos polĂ­ticos a ser morto em territĂ³rio catarinense.

A atualizaĂ§Ă£o da certidĂ£o de Ă³bito ocorre na esteira da resoluĂ§Ă£o nº 601/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Aprovada em dezembro do ano passado, ela dispõe sobre o dever dos cartĂ³rios de reconhecer e retificar os certificados de Ă³bito de todos os mortos e desaparecidos vĂ­timas da ditadura militar.

A mesma resoluĂ§Ă£o embasou a correĂ§Ă£o do documento do ex-deputado Rubens Paiva, no fim de janeiro.

Um dos filhos do ex-prefeito, o empresĂ¡rio Julio Cesar Pio, contou ao EstadĂ£o que a retificaĂ§Ă£o do documento foi muito aguardada pela famĂ­lia. “Acho que demorou muitos anos, porque a prova que ele foi assassinado foi em 2014. Mas ainda tem muita coisa a ser esclarecida na histĂ³ria do meu pai”, afirmou ele, que tinha 13 anos quando Higino foi levado por agentes da ditadura.

O caso foi investigado a pedido da ComissĂ£o Estadual da Verdade, e a morte “em decorrĂªncia de aĂ§Ă£o perpetrada por agentes do Estado brasileiro” foi confirmada por perĂ­cia realizada pela ComissĂ£o Nacional da Verdade (CNV). O laudo, assinado pelos peritos Saul Martins e Roberto Niella, foi apresentado pela CNV em 2014.

Na conclusĂ£o, a ComissĂ£o recomendou a retificaĂ§Ă£o da certidĂ£o de Ă³bito de Higino JoĂ£o Pio, assim como a continuidade das investigações sobre as circunstĂ¢ncias do caso, para a identificaĂ§Ă£o e a responsabilizaĂ§Ă£o dos agentes envolvidos no caso.

Higino JoĂ£o Pio foi eleito pelo Partido Social DemocrĂ¡tico (PSD) em 1965, assim que o municĂ­pio foi desmembrado de CamboriĂº. Conforme o relatĂ³rio final da ComissĂ£o Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright, o ex-prefeito foi preso em 19 de fevereiro de 1969, acusado de irregularidades administrativas.

A prisĂ£o estava relacionada, segundo o documento, a “disputas polĂ­ticas locais e [ao fato] de [Higino] ser amigo pessoal de JoĂ£o Goulart”. Outros funcionĂ¡rios da prefeitura tambĂ©m foram levados e conduzidos para a Escola de Aprendizes de Marinheiros de FlorianĂ³polis. ApĂ³s prestarem depoimento, apenas Higino JoĂ£o Pio permaneceu detido.

No dia 3 de março, dia do aniversĂ¡rio da mulher dele, a famĂ­lia foi notificada de sua morte, por suicĂ­dio que teria sido causado por asfixia com um pedaço de arame. Ele foi encontrado morto em uma das celas da Marinha.

“As fotos apresentam Higino JoĂ£o Pio com os pĂ©s firmemente no chĂ£o, o queixo apoiado num vĂ£o da parede e as mĂ£os dobradas. SituaĂ§Ă£o impossĂ­vel para um suicida”, diz o relatĂ³rio da ComissĂ£o estadual.

De acordo com Julio Cesar, o processo de atualizaĂ§Ă£o da certidĂ£o de Ă³bito do ex-prefeito Higino JoĂ£o Pio no cartĂ³rio deve ser concluĂ­do atĂ© o fim do mĂªs.