Indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o ministro Kassio Nunes Marques votou a favor do entendimento de que a ConstituiĂ§Ă£o nĂ£o permite uma intervenĂ§Ă£o militar sobre os trĂªs Poderes.
Com isso, o placar agora estĂ¡ em 10 a 0 contra a tese do chamado “poder moderador” das Forças Armadas. Dias Toffoli foi o Ăºnico que ainda nĂ£o apresentou seu voto. Ele tem atĂ© esta segunda-feira, 8, para se manifestar no processo.
Nunes Marques decidiu acompanhar nesse sĂ¡bado, 6, o relator da aĂ§Ă£o, ministro Luiz Fux. É o mesmo entendimento de Edson Fachin, AndrĂ© Mendonça, CarmĂ©n LĂºcia e LuĂs Roberto Barroso. Os ministros FlĂ¡vio Dino, Gilmar Mendes, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes tambĂ©m votaram junto com o relator, mas apresentaram seus votos.
A AĂ§Ă£o Direta de Inconstitucionalidade (ADI) foi ajuizada pelo Partido Democrata Trabalhista (PDT) em 2020. A legenda questionou o Supremo sobre interpretações do artigo 142 da ConstituiĂ§Ă£o Federal, que trata das Forças Armadas. Bolsonaristas frequentemente utilizam o trecho para defender uma intervenĂ§Ă£o militar “dentro da legalidade”.
“Qualquer instituiĂ§Ă£o que pretenda tomar o poder, seja qual for a intenĂ§Ă£o declarada, fora da democracia representativa ou mediante seu gradual desfazimento interno, age contra o texto e o espĂrito da ConstituiĂ§Ă£o”, disse Fux, o relator, em seu voto. Ele acrescentou que Ă© urgente “constranger interpretações perigosas que permitam a deturpaĂ§Ă£o do texto constitucional e de seus pilares e ameacem o Estado DemocrĂ¡tico de Direito”.
O artigo 142 da ConstituiĂ§Ă£o foi mencionado uma sĂ©rie de vezes por Bolsonaro ao longo do seu governo, com a tese de que as Forças Armadas teriam poder de moderar conflitos entre os TrĂªs Poderes. Extremistas passaram a citar o dispositivo com mais frequĂªncia depois da vitĂ³ria de Luiz InĂ¡cio Lula da Silva nas urnas, em outubro de 2022.
Para Moraes, o entendimento Ă© uma “pĂfia, absurda e antidemocrĂ¡tica interpretaĂ§Ă£o golpista”. O ministro tambĂ©m afirmou, em seu voto, que o presidente da RepĂºblica que convocar as Forças Armadas para intervir nos outros Poderes estarĂ¡ cometendo crime de responsabilidade. “A gravidade maior do estado de sĂtio exige, em regra, prĂ©vio controle polĂtico a ser realizado pelo Congresso Nacional, ou seja, prĂ©vio controle do poder Legislativo civil”, disse.
Bolsonaro, generais das Forças Armadas e ex-ministros de Estado sĂ£o investigados pela PolĂcia Federal por uma tentativa de golpe. O grupo teria produzido documentos e planejado ações para anula o resultado das Ăºltimas eleições, evitar a posse de Lula e prender ministros da Suprema Corte.
O ministro FlĂ¡vio Dino declarou em seu voto que nĂ£o existem interpretações que permitem uma intervenĂ§Ă£o das Forças Armadas. O ministro tambĂ©m registrou que a ConstituiĂ§Ă£o nĂ£o estabelece a existĂªncia de um “poder moderador” e sim a dos trĂªs poderes civis: Legislativo, Executivo e JudiciĂ¡rio.
“Lembro que nĂ£o existe, no nosso regime constitucional, um “poder militar”. O poder Ă© apenas civil, constituĂdo por trĂªs ramos ungidos pela soberania popular, direta ou indiretamente. A tais poderes constitucionais, a funĂ§Ă£o militar Ă© subalterna, como aliĂ¡s consta do artigo 142 da Carta Magna”, afirmou Dino.
O decano do STF, ministro Gilmar Mendes, tambĂ©m rejeitou a interpretaĂ§Ă£o de um “poder moderador” e afirmou que a tese passou a ser veiculada apĂ³s um “processo de reivindicaĂ§Ă£o de protagonismo polĂtico” dos militares. Segundo ele, o fenĂ´meno se aprofundou com a eleiĂ§Ă£o de Bolsonaro em 2018.
No voto, Gilmar tambĂ©m relacionou a violĂªncia dos atos golpistas de 8 de Janeiro com as reivindicações dos quartĂ©is. Segundo o magistrado, os ataques aos TrĂªs Poderes nĂ£o pode ser devidamente compreendida “se dissociada desse processo de retomada do protagonismo polĂtico das altas cĂºpulas militares”.
Cristiano Zanin classificou como “totalmente descabida” a interpretaĂ§Ă£o de que as Forças Armadas podem intervir como um “poder moderador” durante crises institucionais. O ministro pontuou que nĂ£o se pode cogitar uma prevalĂªncia das instituições militares diante dos demais poderes constitucionais.
A ministra CĂ¡rmen LĂºcia disse em seu voto que o “poder moderador” nĂ£o estĂ¡ previsto na ConstituiĂ§Ă£o. Segundo a magistrada, qualquer interpretaĂ§Ă£o da lei que deduza a atuaĂ§Ă£o das Forças Armadas desta forma Ă© um “delĂrio antijurĂdico ou desvario antidemocrĂ¡tico”.
“Qualquer referĂªncia Ă interpretaĂ§Ă£o de norma legal que confronte os termos expressos dos artigos 1º e 2º da ConstituiĂ§Ă£o do Brasil Ă© delĂrio antijurĂdico ou desvario antidemocrĂ¡tico, nĂ£o Ă© interpretaĂ§Ă£o constitucional. Nem mesmo os poderes constitucionais – Legislativo, Executivo e JudiciĂ¡rio – estĂ£o acima nem podem atuar contra a ConstituiĂ§Ă£o”, disse.