
A retomada dos radares de velocidade das estradas federais, paralisados desde o dia 1º de agosto por falta de pagamento, passa diretamente pela decisão do Palácio do Planalto de não atender a um pedido de remanejamento de verba feito há meses pelo Ministério dos Transportes e pelo Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Conforme a ‘Folha de S.Paulo’, há recursos no caixa da pasta para fazer o pagamento atrasado das empresas que fazem a fiscalização dos radares. Para isso, teria que haver um remanejamento de verba de outra área do ministério para cobrir os custos dos radares.
No primeiro semestre deste ano, a pasta e o Dnit enviaram esse pedido. A realocação de recursos, porém, depende do aval da Casa Civil e do Ministério do Planejamento, autorizações que não aconteceram até hoje.
Nesta terça-feira (18), a 5ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal deu prazo de 24 horas para o Dnit comunicar as concessionárias do serviço que todos os radares devem voltar a funcionar. Em caso de descumprimento, foi fixada multa diária de R$ 50 mil por radar, aplicada tanto ao órgão quanto às empresas.
Solução
Além da Advocacia-Geral da União (AGU), houve intimação pessoal ao chefe da Casa Civil, ministro Rui Costa, para acompanhar o caso e buscar uma solução.
“Para surpresa deste juízo, o atual governo federal, grupo que, à época da retirada dos radares nas rodovias federais (durante a gestão de Jair Bolsonaro), foi um dos grandes críticos daquela medida e, posteriormente, celebrou com elogios o Acordo Nacional dos Radares, agora age de forma oposta, o que soa contradição e retrocesso na proteção social, no cuidado das pessoas”, afirmou em sua decisão a juíza Diana Maria Wanderlei da Silva.
A reportagem questionou a Casa Civil. Não houve posicionamento até a publicação deste texto. O Dnit declarou que foi informado da decisão judicial na noite de segunda-feira (18) e que, diante disso, os técnicos da autarquia estão analisando os termos da decisão para apresentar, com a Advocacia-Geral da União, os seus argumentos
“A autarquia reitera seu compromisso com a segurança viária das rodovias sob sua administração e que atua dentro dos preceitos legais dos trâmites administrativos, garantindo a lisura de suas ações”, declarou.
Planejamento
O Ministério do Planejamento enviou uma mesma nota que tem encaminhado quando questionado sobre cortes no orçamento. “A alocação de recursos para os diversos órgãos de governo é conduzida no âmbito do processo orçamentário regular, a partir de pleitos dos ministérios supervisores e das entidades vinculadas, e submetida à avaliação da Junta de Execução Orçamentária (JEO).”
Segundo a pasta, “em 2025, eventuais recomposições ou reforços dependem da existência de espaço fiscal, conforme demonstrado nos Relatórios Bimestrais de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias, ou de remanejamento de despesas”.
Já para 2026, afirmou o ministério, “o tema poderá ser discutido no contexto da elaboração da nova proposta orçamentária, considerando as diretrizes do governo, o cenário macroeconômico e as regras do Regime Fiscal Sustentável, a ser consolidado na peça enviado ao Congresso Nacional no fim de agosto”.
Risco
No início de junho, reportagem da Folha de S.Paulo detalhou a situação e o risco iminente de paralisação dos radares.
Integrantes do Ministério dos Transportes criticam o que consideram uma letargia do Planalto em autorizar o remanejamento. Eles também apontam que os radares geram uma receita de mais de R$ 1,1 bilhão por ano em multas de trânsito.
Essa situação decorre de um estrangulamento do orçamento dessas atividades. No início do ano, o Dnit tinha pedido R$ 364,1 milhões para os recursos que, em sua maioria, bancam esse programa. Acontece que o orçamento final aprovado liberou apenas R$ 43,36 milhões, um corte de 88% em relação ao valor solicitado.
Em termos práticos, o valor liberado mal daria para manter os radares em funcionamento por seis meses, como apontou o próprio Dnit. Desde março, o órgão tem alertado sobre o problema e pedido recomposição de pelo menos R$ 114,6 milhões, além da inclusão dos custos entre as linhas do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), para ter certa proteção em relação aos cortes.
Ao todo, o Dnit mantém 21 contratos ativos, que cobrem as 27 unidades da federação. Cerca de 2.000 faixas de trânsito de estradas são monitoradas atualmente. A malha rodoviária federal pavimentada sob responsabilidade direta do órgão tem uma extensão aproximada de 54 mil km.
Relatório do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) embra que os acidentes de transporte terrestre matam cerca de 45 mil pessoas por ano, no Brasil. Além da tragédia humana, o custo dessas mortes para o sistema de saúde é estimado em cerca de R$ 22,6 bilhões.
Em julho, o Dnit já havia alertado que a paralisação do programa sem autorização judicial poderia ser considerada descumprimento de uma decisão da Justiça Federal do Distrito Federal, que trata de um acordo entre o governo e o Ministério Público Federal.
Até 2022, a arrecadação de multas feita tinha autorização para financiar o próprio programa. Desde 2023, porém, esse dinheiro passou a ser redirecionado exclusivamente a outro tipo de necessidade, voltado à administração do próprio Dnit, como custos operacionais, limpeza, segurança e tecnologia, entre outros.