Política Resumo

Recados de Moraes, ofensiva da PGR e bocejos marcam primeiro dia do julgamento de Bolsonaro no STF

Laura Intrieri, Folhapress
Início de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro

BRASÍLIA, DF, 02.09.2025: BOLSONARO-JULGAMENTO - O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes dá início ao julgamento da trama golpista que pode selar o destino do ex-presidente Jair Bolsonaro, na manhã desta terça-feira (2). (Foto: Gabriela Biló/Folhapress)

O STF (Supremo Tribunal Federal) iniciou nesta terça-feira (2) o julgamento do núcleo central da trama golpista, em sessão marcada pelo reforço às acusações feitas na denúncia do procurador-geral Paulo Gonet e pela transmissão de recados por parte do ministro Alexandre de Moraes.

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Relator do processo, Moraes abriu a sessão afirmando que o objetivo de pacificar o país depende do respeito à Constituição e da aplicação das leis, “não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento”. Disse que a Corte ignora ameaças, citou o inquérito em que Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi indiciado por coação e obstrução de Justiça e afirmou que “jamais faltará coragem para repudiar inimigos da soberania nacional”.

Disse ainda que o tribunal julga sem se curvar a “pressões internas ou externas”. Relembrou que os ataques de 8 de janeiro de 2023 foram tentativa de golpe de Estado e apontou ações para “coagir” o Supremo, com alusões a ameaças do presidente dos EUA, Donald Trump, ao Brasil e ao STF.

Após o pronunciamento, o relator iniciou a leitura do relatório da ação penal -espécie de resumo do caso, com teses das partes, fatos e provas. Essa etapa não antecipa o voto, mas a fala inicial de Moraes deixou sinais de como o ministro deve se posicionar no mérito, em sessão prevista para a próxima semana.

Julgamento de Bolsonaro: “ímpetos de autoritarismo”

Na sequência, a PGR (Procuradoria-Geral da República) apresentou a acusação. Em cerca de uma hora e dez minutos, Gonet defendeu que Estados devem reprimir tentativas de golpe para evitar “ímpetos de autoritarismo”. Disse que, “quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”, rebatendo a tese das defesas de que não houve golpe ou tentativa.

Gonet afirmou que a denúncia não se baseia em conjecturas e que fases da empreitada foram documentadas pelos próprios investigados. Enquadrou como violência e grave ameaça atos como as blitzes da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e a reunião de Bolsonaro com os chefes militares, e definiu o 8 de Janeiro como “apogeu violento desses atos”. E reiterou o pedido de condenação pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

O PGR defendeu a validade do acordo de colaboração de Mauro Cid, embora tenha apontado omissões do militar. “Não existe entre nós a figura da mera ‘testemunha premiada'”, afirmou, sustentando redução de pena menor do que a máxima prevista para colaboradores. Segundo ele, a delação agregou “profundidade” a fatos apurados de forma independente pela PF.

Encerrada a acusação, começaram as sustentações das defesas, com tempo de até uma hora para cada. A defesa de Cid abriu a rodada, pelo fato de ele ser o delator.

O advogado Jair Alves Pereira negou coação e disse que sem a colaboração não se teriam conhecido temas relevantes, como a reunião de Bolsonaro com a cúpula das Forças. Leu mensagens do cliente para sustentar que houve discordâncias com a investigação, mas não constrangimento. Cezar Bitencourt, também defensor, afirmou que não há mensagens de autoria de Cid propondo ou incentivando atentados à democracia e que a acusação confunde vínculo funcional com conduta criminosa.

A defesa do deputado Alexandre Ramagem pediu que o STF julgue o caso sem incorporar elementos do processo da chamada “Abin paralela”. O advogado Paulo Renato Cintra Pinto alegou “equívoco grave” da PGR ao tratar como “log de acesso ao sistema FirstMile” um registro que, segundo ele, se referia à entrada física na agência. Reivindicou ainda que a decisão da Câmara que suspendeu parte da ação penal contra o parlamentar seja estendida ao crime de organização criminosa, por supostamente ter se prolongado após a diplomação.

“O próprio MPF [Ministério Público Federal], diante deste extenso relatório, diante do reduzido prazo, não diria apressado, a PGR não teve tempo hábil para se debruçar. Tanto que houve um equívoco muito grave, sobre um suposto log de acesso ao FirstMile”, disse, numa referência ao sistema que permite monitorar a localização de celulares.

A defesa do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, centrou sua fala na liberdade de expressão. O advogado Demóstenes Torres afirmou que “as coisas mais desagradáveis podem ser ditas em nome da liberdade” e que não se pode criminalizar o dissenso. Negou que o militar tenha aderido a planos golpistas em reuniões no Alvorada, dizendo que Garnier permaneceu em silêncio.

Já a defesa do ex-ministro Anderson Torres acusou a PGR de promover “linchamento moral” ao levantar suspeitas sobre a compra de passagens para os EUA na véspera do 8 de Janeiro. O advogado Eumar Novacki disse ter comprovado que a viagem estava marcada desde novembro e classificou a tese acusatória como tentativa de induzir o tribunal a erro. A defesa sustenta que não há atos atribuíveis diretamente a Torres na trama e que a minuta golpista encontrada em sua casa foi recebida de forma circunstancial e sem valor.

A análise da denúncia prossegue nesta quarta-feira (3). O debate será retomado, segundo definiu o tribunal, com a defesa do general Augusto Heleno, ex-ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Na sequência, os advogados de Jair Bolsonaro apresentam os argumentos contra a acusação.

Bocejos e sessão de elogios a ministros

O primeiro dia de julgamento do processo sobre a trama golpista na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) foi pontuado por breves momentos de tensão e constrangimento de advogados dos réus.

O público presente alternou entre o enfado durante as leituras do relatório do ministro Alexandre de Moraes e da sustentação oral do procurador-geral da República, Paulo Gonet, pela manhã, e as risadas de momentos curiosos durante a tarde.

A sessão de ontem foi dividida em duas partes. Pela manhã, falaram apenas Moraes e Gonet. O horário e a ausência de novidades sobre o caso e a acusação levaram a uma profusão de bocejos e idas e vindas à antessala da Primeira Turma, onde havia café disponível.

As defesas passaram a fazer suas sustentações orais depois do almoço. O clima mudou no Supremo.

Em um curto momento de tensão, a ministra Cármen Lúcia rebateu o advogado Paulo Renato Cintra, defensor de Alexandre Ramagem. Ela fez a intervenção após Cintra afirmar que o grupo bolsonarista articula a adoção do “voto auditável ” por meio da votação impressa.

A ministra disse que o processo brasileiro já é auditável e que não é necessário mudar o sistema de votação para confirmar a segurança das urnas.

“Repetiu [conceitos de voto impresso e auditável] como se fossem sinônimos, e não é. O processo é amplamente auditável no Brasil, para que não fique para quem assiste [o julgamento] a ideia de que não é auditável”, disse Cármen ao advogado.

Cintra tentou argumentar, interrompendo a fala da ministra, mas não foi bem-sucedido. O tema foi encerrado abruptamente.

Comentários positivos foram mais frequentes do que momentos de tensão como esse.

A certa altura, o advogado Cezar Bitencourt passou a elogiar cada um dos ministros da Primeira Turma para saudá-los antes de apresentar as questões de mérito da defesa de Mauro Cid.

Quando foi se referir ao ministro Luiz Fux, afirmou: “sempre saudoso, sempre presente, sempre amoroso, sempre atraente, como são os cariocas”.

A fala provocou risadas dos ministros. “Eu quero dizer que não aceito nada menos do que isso”, disse Flávio Dino.

O público presente no julgamento também deu risadas quando o advogado Demóstenes Torres decidiu gastar 21 minutos de sua sustentação oral para fazer elogios aos ministros e a si mesmo antes de iniciar a defesa do ex-chefe da Marinha Almir Garnier Santos.

Torres falou que provavelmente é o único brasileiro a gostar de Jair Bolsonaro e Alexandre de Moraes ao mesmo tempo; que levaria cigarro ao ex-presidente na cadeia; e que convidava Cármen Lúcia para dar palestras no Ministério Público de Goiás.

Em outro momento que provocou risos, sugeriu que o jurista Lenio Streck, seu amigo, fosse indicado para o STF na próxima vaga disponível. “Estão dizendo que o ministro [Luís Roberto] Barroso vai se aposentar quase imediatamente após esse julgamento. Se isso for verdade, o Lenio Streck não terá 70 anos ainda, dá tempo dele ser ministro”, disse.

Alexandre de Moraes levantou as mãos, como sinal de que não acreditava no que ouvia.

Esquema de segurança reforçado

O anexo 2-B do Supremo, conhecido como igrejinha pelas suas janelas de estilo lanceta, ficou cheio pouco depois das 7h. Grandes filas de jornalistas e advogados se formaram na entrada do prédio.

Para entrar no plenário, todos tiveram de passar por dois detectores de metais e máquinas de raio-x. O esquema de segurança foi reforçado diante das crescentes ameaças contra o tribunal e seus ministros com o avanço do processo sobre a trama golpista.

A equipe de segurança do STF fez inspeções e varreduras com cães farejadores antes do início do julgamento. O mesmo processo foi realizado no retorno da sessão, após o almoço.

Foram utilizados drones para monitorar a área próxima ao Supremo, e agentes e carros da polícia judicial fizeram patrulha nas áreas próximas ao prédio da corte.

Os cães farejadores foram usados no plenário da Primeira Turma e em outros locais onde há circulação de pessoas.

Na véspera, as áreas passaram por uma inspeção visual e com equipamentos de varredura. Depois, passaram a madrugada lacradas e foram inspecionadas pelos cães pela manhã.

O Supremo também estabeleceu regras para aqueles que acompanham o julgamento presencialmente, incluindo a proibição de qualquer manifestação de apoio ou repúdio, incluindo palmas, vaias, gritos e cartazes.

Antes do início da sessão, o cerimonial da corte leu ao menos duas vezes as condutas para advogados, jornalistas, assessores e demais presentes no plenário da Primeira Turma. Foram distribuídos folders com as instruções.

Uma das proibições é a de filmagens ou fotografias nas sessões, o que foi reforçado no início do julgamento pelo presidente da turma, Cristiano Zanin.

As regras são similares às que o Supremo já havia instituído no julgamento que recebeu a denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Bolsonaro.