
O Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar no próximo mês uma ação de inconstitucionalidade que analisa a atuação da Advocacia-Geral da União (AGU) na defesa de estrangeiros contra brasileiros. O caso foi pautado para o dia 13 de agosto e deve impactar diretamente as chamadas mães de Haia. São mulheres que voltaram com os filhos ao Brasil após sofrerem violência doméstica no exterior, mas acabaram acusadas de sequestro internacional pelos pais das crianças. Uma paranaense, inclusive, está entre essas mulheres.
Basicamente, o que está em causa no STF é a legalidade da atuação da AGU na defesa de estrangeiros contra brasileiros. O que vem ocorrendo é que advogados da União têm atuado gratuitamente em favor de gringos contra brasileiros, no âmbito de um acordo internacional do qual o Brasil é signatário. Em muitos desses casos, após ação movida pela AGU em defesa dos interesses de pais estrangeiros, mães brasileiras são obrigadas judicialmente a voltar ao país de residência do pai e a entregar seus filhos. Não raro, acusam familiares e entidades que acompanham essas situações, registros e provas de episódios de violência doméstica são ignorados ao longo do processo.
De acordo com dados do Núcleo de Pesquisa em Subtração Internacional de Crianças, da Universidade Federal Fluminense (UFF), as mulheres respondem por 93% dos casos de subtração de menores nessas ocorrências. Além disso, em mais da metade (55%) dos casos há registros de violência sofrida pelas mães ou crianças.
Se o STF decidir pela inconstitucionalidade da atuação da AGU, o órgão ficaria impedido de atuar como advogado de defesa de estrangeiros contra cidadão brasileiros. Em outros países, inclusive, o mais comum é que os estrangeiros tenham de contratar advogados privados ou acionem defensores públicos para pleitear as ações com base na Convenção de Haia.
Caso Valéria Ghisi
Valéria Ghisi, que é curitibana, teve uma filha com um cidadão francês chamado Benjamin, em 2013. Após ser vítima de violência doméstica, no entanto, deixou a residência em que vivia com o parceiro, na França. E após um acordo extrajudicial, retornou ao Brasil com a filha.
Após a mulher voltar ao seu país, no entanto, Benjamin acionou a Justiça Francesa. E na França, ele acabou não só conseguindo a guarda da filha, mas também uma condenação contra Valéria por suposto sequestro da filha.
Com base nessas decisões, a União, mediante auxílio de cooperação jurídica internacional, apresentou um Pedido de Busca e Apreensão e Restituição de Menor. Inicialmente, a 1ª Vara Federal de Curitiba determinou o retorno da criança à França, com salvaguardas garantidas pela Convenção de Haia de 1980.
Ocorre que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em 2018, constatou o descumprimento das salvaguardas por Benjamin. Além disso, também se reconheceu que o francês “ludibriou o Poder Judiciário brasileiro”. Com isso, a sentença inicial foi reformada e os pedidos da União, apresentados nos autos de busca e apreensão, foram julgados improcedentes. No entanto, após o embarque da criança para a França, em outubro de 2016, a menor nunca mais retornou ao Brasil.