
A decisão do ministro Flávio Dino de usar uma ação de outro tema para tentar blindar Alexandre de Moraes de sanções financeiras dos EUA dividiu integrantes do STF (Supremo Tribunal Federal). Com o despacho, Dino acabou se antecipando a Cristiano Zanin, relator da única ação existente no Supremo especificamente sobre a aplicação da Lei Magnitsky. Uma ala do tribunal avalia que faltava firmeza aos donos dos bancos para lidar com a pressão de Donald Trump.
Zanin havia sinalizado a interlocutores no STF e no mercado financeiro que não daria nenhuma decisão às pressas. Ele dizia que antes ouviria os bancos e outros envolvidos no tema. Dino, por sua vez, aproveitou a relatoria de uma ação sobre o rompimento da barragem de Mariana (MG) para determinar, imediatamente, que ordens de governos estrangeiros não podem ser aplicadas no Brasil sem homologação do Supremo.
Parte dos ministros avalia que, mesmo sem ser o responsável pelo tema no tribunal, Dino quis dar um recado aos bancos que operam no Brasil. Em conversas reservadas, o ministro sinalizou que as instituições financeiras estão proibidas de aplicar as sanções a Moraes e que punirá quem desobedecer a determinação.
Dessa maneira, Dino seguiu um caminho diferente do que pregava uma ala do tribunal, que apostava na cautela prometida por Zanin.
Conversas
A decisão de Dino resultou de conversas entre integrantes do STF e banqueiros nas últimas semanas. A avaliação desse grupo no Supremo foi que deveria haver uma contraposição aos ataques do governo Trump contra a soberania nacional, segundo dois ministros ouvidos pela reportagem.
Um ministro do Supremo afirmou, sob reserva, que chegou a comunicar aos donos de bancos que o tribunal poderia dar uma contraordem, na tentativa de anular os efeitos da Lei Magnitsky em território brasileiro. A decisão de Dino seria a confirmação dessa contraordem.
Também havia expectativa entre integrantes do governo Lula (PT) sobre uma decisão do Supremo que oferecesse algum tipo de proteção a Moraes. A dúvida era sobre a forma como a ordem viria, uma vez que a posição de Zanin, contrária a uma decisão apressada, era conhecida.
Representantes dos bancos afirmam, no entanto, que a sanção financeira contra Moraes e a decisão de Dino os deixam em posição delicada.
Um banco consultado pela reportagem avalia que a sanção dos americanos não significava, necessariamente, que a legislação dos EUA se aplicasse no Brasil. O temor, na verdade, é com os desdobramentos fora do país de um eventual descumprimento da Lei Magnitsky em território brasileiro. A decisão de Dino, portanto, abriu uma nova estratégia de atuação do Supremo contra as ofensivas do governo Trump.
Zanin sorteado
O caso estava sob o comando de Zanin porque ele havia sido sorteado relator de um pedido feito pelo líder do PT que pede para o Supremo barrar a aplicação da Lei Magnitsky no Brasil. O ministro avisou a interlocutores no tribunal que não pretendia tomar decisão no curto prazo.
O relator enviou o caso à PGR (Procuradoria-Geral da República) para manifestação. E quer ainda conhecer a posição de outras partes interessadas no processo, como a AGU (Advocacia-Geral da União) e a Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
A decisão de Dino acabou mudando esse plano. O ministro tomou a decisão em um processo alheio ao caso, sem ouvir as partes interessadas. Ainda abriu a possibilidade de punir bancos que aplicarem as sanções financeiras contra Moraes.
Especialistas ouvidos pela reportagem avaliaram que a medida se destaca mais como recado político do que pelo impacto jurídico.
‘Moraes é tóxico’, diz governo Trump
Horas após Dino tentar blindar o colega, o Departamento de Estado do governo Trump publicou nas redes sociais um texto dizendo que Moraes é “tóxico para todas as empresas legítimas e indivíduos que buscam acesso aos Estados Unidos e seus mercados”. E ressaltou que “nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las”.
“Pessoas e entidades sob jurisdição dos EUA estão proibidas de manter qualquer relação comercial com ele. Já aquelas pessoas e entidades fora da jurisdição americana devem agir com máxima cautela: quem oferecer apoio material a violadores de direitos humanos também pode ser alvo de sanções”, ameaçou o governo americano.
Atos em território brasileiro
Na decisão de segunda, Dino argumentou que leis e ordens executivas estrangeiras não produzem efeitos em relação a pessoas por atos praticados em território brasileiro. “O precedente afirma o critério de territorialidade, determinando a incidência da autoridade brasileira sobre dados coletados e tratados no Brasil”, disse o ministro.
Dino afirmou que esse entendimento não se restringe aos casos relacionados à tragédia de Mariana objeto da ação. E sim busca “afastar graves e atuais ameaças à segurança jurídica em território pátrio”.
“Desse modo, ficam vedadas imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país, bem como aquelas que tenham filial ou qualquer atividade profissional, comercial ou de intermediação no mercado brasileiro, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros”, completa.
O ministro do Supremo não cita Moraes ou Trump em sua decisão. Ele destacou, porém, que “cabe assinalar que a submissão de um Estado nacional à jurisdição de outro constitui um autêntico ato de império, assim compreendido como exercício de suas prerrogativas soberanas”.
Em despacho nesta terça-feira (19), Dino complementou sua decisão anterior informando que os tribunais internacionais oriundos de acordos que o Brasil é signatário como o Tribunal Penal Internacional não são afetados pelas restrições nem deve ter suas decisões referendadas pelo Supremo.