Bizarros Peixes das Fossas Abissais pode deixar o espectador perdido. A animaĂ§Ă£o Ă© surreal e quebra noções do cinema e do senso comum. No meio da loucura, entre uma nuvem com incontinĂªncia pluviomĂ©trica e uma tartaruga Ă beira de um ataque de nervos, o pĂºblico vai achar ali algo comum, familiar: a voz de um dos principais atores brasileiros.
Rodrigo Santoro jĂ¡ trabalhou com a voz outras vezes, tambĂ©m dublando animações – e diz que gosta de ter a voz como Ăºnica ferramenta para humanizar os personagens. Quando questionado sobre essa sua ligaĂ§Ă£o com produções brasileiras, ao mesmo tempo que tem uma carreira internacional bastante consolidada e interessante, Santoro vai direto ao ponto.
“Eu nunca saĂ desse mercado brasileiro. Agora Ă© Bizarros Peixes, logo mais tenho Bom Dia, VerĂ´nica, depois hĂ¡ o filme O Outro Lado do CĂ©u”, afirma. “Eu continuo trabalhando. Sempre fiz pelo menos um projeto no Brasil. Pode ter um ano ou outro que tenha passado mais tempo lĂ¡ fora, mas nunca separei muito minha carreira.”
“O Brasil ainda faz parte da minha estrada e o que guia minhas escolhas Ă© a relaĂ§Ă£o com os projetos. AlĂ©m disso, interpretar em portuguĂªs nĂ£o tem comparaĂ§Ă£o com o inglĂªs. SĂ£o nossas histĂ³rias”, diz ele.
Mas aqui se trata de uma histĂ³ria brasileira fora de qualquer expectativa. “Minha bunda Ă© um gorila”, exclama a protagonista da animaĂ§Ă£o logo nos primeiros minutos. Segundos depois, o filme do diretor MarĂ£o começa a mostrar a que veio: essa parte do corpo da personagem começa a realmente se transformar em um grande macaco, que luta contra vilões que a perseguem.
Isso jĂ¡ dĂ¡ a tĂ´nica do longa, que estreou na quinta-feira, 25. É uma animaĂ§Ă£o fora de qualquer obviedade e que fala sobre essa mulher transmorfa, uma tartaruga com transtorno obsessivo compulsivo (TOC) e uma nuvem com vergonha de chover – os trĂªs em busca de cacos de um objeto antigo que pode ajudar o avĂ´ da protagonista.
“É muito corajoso artisticamente[É UM FILME] sair das regras preestabelecidas, da normatividade. Tudo isso ainda permeado por uma linha dramĂ¡tica bem construĂda com uma motivaĂ§Ă£o muito humana, verdadeira”, declara NatĂ¡lia Lage, que dubla a personagem principal, ao EstadĂ£o.
“É especial poder contar essa histĂ³ria divertida, que flerta com o nonsense. É uma liberdade criativa sem concessões”, explica tambĂ©m a atriz.
Apesar de sua narrativa totalmente “fora da caixinha”, Bizarros Peixes das Fossas Abissais estĂ¡ longe de ser incompreensĂvel. Pelo contrĂ¡rio: o longa tem um enredo linear, com começo, meio e fim, ainda que o desejo real da personagem seja revelado somente no final.
TambĂ©m foi muito importante para o projeto o trabalho de Guilherme Briggs, dublador veterano de franquias como Toy Story e Transformers, que dĂ¡ voz Ă nuvem.
Liberdade
“Quando ele me chamou, topei de cara. Bizarrice Ă© com a gente”, diz Briggs. Segundo ele, Ă© um trabalho gostoso de fazer justamente pela liberdade que oferece. “Quando Ă© dublagem de algo de fora, vem junto um monte de executivo intermediando. Demora mais. Quando vocĂª Ă© a voz original, Ă© mais emocionante.”
Assistir a Bizarros Peixes Ă© mergulhar em uma trama autoral, tocada quase na Ăntegra por MarĂ£o, que usa traços que trazem certa imperfeiĂ§Ă£o para lembrar que existe alguĂ©m ali controlando o lĂ¡pis.
Era esse o objetivo do cineasta. “Queria passar mais tempo com as minhas criações. NĂ£o queria ficar engessado”, conta. “Sendo um projeto meu, posso exagerar e improvisar. É uma histĂ³ria bem simples, o que me dĂ¡ margem para inventar cenas inspiradas no que aconteceu na minha vida.”
Isso tambĂ©m dĂ¡ um frescor ainda maior para a animaĂ§Ă£o nacional. Mostra que podemos criar histĂ³rias surpreendentes. “VocĂª pode fazer qualquer coisa com a animaĂ§Ă£o. Pode contar qualquer histĂ³ria brasileira, de qualquer Ă©poca, usando a imaginaĂ§Ă£o”, completa Guilherme Briggs.
As informações sĂ£o do jornal O Estado de S. Paulo.