O movimento LGBTQIA+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros, queers, intersexuais, assexuais e o + simboliza outros gêneros/sexualidade que não são contemplados nessas letras) é um processo de luta e resistência por um espaço igualitário e promoção de direitos.
Parcela do movimento tem questionado o binarismo presente na língua portuguesa e reivindicando uma forma de se comunicar que inclua mulheres e pessoas não binárias, evitando o uso do gênero masculino universal, a fim de promover a igualdade e evitar exclusões.
Ainda que o português falado hoje não é igual ao de nossos antecedentes, algumas mudanças geram mais críticas que outras, como é o caso da linguagem inclusiva, o que demonstra o preconceito estrutural de certos setores da sociedade.
Desde o ano de 2020, tem sido observado um aumento de projetos de lei que associam a utilização da linguagem neutra com suposta “ideologia de gênero”. Estes projetos têm claras proibições quanto a utilização de variações linguísticas em escolas públicas e privadas, além da vedação em materiais didáticos e atividades culturais.
A inconstitucionalidade flagrante de tais iniciativas legislativas está posta perante o Supremo Tribunal Federal (STF) que, no dia 09 de fevereiro de 2023, formou maioria para declarar inconstitucional a Lei Estadual nº 5.123 de 2021, do Estado de Rondônia, que proíbe expressamente a linguagem neutra na grade curricular e material didático de instituições de ensino público ou provado, assim como em editais de concursos públicos. Para o autor do aludido projeto de lei, a linguagem não binária ou inclusiva é uma “verdadeira deturpação da língua portuguesa”.
Sobre tal questão, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino argumentou ao STF em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que a norma apresenta a marca da intolerância, da discriminação, da negação da diversidade, da liberdade de aprender e ensinar e do pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
A liminar deferida para suspensão da lei baseando-se na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional da União e nos parâmetros curriculares nacionais do Ministério da Educação concluiu que as diferentes variedades da língua portuguesa visa combater o preconceito linguístico, “retirando vieses que usualmente subordinam um gênero em relação a outro”. A liminar ainda pontua que a linguagem inclusiva expressa elemento essencial da dignidade das pessoas, e “como tal, cabe ao Estado apenas o papel de reconhece-la, nunca de constituí-la”.
De modo contrário, a prefeita do município Rancho Queimado (SC) ao anunciar que encaminhou, no dia 08 de fevereiro de 2023, um Projeto de Lei proibindo o uso de “pronomes neutros” nas escolas, argumentou que “a gente fala para todos, a gente não fala para todes”. A iniciativa não está isolada, no Estado do Paraná, deputados estaduais aprovaram o Projeto de Lei nº 21.362/2023 que impede a utilização da linguagem inclusiva em qualquer nível institucional; em Mato Grosso do Sul, foi sancionada uma lei que torna obrigatório o uso da norma culta da língua portuguesa em documentos oficiais e materiais didáticos no ambiente escolar; em Belo Horizonte, em Joinville (SC) e em Juiz de Fora (MG) há também projetos que proíbem a linguagem neutra.
O precedente sob análise, e que já formou maioria para derrubar a lei de Rondônia, no controle concentrado gerará efeitos contra todos e vinculantes, constituindo precedente relevante para barrar todas estas iniciativas que de neutras não tem nada!

Sobre as autoras:

Melina Girardi Fachin: Professora Associada dos Cursos de Graduação e Pós Graduação da Faculdade de Direito
da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós doutoramento pela Universidade de Coimbra
no Instituto de direitos humanos e democracia (2019/2020). Doutora em Direito Constitucional,
com ênfase em direitos humanos, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP). Visiting researcher da Harvard Law School (2011). Mestre em Direitos Humanos
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Bacharel em Direito pela
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Autora de diversas obras e artigos na seara do
Direito Constitucional e dos Direitos Humanos. Advogada sócia de Fachin Advogados
Associados.

Kassia Hellen Martins: Acadêmica de Direito pela Universidade Positivo (2019-2023) e membra da ANAJUDH-LGBTI.