A portaria do Ministério da Saúde que relaciona as doenças crônicas, bem como os respectivos medicamentos de uso prolongado ‘’de alto valor unitário e tratamento de custo elevado’’, precisa ser revista com urgência e submetida ao mais amplo debate, garantida a participação da sociedade organizada, do setor público e do próprio Parlamento na discussão proposta.
Ao receber a visita do Presidente da Associação Brasileira de Assistência aos Portadores de Fibrose Cística, também conhecida como mucoviscidose, fiquei bastante sensibilizado com os relatos pungentes trazidos por Sérgio Henrique Sampaio – emissário dos doentes crônicos dessa doença – cujas manifestações sistêmicas comprometem principalmente os sistemas respiratório, digestivo e aparelho reprodutor. O drama enfrentado pelas famílias que abrigam portadores de doenças crônicas e não podem custear o tratamento dos seus entes queridos, além de nos comover, envolve uma questão de saúde pública da maior gravidade. Estou convicto de que a política de assistência farmacêutica do Brasil precisa ser repensada em todos os níveis. As sucessivas portarias do Ministério da Saúde possuem lacunas e não tutelam todas as doenças graves. Muitas vezes, mesmo prevendo determinada doença rara, os medicamentos disponibilizados no âmbito do Sistema único de Saúde – SUS – para tratamento não atendem todas as manifestações da doença. Cito o exemplo da fibrose cística, cujas manifestações respiratórias e digestivas exigem inúmeros medicamentos para manter o paciente vivo. Registro que para cada 3000 nascimentos entre brancos de vários países, a incidência da doença varia entre 1 e 2 casos. É menos freqüente entre negros e asiáticos. A mediana de sobrevida nos EUA é 31 anos.
A inclusão na lista dos medicamentos excepcionais do Ministério da Saúde finda se transformando numa espécie de ‘’lista de Schindler’’. Todos devem se recordar do filme do diretor Steven Spielberg retratando o empresário alemão que usou sua fortuna durante a 2ª guerra mundial para salvar judeus, a partir da elaboração de uma lista. A doença e, por conseguinte, os medicamentos que ficarem de fora da lista do Ministério da Saúde, privam o portador de doença crônica sem condições de custear o tratamento do direito à vida. Nos casos de exclusão da lista, o único caminho para obter o medicamento tem sido recorrer ao Judiciário. O gestor público alega que muitas vezes é obrigado a cumprir ações judiciais para distribuição de remédios não padronizados e de eficácia e necessidade duvidosas. É possível que existam distorções. Em que pesem decisões eventualmente questionáveis, não podemos confundir nem imputar àqueles portadores de doenças crônicas a responsabilidade por essas ações judiciais.
Uma ação cível pública obrigando o Estado de Alagoas a fornecer medicamentos para pacientes renais crônicos alçou o tema da saúde de milhões de brasileiros portadores de doenças graves ao crivo da nossa suprema corte. A recente liminar do Supremo Tribunal Federal que deferiu, em parte, pedido do Estado de Alagoas na Suspensão de Tutela Antecipada (STA) ‘’para suspender decisão concedida em ação civil pública’’ sem dúvida enseja o momento apropriado à ampla reflexão e debate dessa questão. Devemos ter em mente que o rol de medicamentos excepcionais trazidos nas portarias editadas pela pasta setorial da Saúde, para medicamentos excepcionais ‘’Portarias 1318 e 2577’’, além de não ser exaustivo, deixa de contemplar vários medicamentos imprescindíveis ao tratamento adequado.
É hora de repensar com disciplina e amor um tão tema sensível e, com permissão da imortal Lygia Fagundes Telles, sugiro ‘’repensar com humildade neste tempo de arrogância’’.
Senador Alvaro Dias
vice-presidente do Senado Federal