Além da polarização: o tarifaço e o futuro do produtor rural brasileiro

Eder Bublitz

O recente tarifaço imposto pelos Estados Unidos à agricultura brasileira virou combustível para a polarização política. Uns comemoram porque acreditam que o governo Lula sai enfraquecido diante da pressão internacional. Outros vibram com a possibilidade de que a medida expõe adversários que estão atuando abertamente contra o país, ou mesmo porque as tarifas podem acabar reduzindo a inflação. Mas enquanto direita e esquerda transformam o tarifaço em munição ideológica, o verdadeiro protagonista da história segue invisível: o produtor rural brasileiro.

O agricultor, do gigante da soja no Mato Grosso ao pequeno que entrega algumas caixas de alface na Ceasa, já vinha trabalhando com margens espremidas desde a pandemia. Fertilizantes, defensivos e combustíveis dolarizados dispararam de preço, e a moeda americana em alta só agravou a situação. Os preços pagos ao produtor não acompanharam a mesma curva. Agora, com o tarifaço, o quadro se torna dramático. Produtos que tinham mercado consolidado nos Estados Unidos encontram barreiras quase intransponíveis. A tilápia paranaense é um exemplo: peixe fresco, de altíssima qualidade, antes exportado em larga escala, volta para o mercado interno. O resultado é excesso de oferta e queda brusca nos preços. A lei da oferta e da procura não perdoa — e quem paga a conta é o produtor.

Esse debate não é apenas econômico. É uma questão de soberania nacional. Sem alimento, não há nação. Sem campo, a cidade não come. Segurança Alimentar é produzir, distribuir e fazer chegar a todos alimentos em quantidade e com qualidade. E sem condições mínimas para o produtor, não haverá nem uma coisa nem outra. O jovem, cada vez mais sem perspectivas, abandona o campo. O produtor, sem fôlego para investir, reduz produção. O impacto não fica restrito ao meio rural: ele se transfere para os centros urbanos, pressiona o abastecimento e ameaça a paz social. Prejudicar o agricultor hoje é plantar a crise alimentar de amanhã.

Há ainda a escassez de mão de obra agrícola, agravada por políticas públicas que, apesar de meritórias, foram mal desenhadas. O Bolsa Família, por exemplo, é vital para milhões de famílias. Mas, ao condicionar o benefício à ausência de registro em carteira, acaba desestimulando a formalização. No Vale do São Francisco, produtores de uva e manga vivem um dilema cruel: têm capacidade para expandir, mas são barrados por certificações internacionais que exigem contratação formal. Ao mesmo tempo, não encontram trabalhadores dispostos a se formalizar, sob pena de perder o benefício. Resultado: menos produção, menos competitividade, menos Brasil no mercado global.

O tarifaço escancarou um problema maior: nossa miopia política. Em vez de atacar a raiz, cada lado usa o campo como peça no tabuleiro ideológico. O governo lança pacotes que nunca chegam a quem planta. Os empresários calculam ganhos imediatos e esquecem que sem o produtor não há cadeia produtiva. A sociedade, anestesiada pela polarização, assiste como se não estivesse em jogo algo vital: o que vai à mesa todos os dias.

Se quisermos preservar nossa soberania alimentar, precisamos de medidas concretas e urgentes: securitização das dívidas agrícolas, linhas de crédito compatíveis com a realidade do campo, políticas de incentivo ao jovem rural, estímulos à exportação para compensar barreiras externas. O tarifaço de Donald Trump apenas revelou uma verdade incômoda: o produtor rural é o elo mais frágil da cadeia, mas também o mais essencial. A curto prazo, o prejuízo é dele. A longo prazo, o prejuízo é do Brasil inteiro.

Sem o agricultor, não há comida. Sem comida, não há soberania. E sem soberania, não há nação. Está na hora de parar de celebrar narrativas ideológicas e de enxergar o óbvio: o futuro do Brasil depende de quem planta, colhe e garante que o alimento chegue à mesa de todos nós.

Eder Bublitz é diretor presidente das Centrais de Abastecimento do Paraná (Ceasa)