nosso lar
Imagem do cartaz do filme (Reprodução)

O filme espírita “Nosso Lar 2 – Os Mensageiros”, dirigido por Wagner de Assis, estreou no Brasil em 25 de janeiro e liderou as bilheterias do primeiro fim de semana desde que entrou em cartaz, atraindo mais de meio milhão de espectadores. Mesmo com opiniões divididas sobre a qualidade do longa, o fato é que ele já arrecadou mais de R$ 11 milhões. Em apenas quatro dias, a continuação de “Nosso Lar”, lançado 14 anos antes, em 2010, superou o total de espectadores do filme brasileiro mais visto em 2023, “Nosso Sonho”. O Brasil tem quatro milhões de pessoas que se declaram espíritas, mas 40 milhões que se dizem simpatizantes da doutrina.

Poucos dias antes, em 16 de janeiro, o presidente Lula sancionou a Lei 14.814, que obriga a exibição de filmes brasileiros em salas de cinema até 2033. A chamada “cota de tela”, criada em 2001 e que vigorou durante duas décadas no país, deixou de ser aplicada em 2021, depois que Bolsonaro decidiu excluir a determinação. Na contramão, em maio de 2023, o atual governo federal e a ministra da Cultura, Margareth Menezes, assinaram o decreto de regulamentação da Lei Paulo Gustavo, que destinou R$ 3,8 bilhões para apoio a projetos culturais, como cinema, nos entes federativos do país (Estados, municípios e Distrito Federal). De autoria do senador Paulo Rocha (PT/PA), a Lei Paulo Gustavo foi aprovada por unanimidade pelo Congresso Nacional em 2022. Paulo Gustavo, ator, humorista, diretor, roteirista e apresentador brasileiro, morreu em maio de 2021, aos 42 anos, vítima de Covid-19 e da demora da gestão Bolsonaro em firmar acordos para a compra de vacinas contra o vírus.

Compromissos esquecidos
Nosso Lar 2 é baseado no livro “Os Mensageiros”, de mais de 300 páginas e 51 capítulos, psicografado pelo médium Chico Xavier, em 1944, sob a influência do espírito André Luiz.

Chico Xavier foi o maior médium brasileiro e um dos mais notáveis do mundo. Escreveu, voluntariamente, mais de 10 mil cartas psicografadas para ajudar pessoas em sofrimento com a perda de entes queridos e um total de 450 livros. A autoria de tudo sempre foi atribuída aos espíritos. Vendeu cerca de 50 milhões de livros no Brasil e no mundo, traduzidos para mais de dez idiomas. Mas nenhuma parte do dinheiro arrecadado com o trabalho ficou com ele: foi destinado, na integralidade, a ações de caridade promovidas por centros espíritas brasileiros. Já André Luiz, responsável pela narração da maior parte dos livros de Chico, teria sido, antes de desencarnar, um médico sanitarista, que viveu no Rio de Janeiro entre o fim do século 19 e o começo do 20. Morreu em 1920 ou 1930, com cerca de 40 anos e, do plano espiritual, teria passado a transmitir ensinamentos sobre como a vida, após morte do corpo físico, continua.

Em “Nosso Lar – Os Mensageiros”, André Luiz entra para um grupo de espíritos com a missão de atuar como “anjos”, ou mentores espirituais, de pessoas que vieram para a Terra com missões elevadas de promoção do bem, da caridade e da ajuda ao próximo, mas, por diferentes razões, estão fracassando.
A história destaca que, antes de chegarmos a Terra, assumimos compromissos que nosso inconsciente vai, ao longo da vida, nos lembrar. Tudo para nos direcionar a caminhos que nos conduzam a processos de “lapidação da alma” e melhora das virtudes humanas. Conduzidos por vaidade, ganância, confusão, ambição, orgulho, inveja e outros sentimentos mundanos – e humanos – entretanto, podemos nos distanciar dos compromissos e fracassar na tal “escola da vida”. “Reprovados”, por escolha, podemos tentar de novo, mas aí, vivendo as consequências das decisões que tomamos e das ações que cometemos. O conceito que mais personifica a teoria de causa e efeito.

Mundo de regeneração
O Espiritismo considera que a Terra vive nas últimas décadas uma transição de mundo de “provas e expiações” para planeta de “regeneração”, no qual estaria havendo uma ampliação da vibração dos que a habitam para elevá-la a um patamar de mais harmonia, igualdade e felicidade. Até 2060, a doutrina indica, a humanidade estaria aproveitando outra qualidade de vida.

Se olharmos para trás e recordarmos das Grandes Guerras, do Nazismo, dos horrores da Idade Média, da inexistência do conceito de Direitos Humanos, ou das consequências de ditaduras passadas, por exemplo – em que a violência predomina de todas as formas – fica mais viável acreditar que alguma melhora já foi conquistada e que caminhamos para mais mudanças.

Mas se olhamos para o Oriente Médio, o genocídio em Gaza, a difícil relação internacional entre alguns países, a extrema desigualdade social que ainda predomina no mundo, a incessante destruição ambiental e para o movimento de extrema intolerância e agressividade no ambiente virtual, por exemplo, a impressão é de que só estamos patinando. Nesse cenário, ter esperança é difícil.
A explicação, segundo o filme, retorna para a lei de causa e efeito. Atraímos o que vibramos. Captamos o que sintonizamos; como um rádio. E, se a sintonia for de ódio, ganância, egoísmo e violência, não há como dançar na harmonia.

Saúde mental e ambiental
Agentes públicos eleitos pelo povo, empresas, negócios, pessoas que ocupam posições de decisão e poder e formadores de opinião acumulam responsabilidades ainda maiores de utilizar o que lhes foi concedido para exercitar o olhar coletivo e beneficiar o próximo. E como “próximo” entende-se a sociedade de modo geral, mas também o meio ambiente e todas as formas de vida, afinal, vai ser difícil chegar em 2060 sem condições adequadas para a sobrevivência da nossa espécie por aqui.
Com colapso climático, seremos extintos e, antes disso, passaremos a viver em condições coletivas sub-humanas mais cedo do que pensamos. Não há mais tempo para questionar se conservação da biodiversidade e proteção das áreas naturais deve ser prioridade. Ela precisa estar à frente de qualquer negócio, decisão, interesse ou movimento.

Sem saúde mental, virar mundo de regeneração também vai demorar. Depois da pandemia causada pela Covid-19 vivemos, considerando os dados no Brasil, outra epidemia, esta, agora, na área da Saúde Mental. De acordo com relatório global anual Estado Mental do Mundo 2022 encomendado pela Sapien Labs, nosso país tem o terceiro pior índice de saúde mental do mundo, considerando respostas de 64 países. Há mais de 300 milhões de pessoas que sofrem com depressão no mundo, sendo 11 milhões só no Brasil. Tendo em vista as subnotificações, o índice deve ser ainda maior.

A epidemia de doenças mentais só parece crescer. E serão necessárias muito mais políticas públicas nacionais e globais para atender a essa demanda, fortemente influenciada por questões econômicas, estéticas, tecnológicas, produtivas e de desempenho. Percebe por que liberar geral a posse e o porte de armas no país, por exemplo, é péssima ideia?

Afirmo – e o filme escancara essa percepção – que um problema retroalimenta o outro. Na medida em que há mais tristeza e desordem interna e emocional, e distanciamento humano da natureza, há uma queda ainda maior de frequência entre as pessoas. E mais espaço para a influência de energias negativas que agravam esses sentimentos danosos na Terra, gerando ainda mais conflito, desarmonia, intolerância e agressividade.

“Sempre há tempo de recomeçar”, estimula uma das passagens do longa. Recomecemos, então, nos questionando sobre o quanto estamos dispostos a agir diária e individualmente para contribuir para que, realmente, a transição tão esperada aconteça. Se não por nós, mas pelos que estão chegando, ou ainda virão.

*Claudia Guadagnin é jornalista, pós-graduada em Antropologia e mestra em Direitos Humanos e Políticas Públicas.