Promulgada no dia 14 de agosto de 2018, a Lei 13.709/18, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais ou apenas LGPD, foi alvo de grandes especulações e motivo de muita preocupação ao longo de seus primeiros anos de vigência.
No entanto, em que pese sua notoriedade tenha aumentado nos mais diversos ramos da sociedade, em especial no empresarial, é possível afirmar que ainda emergem muitos questionamentos a respeito da Lei nos ambientes de sua aplicação, em especial no dia a dia dos mais afetados: os titulares.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais dispõe acerca de como deve ocorrer o tratamento de dados pessoais pelos mais diversos agentes da sociedade e não apenas as grandes empresas, como muitos acreditam. Assim, em consonância com o art. 5°, inciso XII da Constituição Federal, que determina que a proteção de dados pessoais é um direito fundamental do cidadão, a LGPD visa promover o respeito pela privacidade individual, pela inviolabilidade da intimidade, honra e imagem, pelos direitos humanos, livre desenvolvimento da personalidade, dignidade e exercício da cidadania pelas pessoas naturais, dentre outros fundamentos dispostos no rol do art. 2° da Lei.
Para além, a Lei 13.709/18 insere no ordenamento jurídico o preceito da autodeterminação informativa, também um dos fundamentos do art. 2° da LGPD, e que garante ao titular, pessoa natural a quem se referem os dados pessoais objeto de tratamento, o direito de controlar como as suas próprias informações pessoais serão tratadas, certificando o domínio sobre seus próprios dados.
Nessa toada, o escopo da lei é voltado ao desenvolvimento mecanismos e procedimentos que regulem a forma como os dados são tratados, com o objetivo de proteger os referidos direitos fundamentais, todavia sem que se inviabilize as operações que necessitam de dados pessoais para seu funcionamento. Desse modo, a LGPD determina as hipóteses em que será possível o tratamento das informações pessoais, inclusive as que não necessitam do consentimento do titular.
Para conseguir compreender, e aplicar, a LGPD, é necessário que alguns conceitos trazidos pela lei sejam assimilados. O primeiro deles, e mais importante, é a própria noção do que são Dados Pessoais. Conforme trazido pela própria Lei, dado pessoal é toda aquela informação que identifique ou seja capaz de identificar uma pessoa, isto é, que seja identificável. Esse tipo de dado, quando visto isoladamente, parece distante e inofensivo, contudo, se quando associado a outras informações é capaz de identificar uma pessoa, deve ser considerado dado pessoal, nos termos da LGPD.
Além disso, a Lei Geral de Proteção de Dados determinou como dados pessoais sensíveis aquelas informações de cunho racial ou étnico, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a um indivíduo. A importância da distinção desses dados se dá, principalmente, tendo em vista que são informações que podem ser utilizadas de modo malicioso e discriminatório, causando prejuízos ao titular, razão pela qual possuem proteção especial.
Outro conceito de extrema importância compreensão é o que se entende por tratamento de dados. Assim, de acordo com a LGPD, o tratamento é toda operação realizada com dados pessoais, como as que se referem a coleta, produção, recepção, classificação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação ou controle da informação, modificação, comunicação, transferência, difusão ou extração. Percebe-se, assim, que qualquer ação tomada por uma organização e que envolva dados pessoais está abrangida e protegida pela Lei.
Com a LGPD, todas as organizações e empresas, públicas e privadas, precisaram adequar a forma como realizam o tratamento dos dados pessoais, isto é, aplicar medidas técnicas e administrativas que estejam aptas a proteger as informações pessoais coletas ou receptadas pelo compartilhamento de outras instituições. Desse modo, independente do titular ser consumidor ou colaborar em uma empresa, os dados pessoais de ambos os indivíduos deverão estar amparados nos termos da LGPD, devendo sua privacidade e segurança informacional ser garantida.
No ambiente virtual já é possível visualizar significativas mudanças nesse sentido. Observa-se, por exemplo, o aumento do número de pop-ups pedindo autorização do usuário para o tratamento de dados pessoais assim que a página é acessada. Além disso, embora que não de maneira plena, é possível perceber uma preocupação maior das organizações ao dispor aos usuários políticas de privacidade e termos de uso para os usuários terem ciência de como se dá o tratamento de dados por aquela organização.
Fora da realidade digital, é possível observar a aplicabilidade da LGPD principalmente nas relações de consumo, em especial as que envolvem operações de Saúde. Com a Lei Geral de Proteção de Dados é obrigação das empresas coletarem apenas aqueles dados necessários para as suas operações funcionarem, dispensando assim a coleta excessiva de informações. Para além, em ambientes que envolvam a saúde do indivíduo, tais como hospitais, clínicas e farmácias, a atenção em relação a Lei deve ser redobrada, tendo em vista se tratar de operações que envolvem dados pessoais sensíveis.
Ainda é importante ressaltar que a LGPD não se restringe a organizações com fins lucrativos, comerciais. Assim, a Lei é clara ao determinar que se aplica a qualquer empresa, organização, pública e privada, que realize o tratamento de dados pessoais, excetuando-se, apenas os realizados para fins exclusivamente jornalístico, artístico ou acadêmicos; os realizados por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos; e os que tenham os fins exclusivos de segurança pública e do Estado, defesa nacional e necessárias na investigação de infrações penais.
Os direitos dos titulares estão dispostos no art. 18 da LGPD, segundo o qual o titular pode obter junto a organização em controle dos seus dados, a qualquer momento e mediante requisição: a confirmação da existência de tratamento com suas informações pessoais; o acesso aos dados; a correção de dados que estejam incompletos, inexatos ou desatualizados; a eliminação dos dados pessoais que forem tratados com base no consentimento; a revogação do consentimento; e a informação sobre com quem os dados foram compartilhados. Ainda é direito do titular de dados, de requerer o bloqueio, a eliminação e a anonimização, de dados desnecessários, excessivos ou tratados de modo contrário à Lei Geral de Proteção de Dados.

“Com a LGPD, todas as organizações e empresas, públicas e privadas, precisaram adequar a forma como realizam o tratamento dos dados pessoais, isto é, aplicar medidas técnicas e administrativas que estejam aptas a proteger as informações pessoais coletas ou receptadas pelo compartilhamento de outras instituições”


Além disso, o titular tem o direito de acesso facilitado às informações acerca do tratamento de seus dados pessoais, os quais devem ser disponibilizados de forma clara, adequada e ostensiva, em especial sobre: a finalidade, a forma e a duração do tratamento, resguardado as informações de segredo comercial e industrial, a identificação de quem está no controle dos dados, tais como suas informações de contato; informações sobre o compartilhamento dos dados, tal qual a finalidade; as responsabilidades das partes envolvidas no tratamento; e os direitos do titular, conforme acima expostos.
É possível perceber que a LGPD representa um avanço importantíssimo para o cidadão, tendo em vista que confere a ele poder sobre suas próprias informações, de modo a proteger a sua privacidade e personalidade. Contudo, em que pese muito se divulgue a respeito da Lei, e até seja possível vislumbrar avanços na garantia dos direitos por ela abrangidos, observa-se que ainda há um longo caminho a ser percorrido.
Um importante passo para isso é que os mais interessados na aplicação da LGPD sejam os próprios titulares, haja vista serem os mais beneficiados.
A conscientização acerca da importância da privacidade em prol do desenvolvimento de uma cultura que valorize e proteja a individualidade humana é essencial para uma aplicação plena e eficaz da Lei. Até lá, espera-se que a preocupação com os efeitos da LGPD continue crescendo, em especial, no que tange ao conhecimento do titular acerca dos seus direitos e da importância da proteção das suas informações pessoais.

Amanda Cavallaro é advogada, mestranda em Direito. Atua no escritório Martinelli & Guimarães Advocacia Contemporânea