A morna notícia da semana passada sobre o acordo entre o relator do orçamento, senador Valdir Raupp, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, para reajuste da tabela do Imposto de Renda, demonstra pouco interesse de nossos representantes no Executivo e no Legislativo para corrigir uma injustiça decenal.
Os profissionais assalariados, principais sustentadores do Leão, esperam que as forças democráticas presentes no Congresso Nacional defendam os trabalhadores e corrijam a distorção histórica, que torna irrisórios os 3% de correção sugeridos, e até mesmo os cabalísticos 7,77% pedidos pelas centrais sindicais. É lamentável que um governo eleito sobre bases populares tenha em seus quadros de alto escalão tecnocratas como o secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro, a produzir em suas entrevistas algumas pérolas da truculência e do mau gosto.
Amplamente divulgadas pela imprensa, as declarações feitas por ele no dia 17 de novembro lembram muito o governo de Fernando Henrique Cardoso, que há alguns anos taxou os aposentados de “vagabundos”. Em sua fala, Pinheiro considera os trabalhadores brasileiros “privilegiados egoístas” e “viúvas da indexação”, entre outros disparates. Esquece, então, que, a cada ano, o número dos que têm o “privilégio” de financiar a Receita só aumenta, em função de não haver correção indexada da tabela desde 1996.
Conforme dados do Dieese, a defasagem acumulada no período, em relação à inflação, é maior que 50%. Somente aí já se demonstra a injustiça: hoje um assalariado que recebe R$1260 já paga imposto, quando a isenção deveria abranger quem ganha até R$1900.
O secretário avalia que corrigir a tabela do imposto de renda seria uma renúncia fiscal muito grande e que os críticos não apresentam propostas objetivas. Pois bem, existem propostas muito claras, que têm sido defendidas há anos pelo Sindicato dos Engenheiros do Paraná e por outras entidades, como a Unafisco Sindical. Trata-se do sindicato cujos quadros são profundos conhecedores do tema e que lutam para que se acabem as regalias do rendimento de capital. Um estudo técnico de 2002 da Unafisco pode ser assim resumido: “enquanto os lucros e dividendos estão isentos, os rendimentos do trabalho são tributados à alíquota de 27,5%”.
Pelo visto, Ricardo Pinheiro desconsidera a renúncia que se faz há uma década dos rendimentos dos mais ricos, quando se acabou a progressividade de alíquotas, restando as duas atuais. E que dizer da renúncia vergonhosa do imposto sobre os lucros ou dividendos, cuja alíquota minimizada também remonta àquela época? Por que não se mexe? Desagradaria aos banqueiros e seus sucessivos recordes de balanços positivos?
Quando nos chamam de privilegiados egoístas, querem que nos envergonhemos de nossa justa demanda e que nos sintamos culpados pela má distribuição de renda do país. Ora, que os senhores da Receita mudem o foco de seus ataques. Quem vive do próprio trabalho tem crédito com este país e não vai desistir tão facilmente de cobrar. O leitor identificado com esta análise haverá de concordar que piores que “viúvas da indexação” são os “amantes do confisco” e os “filhotes do neoliberalismo”, títulos condignos a alguns dirigentes das políticas da Receita Federal.
Ulisses Kaniak é Engenheiro eletrônico, Presidente do Sindicato dos Engenheiros do Paraná