Reforma tributária: redução ou aumento da batalha judicial?

Raquel Mercedes Motta Xavier

A sociedade é dinâmica e mutante, e o ordenamento jurídico, que deve acompanhá-la, assim também o é. E, com isso, 2024 vai encerrando-se trazendo para 2025 um cenário desafiador para a sociedade e economia brasileiras: a regulamentação da Reforma Tributária em vias de aprovação nos dias finais do ano que se vai. Certo é que, gostemos ou não, ela está aí, cabendo agora aos agentes econômicos compreendê-la, com o propósito de tornar o período de transição o menos traumático possível.
Primeiro ponto a ser esclarecido é que a EC n. 132/2023, que alterou a Constituição Federal no final do ano passado e introduziu a Reforma Tributária no plano Constitucional, foi responsável por modificar significativamente a tributação sobre o consumo. Com a ressalva de pequenas questões pontuais, não houve alteração na tributação do patrimônio ou renda.
As contribuições sociais incidentes sobre a receita bruta PIS, COFINS serão substituídas pela CBS, a ser cobrada pela União, e os impostos ICMS e ISS serão substituídos pelo IBS, de competência compartilhada dos estados e dos municípios, tudo isso em uma espécie de “IVA dual padrão internacional”, segundo seus idealizadores.
O primeiro ponto que chama a atenção na Reforma Tributária está na outorga constitucional de uma ampla base para a cobrança tributária pelos entes federativos. Isso porque, pelo sistema atual, os entes federativos possuem autorização para cobrança sobre bases tributárias bem delimitadas pela Constituição, como “prestação de serviços de qualquer natureza”, “operação de circulação de mercadorias”, “receita bruta”, cujos conceitos são finitos, conforme já amplamente debatido e estabelecido não somente pela Ciência do Direito, mas também pelos próprios Tribunais Superiores.
A finitude conceitual dessas bases que estão a se extinguir pode ser exemplificada pela atividade de “locação de bens móveis”, que não se enquadra nem no conceito de “prestação de serviços” para incidência do ISS, e nem no conceito de “circulação de mercadorias”, que pressupõe a incidência do ICMS, o que resulta na não tributação do consumo pela atividade de “locação de bens móveis”.
A Reforma acaba com esse tipo de situação justamente por trazer uma ampla base de tributação do IBS e CBS, ao estipular que esses tributos incidirão “operações com bens e serviços”. Assim, atividades como “locação de bens móveis”, “cessão de direitos”, “arrendamentos, inclusive mercantil”, que, até então não sofriam a incidência da tributação sobre o consumo, estarão sujeitas à nova tributação, evidenciado, portanto, a oneração almejada para determinados segmentos.
Além do mais, a regulamentação da reforma prevê a expressa incidência de IBS e CBS sobre operações “não onerosas”, o que significa dizer que a nova tributação poderá recair sobre operações com bens e serviços em que não haja “contraprestação”. Um exemplo disso é a previsão de tributação do “fornecimento de bem para uso e consumo pessoal dos empregados dos contribuintes”. Desnecessário possuir uma grande mente criativa para imaginar a grande quantidade de situações que sujeitarão as empresas ao recolhimento desses tributos.
Outro ponto de destaque diz respeito à regra da não cumulatividade. Em resumo, a regra da não cumulatividade opera-se por meio técnica crédito e débito: o IBS/CBS incidentes nas operações anteriores de aquisição de bem material, imaterial, direito ou serviço geram crédito para abatimento do IBS/CBS devidos na operação praticada pelo contribuinte.
Positivamente, a não cumulatividade está prevista de forma muito mais ampla do que a não cumulatividade atualmente vigente, justamente porque permite o creditamento sobre itens e despesas que não necessariamente incorporaram-se ao produto/mercadoria final. Há, sem sombra de dúvida, neste aspecto, uma ampliação ao direito ao creditamento.
Porém, há arestas que certamente deverão ser aparadas. Dois desses pontos estão na previsão (i) de vedação de crédito ao bem ou serviço considerado como uso e consumo pessoal, (ii) na previsão contida no parágrafo 5, inciso II, do art. 156-A da CF, que autoriza à Lei Complementar estabelecer hipóteses em que o aproveitamento do crédito ficará condicionado à verificação do efetivo recolhimento do tributo desde que a) o adquirente possa efetuar o recolhimento do tributo incidente nas suas aquisições de bens e serviços; b) o recolhimento do tributo ocorra na liquidação financeira da operação.
A definição do que seja bem de uso e consumo pessoal, em que pese estar prevista na regulamentação, certamente implicará em interpretações restritivas pelo fisco, a experiência brasileira é tradicional nisto. Além do mais, condicionar o direito ao crédito ao efetivo pagamento representa um verdadeiro retrocesso na operacionalização da não cumulativa, já que há jurisprudência mais do que consolidada em sentido oposto.
Pelos temas aqui meramente tangenciados, evidencia-se que a Reforma Tributária da forma que vem está longe de reduzir a litigiosidade tanto almejada.

*Raquel Mercedes Motta Xavier é professora do curso de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) Câmpus Londrina.