Antes mesmo de a preservação do meio ambiente ocupar agendas de governantes ao redor do mundo e a grande preocupação de centenas de organizações da sociedade civil, o botânico Gerdt Hatschbach, lá por meados da década de 60, já estava envolvido em movimentos de defesa da Floresta Atlântica, da Serra do Mar, em especial, do Pico do Marumbi.

No Dia Mundial do Meio Ambiente, 5 de junho, Hatschbach, Doutor Honoris Causa em Botânica pela Universidade Federal do Paraná, 83 anos, fala sobre biodiversidade, defende as florestas, faz crítica aos “falsos reflorestamentos” da indústria de papel e diz que a biopirataria começou com a chegada dos portugueses ao país.

Gertd Hatschbach assumiu em 1965 a administração do recém-criado Museu Botânico Municipal, no Passeio Público. O museu só se viabilizou graças à doação de 21 mil amostras de espécies botânicas do acervo particular de Hatschbach.

Ele ainda é responsável pelo Museu Botânico de Curitiba, o quarto maior do país, transferido para o Jardim Botânico. O museu tem um acervo de 330 mil espécies catalogadas entre flores, arbustos e ervas. Espécies descobertas pelo botânico levam seu nome, como a Fúcsia Hatschbachii, que está sendo plantada em jardins públicos de Paris.

Acompanhe a entrevista de Gertd Hatschbach:

– Muito antes de meio ambiente, biodiversidade, biopirataria, preservação ambiental ocuparem noticiários e grandes debates em todo o mundo, o senhor já andava envolvido com movimentos em defesa da Serra do Mar. A partir de quando os ambientalistas começaram a se preocupar com isso?

Hatschbach – A gente nem usava o termo ambientalista. Mas já nos preocupávamos com a preservação porque a gente via, in loco, a devastação desenfreada. Era preciso tomar uma atitude. Então, eu, o Bigarela (João José Bigarella, professor de geologia da Universidade Federal do Paraná) e outros colegas de áreas afins, nos juntamos com alguns jornalistas da Gazeta do Povo, em 1965. A gente se reunia toda semana para discutir o assunto e criamos um movimento de preservação da Serra do Mar. E essas discussões viravam artigos publicados no jornal.

– E como o público reagia?

Hatschbach – Acho que não entendiam muito bem o tema. Mas o jornal denunciava os madeireiros da Serra do Marumbi, da Graciosa, denunciava os palmiteiros. Antes disso, o Reinhart Maack já denunciava e também lutava pela preservação de uma área indígena, da tribo Xetás, entre os rios Ivaí e Piquiri. Mas ninguém dava bola para ele. Diziam que isso era uma bobagem porque no Brasil sobrava terra.

– E hoje, como o senhor avalia os movimentos, organizações e as legislações preservacionistas?

Hatschbach – Hoje as coisas são bem diferentes. O nível de consciência é outro. As pessoas estão menos egoístas e mais preocupadas com as futuras gerações. O trabalho de preservação é levado a sério. Curitiba tem legislação que oferece descontos nos impostos territoriais para quem possui área preservada. Isso é um avanço, mas a lei precisa ser mais bem costurada, senão poderá vir, por exemplo, os herdeiros e os especuladores imobiliários que sempre dão um jeito de achar uma brecha na lei para desfazer o negócio.

– Como o senhor analisa o reflorestamento da indústria do papel que optaram pelo pinus elliots e eucaliptus que não são nativos de florestas brasileiras?

Hatschbach – Um crime. Essas espécies destroem o meio ambiente porque subtraem excessiva quantidade de nutrientes do solo para poder resistir e se adaptar. Não servem para reflorestar, ao contrário, são predadores ambientais. Espantam até animais e se proliferam com muita rapidez, impedindo o crescimento das espécies nativas.

– Que espécies o senhor sugere para o reflorestamento?

Hatschbach – Temos o pau-de-vinho e a guaricica, espécies que demoram um pouco mais para crescer, mas produzem fibras muito melhores para a produção de celulose. São árvores bonitas e produzem florada que atraem outras espécies de animais. Embaixo do eucalipto não nasce nada. Nem cobra sobrevive à sua sombra.

– E a biopirataria? É um fenômeno dos anos 80, 90?

Hatschbach – Claro que não. A biopirataria começou com a chegada dos portugueses ao Brasil.

– E como ela é feita hoje?

Hatschbach – Do mesmo jeito de sempre. Desde pessoas disfarçadas de turistas, até os “mateiros” que servem muitas vezes, até sem muita consciência, aos grandes laboratórios multinacionais. São pessoas que tem conhecimentos, de pai para filho, das propriedades medicinais de plantas, muitas vezes dominam a técnica de conservação, armazenagem e transporte e mandam ver floresta adentro. A gente sabe que tem mochileiros disfarçados que atuam como piratas da floresta.

– Esses piratas da floresta ganham dinheiro?

Hatschbach – Não tanto quanto os receptadores. Mas ganham o suficiente para sobreviver. Pirataria de subsistência.

– Onde encontrar essa mercadoria pirateada?

Hatschbach – Indústria farmacêutica, sob forma muitas vezes sintetizada, farmácias de manipulação, lojas de produtos naturais e fabricantes de essências e indústria cosmética e de perfumaria.

– Quando se fala em preservação ambiental, em especial no Paraná, o foco é a Mata Atlântica. O que resta dessa floresta?

Hatschbach – A Floresta atlântica originalmente percorria o litoral brasileiro de ponta a ponta. Estendia-se do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, e ocupava uma área de 1,3 milhão de quilômetros quadrados. Atualmente restam apenas cerca de 5% de sua extensão original, aproximadamente 52.000 quilômetros quadrados.Tratava-se da segunda maior floresta tropical úmida do Brasil, só comparável à Floresta Amazônica. O grande destaque da mata original era o pau-brasil. Alguns exemplares eram tão grossos, que três homens não conseguiam abraçar seus troncos. O pau-brasil hoje é quase uma relíquia, existindo apenas alguns exemplares no Sul da Bahia. Em alguns lugares como no Rio Grande do Norte, nem vestígios. Hoje a maioria da área litorânea que era coberta pela Mata Atlântica é ocupada por grandes cidades, pastos e agricultura. Porém, ainda restam manchas da floresta na Serra do Mar e na Serra da Mantiqueira, no sudeste do Brasil.

– E qual é o tamanho da Mata Atlântica paranaense que o senhor prefere chamar de Floresta Atlântica?

Hatschbach – Ao todo, são 12 mil quilômetros quadrados de floresta protegida na Serra do Mar e Vale do rio Ribeira. A Mata Atlântica do território paranaense é um dos mais importantes remanescentes do bioma no país.

O que tem na floresta atlântica e qual a importância da sua preservação?

Hatschbach – O chão desta floresta é um verdadeiro berçário de plantas recém germinadas ou em vida latente dentro das sementes. Um dos motivos para preservar o que restou da Mata Atlântica é a rica biodiversidade. Muitas dessas plantas podem passar anos aguardando que uma árvore caia, abrindo uma clareira para que tenham luz suficiente para crescer. Habitam essa floresta, mais de 130 espécies de mamíferos, quase 300 espécies de aves, marsupiais, roedores, anfíbios, répteis e mais de vinte tipos de macacos. Calcula-se em torno de 10 mil espécies de plantas que contém uma infinidade de espécies de cores, formas e odores diferentes – jabuticabas, cambuás, ingás, guabirobas e bacuparis, orquídeas, bromélias, samambaias, palmeiras, pau-brasil, jacarandá, cabreúva, ipês, palmito, cipós, que convivem espécies maiores como jequetibá, figueiras e guapuruvas e até líquens, musgos e uma infinidade de microorganismos.

– A Prefeitura de Curitiba tem um projeto para plantar espécies nativas da floresta Atlântica nos parques da cidade.

Hatschbach – Estamos cultivando no Jardim Botânico, 30 espécies da Serra do Mar paranaense – entre elas, xaxim, guapuruvu, quaresmeira, palmito, ipês, cauvi. Algumas espécies, como o guapuruvu, podem chegar a 30 metros de altura. O cauvi, encontrado na Serra da Graciosa, tem uma flor de cor creme com um perfume tão extraordinário que seria a essência perfeita para um perfume de mulher.

– E quanto à adaptação dessas espécies ao solo e clima urbano?

Hatschbach – Antes do plantio, foi feito um estudo de distribuição das plantas no terreno para garantir o desenvolvimento da floresta. A transformação do ambiente nesta área do Jardim Botânico será notada dentro três anos, quando as plantas estarão bem formadas. Como são espécies nativas de ambientes úmidos, serão irrigadas diariamente.