No dia de ontem completaram 15 anos do passamento de um “mago” dos cavalos. De jóquei a treiandor, proprietário e visionário, João Carlindo deixou história por onde passou.
Foi ele que identificou o craque Much Better no meio de tantos outros potros dias antes dele ser vendido para o Stud TNT. Porém uma das melhores histórias deste mestre dos cavalos aconteceu na Taça de Prata de 1984.
Então em homenagem a ele, a partir de agora contamos um pouco desta história ensacional, que se encontra no livro “O Mago dos Cavalos”, escrito por seu filho, Carlos Cesar Carlindo.
A CÉLEBRE CAMBALHOTA
As previsões do tempo não eram favoráveis, mas as contrariando totalmente, o dia 12 de agosto de 1984 amanheceu lindo, em São Paulo. Num domingo de tem – peratura agradável, um sol brilhante dava bom dia para todos que estavam trabalhando no Hipódromo de Cidade Jardim. Mas não foi este sol que acordou João Carlindo, pois ele já es – tava no grupo número 78 de propriedade do Haras Bandeiran – tes, desde as quatro horas da manhã. Quase não tinha conse – guido dormir na véspera desta que seria a maior prova que o seu tordilho de quinhentos quilos chamado Empire Day, iria correr. Chegou às quatro horas da manhã na cocheira e foi lo – go acordar o seu fiel funcionário e cavalariço de Empire Day, Manoel Dias.
Manoel nem se assustou, pois já conhecia o patrão há muitos anos. Levantou e foi fazer o chimarrão para o chefe. Ficaram conversando até as cinco horas da manhã quando eu também cheguei na cocheira. A tensão era grande, parece que ninguém conseguiu relaxar durante a noite. Empire Day parti – ciparia naquela tarde, depois de obter oito vitórias seguidas, da sua nona e mais importante corrida: O GP João Adhemar de Almeida Prado – Grupo I. A famosa Taça de Prata.
Empire Day havia passado 21 dias antes, naquele mesmo hipódromo, por uma seletiva para poder se classificar para a grande final. Mais de 100 potros inscritos buscavam uma das vinte vagas para a finalíssima. Sua vitória na seletiva foi dramática. O jóquei Antônio Bolino, muito calmo, amansou o cavalo nos metros finais e guardando o chicote quase jogou por terra a invencibilidade do tordilho, pois o ótimo Albênzio Barroso que montava o cavalo Romage, do Haras Faxina avançou rapidamente e igualou com o Bolino. Toda a crônica apostava que Empire Day havia perdido, mas a fotografia demonstrou pequena diferença em favor de Empire Day.
Nas seletivas se destacaram Grison, Impossible Eyes, Lorax, Art Inshallah, Imprudent Lark, Pinguinho e Bundler. Na última seletiva Empire Day venceu apertado e no tempo menos recomendável. Agora na prova final, o Brasil inteiro estava com os olhos voltados para o líder e invicto Empire Day. Juntos com ele estavam ali os melhores potros da geração, que era considerada, pela crônica especializada, como uma das melhores dos últimos tempos.
Pela primeira vez em toda a sua história, a Taça de Prata chegava a sua final com um invicto. Daí toda a polêmica que se estabeleceu durante a semana da corrida. “Resistiria Empire Day a mais este teste?”. Parecia impossível um potro filho de um reprodutor velocista, mal saído dos dois anos de idade, e que já tinha viajado de caminhão mais de oito mil quilômetros durante sete meses de campanha, conseguir vencer a sua nona corrida seguida e na distância de 1600 metros.
Certamente havia se formado no hipódromo dois grandes grupos. O primeiro, muito grande que acreditava que Empire Day a tudo resistiria e cruzaria, mais uma vez, a linha de chegada na frente. E havia também outro grupo que acreditava na derrota do líder da geração. Estes se dividiam entre os outros competidores. A responsabilidade era grande. Todos da equipe sabiam disto e desta vez não poderia haver erros.
Aparentemente seria a mesma coisa, mas a preocupação não era simplesmente para vencer a prova, mas a obrigação maior e angustiante seria a de não perder com um animal invicto de oito vitórias. A coroação de meses de trabalho, com muita dedicação, estava próxima e somente a “medalha de ouro” serviria. Uma derrota apagaria o que tinha sido feito até aquele momento, e deslocaria os holofotes de Empire Day para aquele que o derrotasse. Já a sua vitória acabaria com qualquer possível contestação sobre as suas excepcionais qualidades, e o colocaria na condição de um verdadeiro animal de exceção.
Às seis horas da manhã João Carlindo mandou o Manoel levar o Empire Day para caminhar na Vila Hípica. Com um conjunto de capas de cabeça e de corpo impecavelmente brancas, e usando ligas vermelhas, Empire Day caminhou alegremente. E apenas 30 minutos depois voltou para a cocheira demonstrando muita disposição. O cavalo sabia que iria correr. Normalmente muito manso, no dia da corrida mudava o seu temperamento, ficando mais agitado. Pela movimentação diferente da cocheira Empire Day sabia que era dia de “jogo”. – “Está “pingando azeite”, e vai ganhar de novo!” – Disse o Manoel ao voltar com o cavalo.
Após ser refrescado, massageado e escovado, Empire Day voltou para o seu boxe. Uma rápida aplicação de compressas frias, nas articulações dos seus “joelhos”, que não estavam muito saudáveis, e às oito horas já estava comendo a sua ração, sob os olhos atentos de seu proprietário. Às nove horas surgiu a confirmação da retirada de Art Inshallah e Pinguinho que, por problemas físicos, não iriam correr. A notícia agradou alguns membros da equipe, pois se tratava de dois grandes adversários. Mas João Carlindo deu de ombros. – “Só que ainda temos 17 bons cavalos a serem vencidos!” – Disse ele.
Às dez horas todos deixaram Empire Day descansar e saíram da cocheira. Só ficou o Manoel de guarda. Ao meio dia um fotógrafo da Revista Hippus chegou até a cocheira e queria fotografar o Empire Day, mas Manoel não permitiu. Disse que o cavalo estava repousando, e que ninguém iria incomodá-lo até a hora da corrida. O fotógrafo não gostou, considerou aquilo uma “frescura” e foi embora.
Às quinze horas Empire Day deixou as cocheiras, e levado por Manoel seguiu para as corridas. Atrás do cavalo, para garantir que ninguém chegasse perto dele, eu segui a pé, até o padoque. Também foi uma boa decisão, pois os estacionamentos estavam lotados.
No exame veterinário, antes da prova, Empire Day estava muito agitado, tendo dado vários coices que quase atingiram o veterinário que lhe examinava. Liberado, foi levado ao local próprio para ser encilhado.
Chegava a hora! Um público de milhares de pessoas estava presente nas arquibancadas para ver os melhores potros disputarem o prêmio milionário da Taça de Prata. Os corações de toda a equipe estavam em ritmo acelerado. João Carlindo e Antônio Bolino conversavam procurando a melhor estratégia para a corrida. O primeiro sabia que não precisava falar muito, pois o Bolino já conhecia muito bem o Empire Day.
Todos temiam Empire Day, mas o Bolino temia apenas os dois animais do Haras Rosa do Sul, Imprudent Lark e Impossible Eyes. Sabia que esses dois animais tentariam um jogo de equipe para vencer Empire Day. Ordem para montar! Bolino montou… Não gostou de algo e desceu. Soltou o encilhamento, encilhou de novo e outra vez montou.
– “Boa sorte!”- Bradou João Carlindo.
– “Vamos lá!” – Respondeu Antônio Bolino.
– “Nos encontramos na foto!” – Disse ao Bolino, sentindome nervoso, mas muito confiante. Empire Day fez um cânter de apresentação que não chegou a empolgar. Parecia que não estava gostando muito daquela pista de grama muito dura. Compreensível para um animal com alguns problemas nas articulações dos joelhos.
Seguiram para a seta de partida. A tensão era cada vez maior. João Carlindo visivelmente nervoso andava, de um lado para o outro. Não tinha o costume de assistir às corridas com um binóculo, por isso ia em direção à pista e logo voltava para frente de um televisor.
Os jóqueis iam colocando seus cavalos nos respectivos boxes de largada. Empire Day entrou no quinto boxe de dentro para fora. Embora com as arquibancadas lotadas, neste instante o silêncio era total e milhares de olhos estavam voltados para um único ponto do hipódromo. Tudo pronto…
– “Forçou a partida EMPIRE DAY!” – Bradou o narrador pelos alto-falantes do hipódromo! Apreensão… Teria se machucado? Empire Day correu cerca de 150 metros tendo o Bolino conseguido controlá-lo e parou. Voltou a trote para o boxe de largada enquanto todos os demais competidores aguardavam colocados cada qual em seu respectivo boxe. Examinado pelo veterinário do Jockey Club presente na seta de partida foi liberado para correr.
Alivio… E, novamente Empire Day entrou… “Transmissão da Rádio Imprensa FM de São Paulo às 16H52M de 12/08/1984”. Nilson Genovesi: – Novamente em seu boxe EMPIRE DAY!
A qualquer momento a partida! Todos em igualdade… Atenção… É a Taça de Prata! Foi muito boa a largada. Vai para a primeira colocação por dentro IMPOSSIBLE EYES, vai livrando um corpo todo para EMPIRE DAY no segundo lugar, e atacado por QUITZ-ER…; QUITZ HER passa para segundo, EMPIRE DAY em terceiro, BUNDLER em quarto, XENINLLAH na quinta colocação, IMPRUDENT LARK em sexto, LORAX em sétimo, GRISON oitavo, em nono INGRATZ, em décimo MELLOW ROAD, décimo primeiro HABILIDOSO, décimo segundo MITA-KHAN, décimo terceiro CLISTHEN, décimo quarto ALITAK, na última colocação está ROMAGE, em penúltimo KNOCK DOWN! Os competidores vão terminando a reta oposta e vão começando a descer a curva.
A vantagem na ponta para IMPOSSIBLE EYES, com QUITZ-ER no segundo lugar. Cabeça do primeiro para o segundo, em terceiro a dois corpos o tordilho EMPIRE DAY que vai avançando por fora, BUNDLER corre em quarto, IMPRUDENT LARK passou para quinto, RESMUNGADOR toma o sexto lugar, FLABELLO passa para sétimo, GRISON corre em oitavo, LORAX melhora para nono, em décimo HABILIDOSO, em décimo primeiro MELLOW ROAD.
Contornam a curva e entram pela reta final… IMPOSSIBLE EYES no primeiro lugar, agora avança… EMPIRE DAY…, EMPIRE DAY vai disputar o segundo, passa para o segundo, vai tentar a primeira colocação, estão a quatrocentos metros do vencedor, EMPIRE DAY avançando sobre IMPOSSIBLE EYES enquanto FLABELLO avança por dentro e IMPRUDENT LARK avança por fora, a duzentos metros do vencedor EMPIRE DAY atacando, vai para a primeira colocação, cabeça de vantagem para IMPOSSIBLE EYES no segundo lugar… Poucos metros, EMPIRE DAY… atacado por IMPOSSIBLE EYES, cabeça com cabeça, cruzam a faixa final… Depois FLABELLO e IMPRUDENT LARK…
Vamos aguardar o alarido do público! Realmente comprova o sensacionalismo da carreira… Eu vou dar uma impressão, eu vou dar uma impressão um pouco arriscada. Eu tenho a impressão que ganhou EMPIRE DAY. Tenho a impressão que ganhou EMPIRE DAY. Eu vou rapidamente antes de mais nada aos comentaristas Gilberto Gouvêa e Afonso Roperto. Quem ganhou o páreo companheiros?
Gilberto Gouvêa: – Bom, para mim ganhou o EMPIRE DAY. Tô com você Nilson… Vamos ver o Afonso.
Afonso Roperto: – É uma diferença bem pequena, mas o EMPIRE DAY por fora, pelo ângulo aqui deu a impressão ter ganho mesmo a prova, Nilson.
Nilson Genovesi: – E desta vez o Bolino não facilitou, bateu bateu, porque o potro ele se encolhe quando não vê nenhum adversário ao seu lado. Vamos aguardar… Afonso Roperto e Gilberto Gouvêa vão ver o tape agora. Para nós ganhou EMPIRE DAY. Uma carreira realmente dramática à altura do turfe paulista, à altura deste grande evento que é a Taça de Prata. Vibraram os turfistas presentes ao hipódromo assim como aqueles que tiveram o prazer de sintonizarem a rádio Imprensa FM. Lá no painel fotochart. Fotochart para o primeiro lugar.
Alô companheiros do Rio, Ernani, Oscar, Sérgio, vocês perderam um grande espetáculo. Vareda, meu caro Vareda, grande narrador, Ernani Pires Ferreira, um narrador espetacular e o comentarista Sérgio Resende, o que mais acerta lá no Rio. Fotochart para o primeiro lugar entre EMPIRE DAY número um, e IMPOSSIBLE EYES número doze.
Gilberto Gouvêa: – Ôoo Nilson…
Nilson Genovesi: – Pois não! Gilberto Gouvêa: – Inclusive o Carlindo já tá lá no meio da grama. Foi buscar o cavalo quase na seta dos 1800 metros. Nilson Genovesi: – Mas que potro hein?
Gilberto Gouvêa: – É o tal negócio… ele corre o necessário pra ganhar! É impressionante!
Nilson Genovesi: – Nunca perdeu o EMPIRE DAY?
Gilberto Gouvêa: – Nunca! É a nona vitória. Sete em Cidade Jardim e duas no Rio Grande do Sul.
Nilson Genovesi: – É impressionante! É impressionante! Depois nós vamos ouvir um comentário em diálogo. O Gilberto e o Afonso vão dialogar sobre este grande prêmio. E atenção para o tempo do páreo! Olha o tempo do páreo! Um minuto, trinta e cinco e sete décimos. Um minuto, trinta e cinco e sete, a cinco décimos do recorde. Fotochart entre o número um EMPIRE DAY e o número doze IMPOSSIBLE EYES. A imprensa… toda a equipe acredita que ganhou EMPIRE DAY, o Carlindo também, e o público continua no seu alarido! Em terceiro FLABELLO, que deu uma impressão incrível, ali nos últimos 200 metros pela cerca interna. Em quarto IMPRUDENT LARK.
Gilberto Gouvêa: – Nilson…O pessoal do Rosa do Sul tá entrando também!
Nilson Genovesi: – Olha aí! O pessoal do Rosa do Sul também entrando pra fotografia. Também entrando pra fotografia… A esta altura o Carlindo ficou gelado! Vamos ver o Bolino… O Bolino tá sorrindo! O Bolino está sorrindo e sendo cumprimentado! O pessoal do Rosa do Sul ainda não vi lá. Tô vendo só o potro posar pra fotografia. Ah…agora tô vendo o pessoal entrando na raia pra foto também hein…. Pra foto também…Agora o Edson Amorim diz que não deu…Atenção! O Edson Amorim, eu vi daqui, ele falou que não deu…ele falou não deu… Agora ele sorri, naturalmente ele sorri (risos), mas ele acha que perdeu o páreo. Nós também achamos que perdeu o páreo. Mas a verdade amigos é que ninguém perdeu esse páreo, nenhum dos dois perdeu o páreo, nenhum dos dois perdeu o páreo, eu vou repetir de novo, nenhum dos dois perdeu o páreo. Foi uma carreira sensacional… Houve dois vencedores. Evidentemente um apenas o vencedor oficial, deve ter sido EMPIRE DAY, mas foi uma carreira como há muito nós não víamos aqui no hipódromo paulistano. E continua foto…
Gilberto Gouvêa: Ôo Nilson… e um detalhe importante também. A luta está entre dois invictos hein. Dois invictos!
Nilson Genovesi: É verdade… Só que o EMPIRE DAY teria com essa nove vitórias e o IMPOSSIBLE EYES teria três. E atenção!!! Lá no painel continua fotochart! Fotochart… Gilberto Gouvêa e Afonso Roperto podem comandar…
Gilberto Gouvêa: É…o Nilson disse tudo…é uma luta entre gigantes. Dois animais invictos. IMPOSSIBLE EYES que em duas apresentações venceu em ambas e o EMPIRE DAY, que em nove apresentações… em oito, porque hoje seria a nona, seria não…talvez tenha sido. Porque ele venceu seis em São Paulo e duas no Rio Grande do Sul.
Então dois animais invictos e EMPIRE DAY com uma campanha magistral é um animal que corre o suficiente pra ganhar porque ele livra cabeça, pescoço e parece que ele sabe que não precisa livrar mais…aquilo já é suficiente pra ganhar e ele fica do lado, não deixa os outros reagirem ou dominarem, nesse caso o EMPIRE DAY e ele corre o suficiente e acaba a nosso ver, embora até agora esteja olho mecânico na pedra, vencendo uma carreira espetacular. Ele deu um pique antes da partida, correu cerca de 100 metros, voltou para o partidor… E agora tá lá!
Mantém-se invicto EMPIRE DAY! Nona vitória. Nona vitória para EMPIRE DAY! E o público vibra!
E o Carlindo com os familiares pulam na pista. Teve um rapaz… O Carlindo tá rolando, tá fazendo pirueta na pista de grama. Nunca vi isto na minha vida! O Carlindo deu uma pirueta na pista de grama, de paletó, gravata e terno. Nunca vi isto!… Todos se abraçando na raia e realmente… é uma sensação mesmo. Todos se abraçando…O cavalo é beijado! É a nona vitória deste animal EMPIRE DAY, um filho de Maniatao e Kitle e que se mantém invicto em nove apresentações.
O Bolino magistral em seu dorso! Largou bem em segundo quando IMPOSSIBLE EYES foi para a ponta, talvez até soubesse que esse seria o seu maior adversário, mas o QUITZ-ER foi lá. Agora o público ovaciona bastante o EMPIRE DAY! Mas o Bolino quando percebeu que o QUITZ-ER foi em cima do IMPOSSIBLE EYES naturalmente recolheu o seu animal e ficou ali na terceira, quarta posição e aguardando a reta final.
Ao iniciarem a reta ele passou para segundo, atrás do IMPOSSIBLE EYES que corria na sua frente, daí o Bolino puxou um pouquinho mais para fora o EMPIRE DAY, acaba emparelhando e os dois vieram em uma luta terrível. Mas nos duzentos metros apareceu IMPRUDENT LARK por fora feito um leão e dava a impressão a todos que o IMPRUDENT LARK iria engolir de golpe os dois animais que lutavam, mas não. Os dois animais continuaram em ritmo violento, IMPRUDENT LARK parece que cansou daquela sua atropelada e no final o FLABELLO por dentro é quem ameaça e toma o terceiro do IMPRUDENT LARK. Fica em quarto o IMPRUDENT LARK e os demais em fila indiana com RESMUNGADOR na última posição.
Enfim… linda vitória do EMPIRE DAY. Bolino realmente sensacional em seu dorso e muito bem apresentado pelo Carlos Carlindo que é filho do João Carlindo. Agora Afonso Roperto também vai tecer algumas palavras sobre a Taça de Prata. Afonso Roperto: – Ouvinte amigo da “Imprensa” uma boa tarde a todos. Bom…dizer alguma coisa depois de Gilberto Gouvêa praticamente fica quase que nula a situação, mas para acrescentar alguma coisa, nós podíamos dizer da forma impressionante e da calma impressionante que o Bolino tem.
Se bem que hoje muito mais atento do que na ultima onde na última, embora tenha vencido hoje, não apagou a minha impressão de ter bobeado um pouco. Mas hoje ele se virou milimetricamente. E o animal, inclusive que corresponde como bem disse o Carlindo na sua entrevista na outra vez aqui que o animal havia obtido a sua última vitória. Agora o que é bonito é que eu nunca vi, eu nunca senti aplausos dessa forma aqui em Cidade Jardim, nunca mesmo! E é realmente algo contagiante, tão contagiante que fez com que inclusive o proprietário de EMPIRE DAY João Carlindo rolasse na grama como uma criança de cinco anos que vira uma cambalhota na grama.
É realmente… é bonito né… a pessoa numa alta emoção dessas voltar a ser criança. Realmente é uma coisa muito espetacular. Agora louve-se também a direção e a performance de IMPOSSIBLE EYES, outro animal invicto, outro animal que teve contra si inclusive o fato de QUITZ-ER procurar dar em cima dele. É pena que não possa ser dado um empate nesta prova porque o fotochart já foi revelado, inclusive apontou vantagem para o tordilho EMPIRE DAY, mas de qualquer forma o animal IMPOSSIBLE EYES cai batido, mas cai diante de um campeão e ele também um grande campeão! Nilson…
Nilson Genovesi: – Bem… quanto vale esse potro hein? Ganha na grama, ganha na areia, ganha na frente, ganha vindo de trás, ganha de todo o jeito o EMPIRE DAY, mantendo-se invicto. Ele paga 2,40.
* * *
Após a difícil chegada, a expectativa pela revelação do fotochart foi angustiante. Enquanto aguardavam a revelação da foto ficaram, João Carlindo e sua equipe, segurando Empire Day na raia de grama de frente para Impossible Eyes e seu proprietário Matias Machline. E também o faziam os simpatizantes do Haras Rosa do Sul, que seguravam o Impossible Eyes de frente para João Carlindo.
Pouco mais de vinte minutos, que pareceram uma eternidade, se passariam sem que o mais simples dos mortais presente ao hipódromo tivesse a absoluta certeza de quem havia vencido. A demora numa decisão da Comissão de Corridas fazia prever que o resultado poderia ser um empate. Quando o totalizador mostrou que o nº 1 de Empire Day tinha levado a melhor, João Carlindo prorrompeu em lágrimas. E toda a tensão armazenada durante os vários dias que antecederam a prova foi extravasada através de uma linda cambalhota na pista de grama. Antônio Bolino, seu jóquei, costumeiramente muito frio em situações parecidas, também chorou.
Impossible Eyes, levado por seu jóquei Edson Amorim, deixou a pista acompanhado de seu proprietário, e de cabisbaixos simpatizantes. Assim, a festa ficou toda para Empire Day. Muita gente na pista para as tradicionais fotografias da vitória, e as palmas vindas das arquibancadas para Empire Day, foram algo nunca visto no Hipódromo de Cidade Jardim. João Carlindo, sob muitos aplausos, desfilou com o cavalo diante da arquibancada social, acompanhado de Jamil João Samara, seu novo sócio em Empire Day.
Seguiram em frente e se dirigiram para as arquibancadas populares onde receberam aplausos ainda mais calorosos. Estava criada uma atmosfera fantástica e barulhenta. Ali estava realmente um dos chamados “cavalos do povo”. Aquele que ninguém era capaz de imaginar perdendo uma corrida. Com Empire Day realizando o cânter da vitória, novamente as arquibancadas “vieram abaixo”, com muitas pessoas se acotovelando próximas as cercas para assim chegarem o mais próximo possível de Empire Day – que após o pequeno galope, de cabeça alta, posava tranquilamente para as fotografias.
Flores foram lançadas em direção ao cavalo. Uma verdadeira euforia tomou conta daquele mágico momento. Todos os membros da equipe estavam em êxtase. Nem nos melhores sonhos imaginavam estar dentro da pista debaixo de tantos aplausos. Também estavam com os olhos vermelhos e marejados que denunciavam o tamanho da emoção sentida. A categoria de Empire Day para correr, a inteligência de Antônio Bolino para pilotá-lo, a vivacidade de João Carlindo para treiná-lo e o esmero de toda a equipe para que nada desse errado estavam sendo reconhecidos por todos os presentes ao hipódromo.
Após voltarem para a repesagem Bolino desmontou do Empire Day, retirou o selim e já se dirigia para a balança para conferir o peso quando parou e voltou em direção ao cavalo. Abraçou sua cabeça, beijou-a e disse algumas palavras próximas a ele. Bolino sabia que naquele momento, aquele cavalo, que tinha acabado de montar, havia entrado para a história como um dos grandes cavalos de todos os tempos e que não por menos merecia um grande beijo daquele, que já era um dos grandes jóqueis de todos os tempos, no Brasil. Empire Day, parecendo comunicar-se mentalmente com o Bolino, balançou a cabeça e deu um profundo suspiro. Talvez aliviado e compartilhando com toda a equipe a agradável sensação do dever cumprido. Sua grandeza era agora incontestável. Em seguida Bolino abraçou-me, deu-me o seu chicote como recordação e somente aí seguiu para a balança.
Empire Day durante a prova foi alcançado do posterior esquerdo. Embora um corte bem extenso na região dos tendões, foi uma lesão sem gravidade. Também teve aberta a ferradura do membro anterior esquerdo durante o percurso. Tais imprevistos não foram suficientes para impedir a sua vitória na Taça de Prata. Tão logo João Carlindo recebeu as taças pela vitória de Empire Day, já se dirigiu para o estacionamento.
No caminho foi cumprimentado por vários amigos, e indagado por alguns jornalistas que desejavam saber o que havia sentido para chegar ao ponto de dar uma cambalhota na pista, e se já estava indo para a festa em comemoração à vitória, em alguma boate, ou restaurante de São Paulo. Ele, apressadamente respondeu:
– “O que senti não consigo descrever e quanto à festa, só mesmo em Curitiba. Vou pegar a estrada agora mesmo, pois a vida continua e amanhã cedo tenho uma cocheira cheia de cavalos para treinar lá!”
O campeão Empire Day permaneceu ainda em São Paulo por mais dois dias aguardando o caminhão para voltar pra casa. Tempo também suficiente para ser fotografado por vários jornais e pelas Revistas Hippus, O Coruja, Turfe e Fomento e outras. Até mesmo a Revista Placar, especializada em futebol, e normalmente avessa a dar cobertura a outros esportes como o turfe, se rendeu ao cartaz do tordilho de João Carlindo publi – cando uma matéria sobre ele. Empire Day era a grande estrela do momento!
A Taça de Prata de 1984 não seria a prova mais importante já vencida, ou a prova que lhe rendeu o maior lucro. Mas pela dificuldade, e pela dramaticidade com que foi obtida, sempre foi considerada por João Carlindo, como a “corrida inesquecível”! Em 2010, a coluna GPs Inesquecíveis do site turfe brasil comentando este GP afirmou: “Neste dia o público em Cidade Jardim pôde assistir a uma das mais belas retas de sua história”.
DETALHES:
Certa vez, em 1984, estávamos acompanhando o embarque de EMPIRE DAY, no caminhão da Empresa de Transportes Miliante, com destino a São Paulo onde iria participar de um Grande Prêmio. Após Empire Day e os nossos outros cavalos terem embarcado, e o caminhão iniciado a sua saída pelo portão do Jockey, todos que acompanhavam o embarque se despediram, e cada qual se dirigiu para a sua respectiva cocheira.
Meu pai, no entanto, ficou prestando atenção no caminhão e notou que ele estava pegando o caminho oposto da estrada para São Paulo. Estranhou, e comentou o fato com outros treinadores que estavam próximos. Mas, estes não deram muita importância, dizendo que provavelmente o motorista iria pegar outra rua que o levasse até a estrada. Ele não se conformou e saiu atrás do caminhão. Alguns quilômetros a frente cercou o caminhão e o fez parar.
– “Aonde você vai?” – Perguntou ao motorista.
O motorista comentou que o Sr. Rodolpho Schelenker, gerente da empresa, o mandou pegar uma reprodutora num haras próximo dali (que não lembro qual era agora), e que também iria para São Paulo.
– “Ah! Mas não vai mesmo! Até chegar ao haras, embarcar a égua e depois voltar vai perder pelo menos duas horas e meus cavalos não vão ficar passeando por aí. Siga agora mesmo para São Paulo e pode deixar que eu me “entendo” com o seu chefe que sabe que o caminhão é exclusivo para mim!”, disse-lhe meu pai em tom ameaçador!
Não havendo outro jeito, e diante das broncas, o motorista seguiu para São Paulo tendo inclusive meu pai e eu escoltado o caminhão até a metade da viagem (200 km) para termos a certeza que o caminhão não passaria em nenhum haras pelo caminho. Voltando a Curitiba, meu pai comentou comigo: – “São estes pequenos detalhes que fazem a diferença entre vencer ou perder!” Novamente no Jockey Club, tive até pena dos ouvidos do Sr. Schelenker.
Texto extraído do livro “O Mago dos Cavalos”, escrito por Carlos Cesar Carlido. Agradecemos ao Carlos Cesar por nos autorizar a reprodução.