
Ayrton Baptista Jr é uma enciclopédia ambulante. Tem na cabeça e na ponta da língua uma resposta rápida e completa para as perguntas mais difíceis. E não apenas sobre o futebol paranaense. História do rádio, da política, do cinema… É difícil encontrar um tema não dominado por essa fera da CBN.
Conhecido no meio esportivo por Tusquinha, brilhou no time do Bem Paraná por um longo período e hoje mantém um blog no Globoesporte.com. Nessa entrevista da série Craques da Imprensa, do blog Entrelinhas do Jogo, ele conta como teve a audácia de misturar humor com futebol, algo perigoso em tempos de ódio e intolerância online.
Entrelinhas do Jogo — Como virou jornalista esportivo? Era sonho de infância ou acabou decidindo depois?
Tusquinha — O sonho era o rádio. Aliás, continuo sendo o sonho, que eu vivo diariamente.
Meu pai tinha um Philips nove faixas, um modelo com captação de emissoras de outros estados e países. Ainda eram comuns, na década de 70, os rádios com ondas curtas, que permitiam sintonizar em qualquer canto do planeta, por exemplo, a Rádio Clube Paranaense e a BBC de Londres.
Eu ouvia de tudo (futebol, jornalismo, música, humor, variedades) e usava um gravador para fazer o meu “programa”. Os amigos eram os ouvintes, que pediam música. Também narrava os jogos de futebol nos campinhos da vizinhança.
Uma tia minha, Leila, notou o meu fascínio pelo rádio. Ela conhecia a mulher do Eduvaldo Brasil, que era repórter da Rádio Clube Paranaense, e soube que havia uma função, a de rádio-escuta, que era uma espécie de estágio. O escuta acompanhava emissoras de outros estados e ajudava os titulares do plantão esportivo a apurar os resultados das partidas onde a rádio (a Clube, no caso) não estava pressente. O Eduvaldo me apresentou ao Carlos Kleina, que formou com o Oldemar Kramer a maior dupla de plantão esportivo da História Contemporânea.
Com 16 anos, no dia 25 de janeiro de 1986, comecei a trabalhar na rua Doutor Muricy, auxiliando o Kleina, o Kramer e o Pedro Rogério Gregoski, que era o outro rádio-escuta.
O chefe da equipe era o inesquecível narrador Lombardi Junior (“Braços erguidos ao céu, estremece este gigante de concreto armado”), e o coordenador o comentarista Lourival Barão Marques, que também me incentivou bastante.
Dois anos depois, o Sidnei Campos me chamou para ser plantão esportivo dos jogos de juniores, que eram transmitidos pela Rádio Paraná, que ficava no mesmo prédio.
Entrelinhas — Você é de uma família de jornalistas. Seus pais fizeram história no jornalismo paranaense. E seu irmão também foi da crônica esportiva. Conte um pouco sobre essa herança.
Tusquinha — Meus pais trabalharam em um dos jornais mais importantes de Curitiba: o Diário do Paraná, veículo dos Diários e Emissoras Associados, rede criada pelo Assis Chateubriand, o fundador da televisão no Brasil. Meu pai, Ayrton, se especializou em política. Minha mãe, Neri, teve coluna sobre artes plásticas na Gazeta do Povo.
A maior herança foi o hábito de ler jornais que eu lia jornal diariamente (Diário do Paraná; Gazeta do Povo; e O Estado do Paraná), embora eu tenha me alfabetizado, segundo a minha mãe, lendo a lista telefônica.
Mas eu era viciado em rádio e televisão. Meu domingo era do rádio do meio-dia até às 8 da noite. Depois, via os gols na tevê. Observava de tudo: do gerador de caracteres ao número de câmeras utilizadas no Futebol Compacto da TV Paranaense (RPC). Um clássico tinha… duas câmeras!
O meu irmão, Rodrigo Baptista, entrou no jornalismo nos anos 90. O Jornal do Estado (hoje Bem Paraná), onde ele era repórter, precisava de um alguém para fazer o Tabelão, uma seção com as estatísticas de futebol. O Rodrigo me indicou porque, mesmo fora do rádio, continuava anotando números do futebol.
De cara, fiz amizade com o Roberto José da Silva, o Zé Beto, que fora repórter da revista Placar e era editor de esportes do Jornal do Estado. No início, eu só cuidava do Tabelão. Depois, escrevi até sobre a previsão do tempo: verificava os dados do Simepar e colocava um molho de atualidade em cima: “Nem Taffarel segura a chuva deste domingo”; “Segundo turno tem esquerda, direita e um guarda-chuva”.
Hoje, colaboro com tiradas com política e cotidiano com o Blog do Zé Beto, sempre fiel ao meu estatuto: “Humor não tem time. Humor não tem partido”.
Entrelinhas — Quem já trabalhou com você fica impressionado com seus conhecimentos sobre história do Paraná, da música, do futebol e do rádio. Nunca pensou em escrever livros sobre esses assuntos? Ou prefere mesmo continuar nessa vida de “enciclopédia ambulante”?
Tusquinha — O livro de futebol eu devo há mais um ano ao editor Flávio Costa. O que falta para os meus livros é disciplina de escritor. Os tais 90% de transpiração.
Sobre cinema, música, teatro, televisão, carnaval e outras artes eu comento, às vezes, informalmente na CBN ou no Facebook.
Me orgulho de ter contado, com a ajuda do radialista Gilberto Fontoura e do ex-atacante Luizinho Antoniassi, que o Breno Mello jogou no Água Verde. Breno foi o ator principal do filme Orfeu Negro (1959), produção francesa feita no Rio de Janeiro, que ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes e Oscar do filme estrangeiro. Ele disputou o Campeonato Paranaense de 1964.
O Água Verde teve um Oscar!
Entrelinhas — Qual o melhor momento que já viveu na carreira?
Tusquinha — O melhor momento é o de agora: poder adicionar música e literatura na conversa do futebol e perceber que os ouvintes e leitores gostam deste lado pitoresco e curioso.
Na CBN, onde estou desde 2011, puxado pelo Valmir Gomes, comecei a contar curiosidades antes de um Atletiba, por sugestão do operador de áudio Keller da Silva. O Valmir e o Paulo Cesar Tiemann compraram a ideia, ampliada mais tarde no quadro CBN Futebol Alternativo, ideia do Marcio Miranda.
Entrelinhas — Qual a melhor parte de ser jornalista esportivo?
Tusquinha — Conviver com gente que jogou profissionalmente, como Hidalgo, Sicupira, Cláudio Marques, Serginho Prestes, Caxias, Gilberto César, Picolé, Jairo Silva…
Estes caras jogaram e acham (veja só!) que eu entendo de futebol.
Entrelinhas — E qual a parte mais difícil, mais complicada na profissão?
Tusquinha — No rádio, uma dificuldade é tentar não ser repetitivo mesmo falando em vários horários.
A outra é o calendário maluco. Na terça, o jogo começa às 7 e 15, na quarta às 9 e meia, domingo tem à tarde e à noite, ou de manhã e à noite. Quarta-feira é um dia em que vivo quinze horas ligado de futebol: produzo o noticiário durante o dia e vejo o jogo à noite. Mas é parte do processo. Quem está na chuva é para se queimar, como diz o Ary Toledo (que colocou esta e outras frases na boca do Vicente Matheus).
Outra dificuldade, no meu caso, é a falta de tempo para a cobertura de outros esportes.
Há também a instabilidade do meio rádio. Sinto falta de trabalhar com amigos-irmãos, como Valmir Gomes, Paulo Cesar Tiemann, Edson Thomaz, Bruno Abdala, Gustavo Marques, Cesar Junior, entre outros.
E sinto a falta das transmissões do narrador Edgard Felipe. No ar, ele era extrovertido. No churrasco com os amigos, bem reservado. Quando ele morreu, em 2016, éramos bem amigos. Ele tinha uma vasta cultura sobre música caipira. Eu dizia que ele precisava montar um espetáculo com causos e canções.
Entrelinhas — As redes sociais provocaram mudanças no jornalismo esportivo e na sua maneira de trabalhar?
Tusquinha — Muito. Mexeu com os profissionais e com as mídias tradicionais.
Tento falar com quem ligou o rádio sem ter ideia do que aconteceu durante o dia, mas também com aquele ouvinte que ligou a CBN depois de se informar pela internet. Aqui, entram as curiosidades.
Nesta semana, devido ao jogo do Atlético em Caracas pela Copa Sul-Americana, falei sobre um time venezuelano, a Portuguesa de Acarigua, que fez barulho na Copa Libertadores da América, em 1977. A Portuguesa contratou o lendário Jairzinho, o “Furacão do Tri”, artilheiro da Copa do Mundo de 1970, e passou invicta pelas seis rodadas da primeira fase. Um feito extraordinário para a Venezuela. Depois, o time de Acarigua ganhou do Internacional, 3 a 0, mas foi goleado pelo Cruzeiro, 4 a 0.
Durante os jogos, publico tiradas no Twitter e no Facebook. O Twitter me ajudou a exercitar a síntese no texto. Sei que alguns leitores me acompanham nas redes sociais e outros no blog.
Entrelinhas — Já teve problemas com os chamados 'haters'?
Tusquinha — Já. Quando comecei a ser blogueiro, recebia mensagens do tipo “quando te encontrar, vou quebrar a tua cara”. Depois, creio, perceberam que a zoeira é para todos e não especifica para algum time.
Os que me acham um idiota não querem mais quebrar o meu nariz.
Entrelinhas — Você tem um blog que mistura humor e futebol. Como foi a ideia desse blog e como consegue manter o bom humor nesse desgastante dia a dia do jornalismo?
Tusquinha — O Boleiros & Barangas é uma sequência do Craques e Caneladas, lançado em 2007, no portal Bem Paraná. A Josianne Ritz, chefe de redação, me convidou para fazer um blog “bem Tusquinha”. O pessoal do meio já me associava ao humor. Peguei a liberdade deste termo “bem Tusquinha” e parti para o ataque.
Em 2011, o Sergio Tavares Filho, editor do G1 Paraná, propôs que eu levasse este espírito para o GloboEsporte.com. Estou lá há sete anos.
Quanto ao desgaste, para quem tenta fazer humor a desgraça é quando a tirada não vem. Felizmente, tem vindo. Posso estar mal humorado, mas quando surge a primeira ideia o dia fica mais bonito…
No texto, sinto uma liberdade maior para a zoeira. No rádio, tenho mais cuidado, Se eu conto mal a piada (com ou sem graça), ela já foi para o ar… Não tem como voltar.
O porquê do apelido é outra longa história.
Dizem que eu sou normal, mas isto não vai ficar assim.
Entrelinhas — Pergunta tema livre. Que pergunta faltou aqui que você gostaria de responder?
Tusquinha — “O que você seria se não fosse jornalista esportivo?”
Eu seria um famoso animador de auditório ou um cultuado cineasta francês.
PERGUNTAS RÁPIDAS, RESPOSTAS CURTAS
Melhor jogador do mundo na história: Pelé. Vi muitas imagens. Então, acho que posso dizer que vi Pelé jogar. Um pouco, pelo menos.
Melhor jogador do mundo na atualidade: Cristiano Ronaldo.
Três melhores jogadores do futebol paranaense em toda história: Dos que vi cotidianamente, João Antônio (Paraná), Lela (Coritiba) e Fernandinho (Atlético).
Três melhores jogadores em atividade em clubes paranaenses hoje: Wilson (Coritiba), Pablo (Atlético) e Dagoberto (Londrina)
Melhor técnico do mundo na história: Rinus Michels, o do “Carrossel Holandês” da Copa do Mundo de 1974. Moderno há mais de 40 anos.
Melhor técnico do mundo na atualidade: o Rinus Michels, que morreu em 2005, e ainda não conseguiu ser sequer imitado.
Maior time da história do futebol: Brasil campeão mundial em 1970. Do futebol brasileiro, que eu vi com mais frequência, o Palmeiras campeão paulista em 1996.
Maior time da história do futebol paranaense: o Atlético, vice-campeão brasileiro em 2004. Na goleada sobre o São Caetano, por 5 a 2, na Arena da Baixada, inesquecível o segundo gol: a jogada começou com o Fernandinho na lateral-direita, no campo de defesa, e terminou com um chute de Dênis Marques, após toques de Jadson, (novamente) Fernandinho e Washington.
Melhor jogo de futebol que já assistiu:
Pela alternância, Paranavaí 3, Rio Branco 3, pelo Campeonato Paranaense de 2007. O Rio Branco abriu 2 a 0,o Paranavaí virou, o Rio Branco empatou e carimbou duas vezes a trave.
Pela alternância com doideira, o segundo tempo de Atlético 5, Tubarão 4, pela Copa Brasil de 2018. Nove gols em 40 minutos!
Pelo passeio, Coritiba 6, Palmeiras 0, na Copa do Brasil de 2011.
Pelo erro zero na marcação, Palmeiras 0, São Paulo 0, pela Libertadores de 1994.
Clube do coração: Aquele que goleou o Flamengo, em 2003, aqui em Curitiba.
Ídolo fora do esporte: A lista é grande.
Alguns do cinema: os diretores Júlio Bressane, Glauber Rocha e Alain Resnais e as atrizes Helena Ignez, Maria Lucia Dahl, Isabelle Huppert, Miou-Miou e Charlotte Gainsbourg;
Do Bressane digo que o filme quando é bom é… sublime! Quando é ruim…
Da música: Caetano Veloso, Chico Buarque, Kelly Key, Marina Lima e a compositora russa Galina Ultsvoskaya.
Esportes que já praticou: Só futebol perto de casa. Jogar não era o termo exato. Eu era um privilegiado que via a pelada dentro de campo,
Hobbies: Leitura, cinema, teatro e museu.
Locais preferidos em Curitiba: Cinemateca, Cineplex Novo Batel e Museu Oscar Niemeyer
Três melhores jornalistas esportivos brasileiros: Álvaro José (Grupo Bandeirantes), Paulo Vinicius Coelho (Fox Sports) e Lédio Carmona (Sportv).
Três melhores jornalistas esportivos paranaenses: Nadja Mauad (RPC), Napoleão de Almeida (UOL) e Lycio Vellozo Ribas (Bem Paraná).
Currículo: Sou curitibano, nascido em 1969. Estudei nos colégios Martinus, Prieto Martinez, Positivo e Dom Bosco. Não tenho formação universitária. Estava passando na frente e, como diz o Edu Brasil, aproveitei bem a porta aberta. Trabalhei nas rádios Clube Paranaense, Paraná, Banda B, Globo e CBN, onde estou desde 2011. Escrevi sobre futebol e (eventualmente) teatro no Jornal do Estado. Também sobre artes, comentei no extinto portal Curitiba Interativa. Fiz parte do FutebolPR, o primeiro site especializado em futebol paranaense, lançado em 2003, por Armindo Berri, Altair Santos, João Carlos de Santa e Roberto Karam. Fui comentarista de carnaval em projetos de webtv do jornalista Kândido de Oliveira e da ÓTV. Também atuei no departamento de pesquisa de uma agência de publicidade: a OpusMúltipla, uma das maiores de Curitiba.