A mania de comparar os diferentes

Redação Bem Paraná

corrida

Acabo de alcançar a proeza de “trincar” o dedo mínimo do pé direito.  Mães de filhos pequenos sabem que os esbarrões são rotina quando estamos querendo respeitar os horários e desviar dos brinquedos ao mesmo tempo. Claro que achei que não tinha sido grave, calcei um sapato e fui trabalhar. Mas, 24 horas depois, o fato de não poder mais vestir um sapato e a cor do dedo me levaram ao hospital de fraturas. E, por conta desta peripécia, tive a oportunidade de conviver com desconhecidos por alguns instantes. Enquanto eu aguardava para fazer o raio X chegou uma moça bonita, com uma senhora mais bonita ainda (sua mãe) e uma garotinha adorável (sua filha). Um casal de idosos – deviam ter por volta de 80 anos, não mais que isso – imediatamente puxou assunto com as 3 garotas. Estavam obviamente interessados na menininha, Isabela.

Ali começou a competição.

– Quantos anos ela tem?, indagou o  senhor.

– Dois!, respondeu a mãe orgulhosa.

O casal trocou um olhar de cumplicidade, eles estavam em sintonia de pensamento.

– Nosso bisneto tem 1 ano e 7 meses e não fala como ela, sentenciou a senhora.

– Mas ela também não fala muito bem, entregou a mãe. Sou pressionada a coloca-la na escolinha para que desenvolva melhor a fala, entristeceu-se.

Aí eu deixei de ser um rosto desconhecido na sala de espera. Não pude continuar assistindo aquilo. Comecei.

– Bom dia, meu nome é Paula e sou mãe de dois meninos. Por favor, não comparem as crianças. Cada ser humano é único, tudo vai acontecer no tempo certo. Seu bisneto vai começar a falar até os 2 anos, 2 anos e meio. Sua filha vai aprimorar a fala no tempo dela, talvez daqui dois meses, talvez daqui 6.

Eles só me olhavam.

– Criança precisa de amor, estar perto da mãe para uma criança até 3 anos é a gloria. Olha o privilégio que você está tendo de assistir o desabrochar de uma vida diante dos seus olhos. Nós não temos o direito de fazer disso uma competição!

A mãe enrubesceu.

– Os senhores, que já estão passando por este processo pela 3ª vez (pais, avós e bisavós), deveriam saber que o ciclo da vida se completa para cada um de uma maneira diferente. Uma criança não é melhor que a outra porque alcançou um patamar de desenvolvimento primeiro. Não é isso que decidirá seu destino. Muito pelo contrário, crianças pressionadas a entregarem uma competência para a qual ainda não estão prontas, apresentarão dificuldades emocionais futuras.

Fui chamada pelo médico e eles devem ter dado graças, pois eu já estava discursando.

Voltei para casa e o rostinho tímido da Isabela não me saiu da cabeça. Eu me sinto responsável pelo respeito que ela merece de desenvolver seu corpinho, sua autoconfiança, sua autoestima. Eu fico preocupada que os bisavós queiram exibir o bisneto como um troféu tagarela. E se ele for uma criança que precisa observar mais do que falar? E se este for seu jeito de ser? Não tenho como tocar a vida destas crianças, mas hoje elas cruzaram meu caminho por um instante.

Uma semente de Jatobá jamais conseguirá crescer e virar um Ipê, uma semente de Carvalho jamais se transformará numa Mangueira, uma semente de Babaçu, por mais que você se esmere, não será capaz de fazer surgir um Abacateiro. Sempre penso nisso quando vejo adultos querendo acabar com a diversidade humana e colocar todas as crianças, da mesma faixa etária, na mesma bandeja.

Espero que minhas palavras naquela sala de espera de raio X tenham sido digeridas por aquelas duas famílias. Espero que as crianças tenham o direito de viver sua infância protegidas num ninho de afetividade e segurança antes de serem submetidas a esta competição insana em que todos nós, uma hora ou outra, acabamos metidos.