Não consigo me conformar que ainda hoje as pessoas se incomodem com meninas que brincam com carrinho e meninos que querem brincar de boneca. O assunto tem surgido diversas vezes na minha timeline e me espanto com o que o leio. Em que ano vivem estas pessoas que fazem questão de dividir o mundo entre gêneros, cores, aparências, opiniões, alimentação?
Nem mesmo 1979, o assunto do brinquedo não era esse drama, apenas um desconforto, mas que foi rapidamente superado. Meu pai e minha mãe tinham chegado de uma viagem ao Paraguai cheios de presentes. Primeiro minha mãe tirou das sacolas uns 20 carrinhos Macthbox (parecidos com os Hotwheels de hoje), meus olhos brilhavam. Do alto dos meus cinco anos, tinha certeza que era para mim. Arranquei da mão dela e fui logo abrindo a embalagem de uma. Minha mãe não deixou. “Esses carros são do seu primo. O seu presente é maior, mais lindo”.
Ela e meu pai trouxeram aquela caixa imensa. Eu só pensava em um caminhão lindo grande, vermelho de preferência. Mas não, era um carrinho de chá de três andares com dezenas de peças coloridas. Era lindo, mas comecei a chorar. Não queria brincar com aquilo. Queria os carrinhos. Meu pai e minha mãe até tentaram fazer um discurso sobre meninos e meninas e seus brinquedos, mas não perderam tempo e logo deram os carrinhos.
Assim começou uma feliz história de amizade minha com os carrinhos e de compreensão com meus pais. No Natal seguinte, eu ganhei um Falcon e seu helicóptero amarelo. Claro que as avós, avôs, algumas tias torciam o nariz, mas isso nunca nos incomodou. Isso em 1979!
Mulheres não dirigem, não podem pilotar? Homens não cuidam da casa, cuidam dos filhos? Essa discussão é um absurdo. Fora que são crianças brincando. Sempre deixei minhas meninas brincarem de carrinhos, soldados. E o pequeno brinca sim de boneca, coloca sapato das irmãs.
Não há discussão mais retrógrada e preconceituosa que isso. ” “Esse tipo de brincadeira, muitas vezes, faz parte do desenvolvimento normal das crianças. Não caracteriza nada nem determina identidade nem orientação sexual”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Núcleo de Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do HC-USP, em reportagem do Uol sobre o assunto. E cá entre nós, se tivesse ligação com a orientação sexual também não deveria ser problema para os pais. Mas isso é assunto para outro post.