Inteligência é esforço, não é gênero nem herança

Redação Bem Paraná

Quando eu era criança (tinha 6 anos) o cometa Halley passou pela Terra. O Halley passa por aqui a cada 75, 76 anos. Na época o negócio todo foi um grande acontecimento. A gente fez trabalhos na escola sobre isso desde o ano anterior. Desenhou e pintou representações do cometa, leu sobre corpos celestes. Lembro de ter ficado empolgadíssima com tudo isso. No dia da passagem dele por aqui, no entanto, meu vô levou os netos para um ponto de observação na Serra do Mar com a Kombi dele. Eu não fui junto porque era menina e essa era uma aventura só para os homens (e garotos tão novos quanto eu).

Sempre que eu vejo aquele vídeo do Ney DeGrasse Tyson sobre a presença de mulheres e negros na ciência, lembro dessa história. E de como as meninas em geral têm o direito de participar de aventuras relacionadas a ciência, matemática, eletrônica, mecânica e outras coisas legais negado pela simples razão de serem do sexo feminino.

O que o Tyson fala no vídeo é justamente sobre como as pessoas que não são, pelo senso comum, identificadas com a ciência são sistematicamente desencorajadas. Porque, aparentemente, há quem seja “inteligente”, “bom com números”. Já os negros ficam com a fama de “bom em esportes” e as mulheres são “maternais”, “detalhistas”.

O problema desses rótulos é que eles estimulam a crença de que as pessoas nascem inteligentes, ou com talento para esportes, ou com facilidade para aprender idiomas. Como se isso fosse só herança genética, uma sorte na roleta biológica. Eu estudo educação há um bom tempo e nunca vi nenhum estudo sério que corroborasse essa tese.

O que a ciência já identificou é que pessoas diferentes processam o conhecimento de forma diferente. Há quem tenha mais facilidade de trabalhar com raciocínios concretos. Outras se sentem mais confortáveis com pensamentos abstratos. Mas isso não significa que um ou outro tenha mais condições de aprender matemática, por exemplo. Só que essas pessoas talvez percorram caminhos diferentes para desenvolver a mesma sofisticação intelectual.

Essa ideia de que se nasce “inteligente” tem efeitos devastadores nas crianças. Desde cedo elas vão aprendendo que algumas coisas não são pra elas. Então por que é que elas vão se esforçar para lidar com números?

O caso, no entanto, é que esforço é justamente o que faz alguém evoluir intelectualmente. É como no esporte. Uma pessoa pode até nascer com uma constituição física mais propícia para determinado esporte ( é alta, por exemplo e quer jogar basquete). Mas o caminho entre ter nascido alto e se tornar um grande jogador de basquete é feito de muito esforço, treino, aprimoramento.

No desenvolvimento intelectual a coisa acontece da mesma forma. A diferença entre a pessoa inteligente e as outras não é o dna, mas o esforço que a primeira empreende em aprimorar o próprio cérebro. Isso exige tempo, exige dedicação e principalmente uma grande tolerância à frustração. Pessoas inteligentes erram, sentem dificuldades para aprender algo, entender algo. Só que elas insistem, não desistem.

No meu dia a dia como professora universitária, no entanto, vejo cada vez mais alunos que simplesmente desistem. Que me dizem: isso (em geral a matemática) não é para mim então não vou nem tentar. Isso é uma tragédia. Quanto talento humano está sendo desperdiçado por causa dessa crença boboca na herança genética?

Mais triste ainda é quando a gente vê os pais colaborando com essa cultura. A criança vai mal em matemática e a explicação da família é: ah, aqui ninguém é bom com números mesmo. O complicado é que a cultura educativa da família é uma das forças mais importantes no desenvolvimento intelectual da criança. Não adianta dizer que ler é importante se a família, quando tem um tempo para curtir vai correndo para o shopping, liga a televisão, mas nunca abre um livro.

Mas como mudar isso? Temos que ser críticos com nós mesmos. Até que ponto nós estimulamos a ideia de que a criança nasceu para isso e não para aquilo? Quando um aluno meu pergunta se algo é difícil eu sempre respondo: não, não é difícil. É trabalhoso.

Voltando a história do cometa Halley: ter ido na expedição para ver a passagem dele por aqui teria sido excelente. Talvez tivesse despertado um interesse maior meu pela astronomia. Mas apesar disso, tenho que dizer que tive a sorte de crescer numa família que sempre cultivou a cultura da educação. Tive acesso a bons livros a vida toda. Minha mãe costumava me dizer que “não consigo não existe” sempre que eu queria desistir de algo. E é isso, mais do que qualquer herança genética, que me fez crescer me sentindo capaz de aprender qualquer coisa.

Na dúvida, lembre sempre do seguinte: o cérebro é uma máquina maravilhosa. Ele pode tudo. Quanta gente não compartilhou nos últimos dias aquela história de quem “podemos treinar nosso cérebro para ser feliz”? Então por que não acreditar que podemos ser inteligentes? Bora lá.