Pelo direito de se emputecer

Redação Bem Paraná

Outro dia eu, pela primeira vez na vida, mandei um cara se catar. Explico: estava na fila dos Correios. Esperei uns bons 15 minutos para ser atendida e já tinha gastado outros 10 na fila errada. Nada sério. Isso não tinha me irritado nem um pouco. Mas quando chegou a minha vez surgiu um homem com lá seus 40 anos (imagino) e pediu para a atendente ver se um documento dele estava lá. Toda metida a engraçadinha, a criatura virou para mim e disse:

– É rapidinho.

Respondi: o meu atendimento também pode ser rápido e estou na fila.

A moça dos Correios, que tinha ido buscar a tal documento voltou e o cara, não satisfeito, falou alto: atende essa daí que ela tá nervosa.

Respondi: eu não estou nervosa. Eu estou certa. Se reduza a sua insignificância e vá para o fim da fila.

Não olhei na cara do sujeito para ver se ele ficou nervoso. Mas vi que ele continuou do lado do balcão, me encarando enquanto a funcionária dos Correios ia pegar a minha encomenda. Assinei o recibo e fui embora.

Revendo a cena fiquei pensando que essa situação é recorrente. Volta e meia alguém joga em nós, mulheres, a pecha de sermos “nervosas”, “emotivas”, “irracionais”. Coincidentemente é bem quando a gente tenta reivindicar algo que é nosso por direito. É um cala a boca.

O caso é que eu não quero mais calar a minha boca. Fiz isso pelos últimos 35 anos. E nunca me poupou de ser chamada de “nervosa”. Só me fez mal, muito mal. Às vezes a coisa muda de formato. Te dizem para “não guardar rancor porque faz mal para mim”. Ou para levar a vida de forma “mais leve”. Ou para “não ser uma pessoa negativa”.

Quer saber? Se alguém faz algo de ruim para mim eu não vou levar a vida de forma “leve”. Se me fazem mal, não vou evitar o rancor. Não terei medo de ser negativa. Vou viver minha raiva e vou evitar de conviver com gente que é ruim. Simples assim.

Não se trata de sair por aí dando voadora em todo mundo (muito embora, às vezes, seja o caso). Mas de admitir que sim, a gente tem sangue na veia e se irrita, fica puto, fica triste e feliz. Às vezes tudo isso numa sequência ensandecida. E ninguém tem direito de desprezar esses sentimentos se eles são justos.

O mito da mulher nervosa é uma criação cultural. Ele supõe que só quem tem/teve útero vive sob a influência de hormônios e da irracionalidade. O Bolsonaro taí para provar que isso não é verdade, né não? Só que ele exerce a irracionalidade dele de terno e gravata, com o cabelinho arrumado e pondo na mulher e nos gays a culpa por tudo.

Talvez muita mulher fique mais irritada quando está menstruada (fique três dias sangrando e com cólica pra ver se você não ia se emputecer também). É igualzinho quando homens ficam irritados porque estão com sono, estão estressados, com fome ou o porque o timeco deles perdeu o jogo (sério, gente, quer coisa mais ridícula do que homem que fica de beicinho porque o time perdeu?). Mas se o cara está irritadinho e sai cantando pneu na rua e dando patada por aí, ninguém diz: ah, ele deve estar naqueles dias.

Acho que a pior consequência da teoria da mulher nervosa é que quem causou a irritação nunca tem que lidar com seus próprios erros. Tá, e daí que eu fiz isso, a fulana não tinha porque ficar tão nervosa. E pronto. Caso resolvido. Só que não, né? Se eu “tô nervosa”, o cara pode furar a fila e não se desculpar por isso.

Então vamos deixar claro: se você irritou alguém o problema não é a irritação da pessoa. É você. Não tente transferir para o outro uma culpa que é sua. Daí, meu filho, você só tem duas opções: ou você se desculpa e tenta reparar o erro. Ou deixa quieto e assume que é (insira aqui o palavrão apropriado). Mas não piore as coisas tentando jogar nas costas alheias o seu mau-caratismo.