Sobre a arte de ser invisível

Redação Bem Paraná

Outro dia percebi que todas as caixas acumuladas no sotão foram organizadas e limpas e estavam ordenadas por conteúdos. Muito diferente de quando as coloquei lá socadas naquele espaço pequeno e pouco iluminado para esconder a vista a bagunça com a qual eu não queria lidar.

Milagre? Duendes? Fadas? Não. Mais uma obra da pessoa que cuida da minha casa e do meu filho. Provável que ela tenha feito isso há semanas e eu só vi há alguns dias, quando precisei de algo que estava numa das caixas.

Claro que agradeço diariamente por ter alguém na minha vida que me ajuda e facilita a minha vida. E faz pequenas coisas que tornam meus dias mais leves. Retribuo sempre que posso.

Mas as caixas arrumadinhas me fizeram pensar em mais. Em como muitas das coisas que são feitas para nós nos passam despercebidas. Como naquele corolário que diz que é mais fácil um cliente insatisfeito repassar o desagrado dele para dez pessoas do que alguém que foi bem atendido fazer propaganda da sua empresa para um conhecido.

De fato, estamos acostumados em anotar aquilo que nos irrita, nos incomoda, que nos decepciona. E no caminho deixamos de ver as caixas arrumadas que nos permitem uma passagem sem obstáculos.

Porque há muita gente que faz muito por nós. E que nos são invisíveis. O rapaz da feira que guarda a manga docinha porque sabe que teu bebê gosta. O vizinho que mantém a grama do condomínio aparada. O professor que arranja um tempinho na semana corrida para te ajudar com um desafio particularmente difícil. A pessoa que, apesar de ocupada, te ajuda de graça com aquele problema que precisa ser resolvido rapidamente.

Não dá para tirar selfie e declarar amor a esses pequenos gestos de generosidade. Não vale um meme. Não viraliza na internet. Mas muito do que somos e temos, é preciso reconhecer, é resultado dessas ações. Da bondade de estranhos. Do carinho de quem nem percebemos que existe.

Pensei em tudo isso porque sou grata por toda generosidade que recebi. E também porque sinto que muita vezes queremos desistir da nossa própria capacidade de sermos generosos porque ela também é invisível. Investimos naquilo que é, de fato importante, como estar disponível quando precisam de nós. E na maioria das vezes isso nunca merece nem um muito obrigado.

Saber se concentrar naquilo que é, de fato, importante é se acostumar a ser invisível. No entanto, cabe a nós fazer o esforço para perceber os detalhes. Porque quem é generoso, mas não recebe agradecimentos, continua em frente alimentado pela própria alegria de ter feito a coisa certa. Mas quem não enxerga aquilo que a faz pisar em solo firme corre o risco de, muito em breve, não poder contar com a solidez do caminho.

Quando somos mães queremos que nossos filhos sejam melhores do que nós. Mas a grande verdade da vida em família é que nossas crianças serão como nós. Então cabe a nós ensiná-las a ignorar o ruído da insignificância que nos cerca o tempo todo. E prestar atenção no que vale a pena. É só quando a gente for capaz de ser grato pelos pequenos gestos que nossos filhos, como nós, farão o mesmo.