O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) seção Paraná, Luiz Fernando Pereira, está se mobilizando contra a aprovação no Senado de uma PEC (Proposta de Emenda constitucional) que muda as regras para o pagamento de precatórios judiciais. Segundo Pereira, caso seja aprovada, a PEC 66/2023 irá institucionalizar um “calote perpétuo” de precatórios. Ele já procurou os três senadores do Paraná – Flavio Arns (PSB), Oriovisto Guimarães (PSDB) e Sergio Moro (União) – para que trabalhem contra a aprovação da proposta. Se aprovada a PEC, o governo do Paraná, por exemplo, segundo a OAB, poderia reduzir seu pagamento de precatórios dos atuais R$1,5 bilhão para R$940 milhões, 40% menos.
Em nota, o governo do estado confirmou o número divulgado pela OAB e não emitiu opinião sobre as possíveis mudanças que virão com a aprovação da PEC. Na íntegra, a nota do governo diz o seguinte: “O Governo do Estado, por meio da Secretaria da Fazenda, tem o compromisso de quitar todos os precatórios até 2029, de acordo com a legislação atual. Desde 2019, foram pagos mais de R$ 8,5 bilhões, principalmente para fazer frente ao estoque de dívidas pendentes desde 2000, há mais de 20 anos. A média é de cerca de R$ 1,5 bilhão por ano. O valor do estoque de dívidas do Estado ainda é de cerca de R$ 7,52 bilhões. O Estado exerce de maneira regular o plano de pagamento dos precatórios, um trabalho que é realizado também pela PGE em conjunto com o TJPR, inclusive com regras mais simples para desconto na conciliação de precatórios. Os precatórios são ordenados cronologicamente pela data da chegada do ofício requisitório nos tribunais, e sua soma constitui passivo financeiro. Os valores são transferidos ao Tribunal de Justiça, que efetiva os pagamentos.”
Precatórios judiciais são documentos expedidos pelo Judiciário que garantem o pagamento de dívidas de entidades públicas, como os governos da União, dos estados, e dos municípios e suas autarquias, após uma decisão judicial definitiva em que não cabe mais recurso. Pelas normas atuais, os estados e municípios devem quitar as dívidas e zerar a fila dos precatórios até 2029. No Paraná, segundo a OAB, o estado deve R$ 7,52 bilhões e paga cerca de R$ 1,5 bi por ano. Com a nova proposta, a obrigação de pagar passa a ser R$ 940 milhões por ano, 40% a menos do pagamento mínimo atual.
Segundo a OAB Paraná, na sua versão original do Senado, a PEC tratava de parcelamento de dívidas previdenciárias e precatórios dos municípios. A Câmara incluiu os estados e, sobretudo, contemplou a União para resolver o tema da meta de resultado primário, “cavando espaço no orçamento”. “O foco está no tema da União, mas o tema gravíssimo está no calote perpétuo dos precatórios”, diz a entidade em documento em que elenca os principais problemas da proposta.
A entidade acredita que o Supremo reconhecerá a inconstitucionalidade da PEC 66/2023. “Em 2010, na ADI 2356, o STF suspendeu em cautelar a EC nº 30 que apenas parcelava o pagamento dos precatórios. Na ADI 4425, julgada em 2013, agora tratando da EC nº 62, o STF decidiu que “não se pode limitar o pagamento de precatórios a um percentual da receita”. Em 2023, outra vez o STF derrubou parte das Emenda 113 e 114, que estabeleciam limites de gastos com precatórios. Nesse último julgamento, o Supremo também afastou a possibilidade de regras constitucionais que deixam o pagamento sem prazo definido. É exatamente o que faz a PEC 66: estabelece limite de gastos e deixa o pagamento sem nenhum horizonte de prazo. Juristas que analisaram a PEC 66/2023 já apontaram o conflito claríssimo com as decisões anteriores do Supremo. E ainda registram que a PEC 66 é mais ousada desde a CF de 1988 na prática do “calote” (expressão do próprio STF nos julgamentos anteriores)”, segundo o documento elaborado pela OAB Paraná sobre o assunto.
Em outro apontamento, diz que “A PEC estipula um limite percentual máximo da receita corrente líquida para pagamento de precatórios, a depender da dimensão do estoque das dívidas. Desconsidera por completo, no entanto, a entrada de precatórios novos. Para a PEC, o valor deve dar conta do estoque como se não fosse entrar mais nenhum precatório daqui para frente. O erro de cálculo (consciente ou inconsciente) é grosseiro.”
Além disso, de acordo com a OAB, “a PEC cria uma revisão do percentual comprometido com o pagamento de precatório de dez em dez anos (a versão do Senado indicava cinco anos). A OAB Paraná colocou no site uma fórmula simples para calcular a dimensão do calote e do aumento das dívidas dos entes públicos nesse prazo da PEC. A dívida do Município de São Paulo, por exemplo, vai ser multiplicada por três vezes nos próximos dez anos. Algo parecido se dá em relação ao Estado de São Paulo. O calote será perpétuo para vários entes públicos. A dívida vai se tornar impagável para centenas de milhares de pessoas físicas e jurídicas que, muitas vezes, já estão na fila há décadas (grande parte morre na fila; empresas quebram)”.
No entendimento da Ordem, a PEC não é necessária nem para ajudar os estados e municípios em dificuldade. “Não para o tema dos precatórios. Levantamento dos Tribunais de Justiça mostram que entre os 21 Estados que estão no regime especial (pagamento de precatórios em atraso), apenas três não conseguiriam terminar de quitar o estoque em 2029 (prazo da última EC de 2021, nos termos da decisão o STF). E apenas seis por cento dos municípios que estão no regime especial (são pouco mais de mil) não teriam como quitar tudo em 2029. Assim, para agraciar três Estados e 68 Municípios (entre 5,5 mil), institui-se um calote em benefício de todos os entes públicos que estavam em atraso. Depois de décadas de sistemático calote, o Brasil estava prestes a resolver o problema em 2029. A PEC perpetua o calote e cria um problema intergeracional, como apontam os mesmos Juristas.”
A OAB ainda critica o critério de correção que a proposta prevê. “A PEC ainda muda o critério de correção e remuneração do credor. Troca-se a SELIC por IPCA + 2% ao ano. Trata-se, é claro, de um convite ao calote. A PEC, no § 28 do art. 100, indica que os Estados e Município poderão pagar acima do limite, mas qual é o administrador que vai preferir pagar mais do que o mínimo e deixar de aplicar o dinheiro em tempos de SELIC a 15% ao ano? Não faz o menor sentido. Além disso, ainda no mesmo parecer dos Juristas, há um apontamento claro sobre a inconstitucionalidade dessa alteração de índice, especialmente depois da edição ad EC 62/2009, nos termos de precedente do STF (RE 453.740, Gilmar Mendes)”, diz.
Finalmente, o documento da OAB lembra que “a PEC foi desfigurada na Câmara dos Deputados. E a atenção está voltada para a parte que trata dos precatórios da União e o impacto no resultado primário. O problema, no entanto, está nesse calote estrutural – e claramente inconstitucional – contra os credores de estados e municípios. Inconstitucional e desnecessário, como demonstrado.”