Manifestantes lotam a praça da Cinelândia em defesa da democracia após atos golpistas em Brasília. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Na tarde desta quinta-feira (19), publiquei pequeno texto na rede social Facebook, em que defendia o cumprimento da lei no tratamento judicial dos presos acusados de participação nos ataques golpistas do último dia 8, que resultaram na depredação do Palácio do Planalto, e das sedes do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal em Brasília (DF). Para a minha surpresa, o Facebook, por duas vezes, apagou e me advertiu pelo texto, ameaçando bloquear minha conta.

Reproduzo abaixo o trecho censurado pela rede social:

“Eu não engulo essa de que ‘ai, os coitadinhos nem sabiam o que estavam fazendo’. Primeiro porque, segundo o direito brasileiro, o desconhecimento da lei não pode ser usado como justificativa para o cometimento de crimes. O fato de eu dizer que não sei que é proibido beber e dirigir, não me isenta das penas caso flagrado fazendo isso. Segundo, porque tava tudo lá na cara os cartazes de ‘intervenção militar’, ‘SOS Forças Armadas’, etc. Que paguem de acordo com a lei que desprezaram porque acharam que eram inimputáveis”.

Como se pode constatar, o texto nada mais é do que um comentário informal, posto que publicado em conta pessoal, sobre as alegações surgidas na imprensa nos últimos dias, de que os presos pelos episódios de vandalismo em Brasília não teriam consciência da gravidade dos atos cometidos por eles, já que teriam agido por um suposto “sentimento coletivo”. Segundo essa versão, essa condição implicaria em atenuantes para os crimes cometidos.

Ao apagar o texto e me advertir, o Facebook alegou o seguinte:

“Ninguém mais pode ver sua publicação. Temos esses padrões porque queremos que todos se sintam seguros, respeitados e bem-vindos. Se seu conteúdo for contra nossos Padrões da Comunidade novamente, sua conta poderá ser restringida ou desabilitada. Você pode discordar da decisão se achar que houve um equívoco”.

A rede social também explicou (ou tentou explicar), os supostos motivos pelos quais o texto foi censurado.

“Não permitimos conteúdos que possam levar a um risco real de dano físico ou ameaça direta à segurança pública.
Isso inclui coisas como:
• Linguagem que leva à violência grave
• Ameaças que podem levar à morte, à violência ou a ferimentos graves
• Instruções sobre como fazer armas, se o objetivo for ferir gravemente ou matar pessoas”.

Destaque-se que mesmo alegando que eu poderia “discordar da decisão se achar que houve um equívoco”, o Facebook não oferece nenhuma ferramenta para contestar a censura.

No final, após o “pito” no autor, a rede social deixa uma ameaça. “Se algo que você publicar não seguir os nossos padrões no futuro, a sua capacidade de publicar ou comentar poderá ser restrita ou a sua conta poderá ser desativada. Temos Padrões da Comunidade para incentivar as pessoas a se expressar e estabelecer conexões umas com as outras de maneira que seja respeitosa para todos”.

Independente do leitor concordar ou não com a opinião expressada, é inequívoco que o texto em questão não viola as supostas proibições alegadas pelo Facebook. Não há nada nele que se assemelhe a “linguagem que leva à violência grave”, “ameaças que podem levar à morte, à violência ou a ferimentos graves”, e “instruções sobre como fazer armas, se o objetivo for ferir gravemente ou matar pessoas”. Muito pelo contrário. Correndo o risco de parecer repetitivo, o texto defende simplesmente o cumprimento da lei, respeitado, obviamente, o devido processo legal e o amplo direito à defesa.

A censura praticada pelo Facebook contra essa publicação despretensiosa constrata com o tratamento leniente dado pela rede social aos golpistas, que exibiram orgulhosamente para todo mundo ao vivo nessas mesmas plataformas, a violência e a destruição que eles praticaram contra o patrimônio público, histórico e artístico que não é de um governo ou de um grupo político, mas de todos os brasileiros. A julgar pela reação da rede social é mais grave defender o cumprimento da lei do que vandalizar os maiores símbolos do Estado Democrático de Direito de uma nação. Isso explica muito do papel que as redes sociais desempenharam nos últimos anos, na disseminação do programa de uma extrema-direita mundial que se baseia no culto à violência, às armas, ao desprezo às instituições, ao conhecimento, à ciência e à razão guiado por uma pulsão de morte que envenena toda a sociedade.