Em 2009, Thamiris Marques ingressou na Universidade de Brasília (UnB) pelo sistema de cotas. Aos 18 anos, ela foi a primeira da família a frequentar uma universidade pública. Pioneira entre as universidades federais, a UnB já contava com ações afirmativas antes mesmo da Lei de Cotas, que completa dez anos em 2022. A própria norma prevê sua revisão neste ano, o que reacendeu o debate sobre o tema e promete mobilizar o Congresso. O ponto que gera maior controvérsia é o teor racial da reserva de parte das vagas, ou seja, a garantia de cadeiras para alunos negros e indígenas.

A Lei de Cotas ( Lei 12.711, de 2012) prevê que 50% das vagas em universidades e institutos federais sejam direcionadas para pessoas que estudaram em escolas públicas. Desse total, metade é destinada à população com renda familiar de até 1,5 salário mínimo per capita. A distribuição das vagas da cota racial e deficiência é feita de acordo com a proporção de indígenas, negros, pardos e pessoas com deficiência da unidade da Federação onde está situada a universidade ou instituto federal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Thamiris, que sempre estudou em escola pública, já tinha tentado vestibular antes, sem sucesso. Decidiu, então, concorrer a uma vaga pelas cotas no curso de serviço social, conquistada com um recurso após ser reprovada em entrevista para confirmar sua afrodescendência. Ela conta que não tinha a mesma consciência racial de hoje, o que pode ter pesado em suas respostas e em sua inicial desclassificação. Mas Thamiris não desistiu e, após escrever um texto sobre suas origens e vivências, garantiu a vaga. 

De acordo com a hoje assistente social, entrar e concluir a formação superior foi uma vitória de toda a sua família e representou o rompimento de um histórico de acesso limitado à educação. Ela, que se formou em 2014, afirma que serviu de exemplo para outros familiares e pessoas do seu convívio. Para Thamiris, a política de cotas ampliou a diversidade nas universidades públicas e se consolidou como um instrumento de reparação.

“Ao abrir as portas e mostrar possibilidades de um futuro diferente, a Lei de Cotas mudou não apenas a minha vida, mas a de uma família inteira. As cotas me deram a oportunidade de ter acesso a esse conhecimento, a essa educação e a outro mundo. Pude romper com um ciclo que vinha desde a minha avó, que não teve acesso a educação, e minha mãe, que nem chegou a concluir o ensino médio. Hoje, sou uma pessoa formada e isso, na minha família, serviu de exemplo para mostrar para outras pessoas que é possível. Defendo a continuidade da política de cotas como forma de reparação histórica para a população negra”, disse Thamiris.

Assim como Thamiris Marques, milhares de jovens que antes não viam a possibilidade de cursar o ensino superior passaram, com as cotas, a reivindicar e ocupar espaços nas universidades e institutos federais. De acordo com a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do IBGE, o número de matrículas de estudantes pretos e pardos nas universidades e faculdades públicas no Brasil ultrapassou pela primeira vez o de brancos em 2018, totalizando 50,3% dos estudantes do ensino superior da rede pública. Apesar de maioria, esse grupo permanecia sub-representado já que correspondia a 55,8% da população brasileira.

Já o Censo da Educação Superior 2019, feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), apontava que brancos ainda eram maioria somando universidades públicas e privadas: 42,6%. Pardos somavam 31,1%; pretos, 7,1%; amarelos, 1,7%; e indígenas, 0,7%. A raça/cor de 16% era desconhecida.