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O empresário e ex-deputado estadual Antônio Celso Garcia, mais conhecido como Tony Garcia, concedeu uma longa entrevista na noite desta sexta-feira (2 de junho) ao jornalista Joaquim de Carvalho, da TV 247, na qual deu mais detalhes sobre as acusações que havia apresentado à Justiça contra o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro e membros do Ministério Público Federal (MPF) ligados à Operação Lava Jato. Em suma, Garcia afirma ter se tornado um “agente infiltrado” de Moro em 2004, após assinar acordo de delação premiada, e que teria cometido uma série de ilegalidades a mando do então magistrado, acusando-o ainda de chantagear autoridades – entre eles desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) – para conseguir impor suas decisões e ganhar notoriedade.

Pivô da prisão do ex-governador do Paraná Beto Richa em 2018, Tony Garcia voltou aos holofotes após a Veja revelar ontem, na coluna Radar, que ele teria prestado um depoimento sigiloso em 2021 à juíza Gabriela Hardt, apresentando denúncias contra Moro e procuradores da força-tarefa de Curitiba. Inicialmente, divulgou-se que ele teria afirmado à magistrada que gravou ilegalmente o ex-governador e outras autoridades a pedido de Moro e outros procuradores da República. Ao 247, no entanto, Garcia foi além: falou sobre a possível prática de extorsão contra desembargadores que haveriam participado de uma “festa da cueca” com a presença de prostitutas na suíte presidencial de um dos mais tradicionais hotéis curitibanos e ainda apontou ter sido orientado em mais de uma ocasião sobre o que deveria ou não dizer em depoimentos oficiais e entrevistas à imprensa para atender os interesses de Moro e seus asseclas, chegando a cometer o crime de falso testemunho.

“Ele [Sergio Moro] fazia de Curitiba a Guantánamo brasileira, utilizava os mesmos métodos de tortura psicológica para tirar de você, o preso, o que ele queria”, disse o entrevistado em seu longo depoimento.

Como tudo começou…

As histórias de Sergio Moro e Tony Garcia, sempre de acordo com o relato feito pelo segundo à TV 247, começam a se cruzar a partir de 2002. Na época deputado estadual, Garcia queria ser candidato ao Senado pelo PPB (hoje PP, Progressistas) no Paraná, mas para isso precisava de um habeas corpus que trancasse um processo no qual era acusado de crime contra o sistema financeiro por envolvimento numa fraude do consórcio Garibaldi, liquidado pelo Banco Central em 1994. Para isso, contratou o advogado Roberto Beltholdo (que acabou sendo seu suplente no pleito) e foi bem sucedido numa ação no Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Acontece que essa aproximação entre Bertholdo e Garcia teria chamado a atenção de Moro, que alguns anos depois resolveu ‘reavivar’ um processo antigo contra o empresário para prendê-lo preventivamente. Garcia acabaria se tornando a segunda pessoa (depois do doleiro Alberto Youssef, de Londrina) a fechar um acordo de delação premiada (instrumento utilizado à exaustão pela Lava Jato) com o MPF, em 2004.

“Naquela época o Moro mandou me prender por obstrução à Justiça. No mesmo dia que fui preso, ele disse que se eu quisesse falar com a Justiça eles tinham intenção de me ouvir, aceitariam a minha colaboração”, recorda o empresário, citando que os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima e Januário Paludo acompanharam toda a cena. “Meus advogados não estavam lá. Eu perguntei porque e ele falou ‘cada coisa na sua hora'”.

Com a inquirição que se seguiu, Garcia descobre quem seria, na realidade, o alvo de Moro. “Eu teria de falar da minha relação com o Bertholdo”.

Bertholdo era um advogado que, segundo o ex-deputado, tinha muita influência naquela época no TRF-4 e com isso conseguia reformar muitas das sentenças proferidas por Moro em primeira instância, o que teria feito o juiz desconfiar que havia um esquema de compra de sentenças no tribunal. Moro acreditaria, inclusive, que Garcia era uma espécie de braço político de Bertholdo nos tribunais superiores – ele, no entanto, afirma que era apenas um cliente do advogado.

Na época, rolavam rumores que Bertholdo havia sido grampeado por seu ex-sócio, Sérgio Costa Filho – que mais tarde, em 2005, também se tornaria delator da força-tarefa que atuou no escândalo do Banestado. Esse material, que traria informações sobre as suspeitas que Moro tinha, teria sido recuperado e escondido por Bertholdo em um lugar desconhecido, mas Moro queria descobrir onde estava tal conteúdo.

Delação ‘direcionada’ e delator virando agente infiltrado

Sobre quando aceitou fazer a delação premiada (para isso desconstituindo de sua defesa Bertholdo, já que ele seria o alvo dos agentes), Tony Garcia diz que o juiz começou a lhe inquirir e a gravar seu depoimento. “Ele fazia a pergunta, eu respondia. E eu respondia o que era verdade, porque eu tinha de falar a verdade e tal. Quando falava algo que não interessava para ele a maneira como eu dizia, ele desligava o gravador. E chamava a atenção dos advogados que eu não tinha que falar aquilo, eu tinha que falar que era propina, tinha que falar que era isso ou aquilo. Ele botava na minha boca o que eu tinha de falar, entendeu?”, contou o ex-deputado. “O que interessava pra Justiça é falar o que ele queria. Eu falava [pros advogados] ‘então me dá um texto para eu falar o que ele quer que eu fale que eu falo, eu quero sair daqui'”, complementa.

Além de acusar ter feito uma delação premiada ‘sob medida’, Garcia também afirma ter sido obrigado a se tornar uma espécie de agente infiltrado a mando de Sergio Moro, passando a gravar tudo que acontecia em sua própria vida (o que inclui todo e qualquer diálogo que mantivesse com autoridades, inclusive aquelas com foro privilegiado) e tendo a missão de cooptar novos delatores para Moro e o MPF, como Rolf Koerner Junior (ex-secretário de Segurança Pública do Paraná) e, na sequência, o próprio Sérgio Costa Filho.

“O Rolf não só fez acordo, como eles ainda marcaram uma audiência para ouvir o Sérgio [Costa Filho], que disse que tinha sido torturado pelo Bertholdo e estava morando no Canadá por medo. Eles marcaram uma audiência no Chile e me deram o Diário Oficial para eu levar pro Bertholdo… Veja bem, olha a escalada que eles deram em cima disso. Eles queriam que eu trouxesse o Bertholdo para o acordo, mostrando para ele que estavam ouvindo a versão do Sérgio. Vejam, eu era um réu e eles me deram a prerrogativa de trazer pro acordo o Bertholdo e oferecer imunidade.”

Em troca da imunidade para Bertholdo, Moro queria as gravações que o advogado teria e que poderiam implicar autoridades de instâncias superiores na hierarquia do Poder Judiciário.

Gravações secretas são descobertas e desembargadores aparecem em ‘festa da cueca’ com prostitutas

A cruzada de Sergio Moro atrás das gravações escodidas por Bertholdo teria chegado ao fim graças à Tony Garcia. “Eu ajudei o Sergio Moro porque o Bertholdo tinha me falado uma vez de um flat que ele ficava em São Paulo, de um amigo dele, que ele guardava lá um Jaguar que ele tinha, coisa assim. Eu dei esse endereço como um lugar onde o Bertholdo poderia guardar algumas coisas. O Sergio Moro, com o MPF e a Polícia Federal, fizeram uma ação e apreenderam esse material em São Paulo. Aí ele me chamou lá e falou ‘na mosca, parabéns.'”

Em outra ocasião, Garcia diz ainda ter questionado Moro sobre onde estariam essas gravações e que o juiz o cortou, afirmando que aquilo não teria nada a ver com o delator. Acontece que esse material que havia sido apreendido pelo magistrado e pelo MPF nunca mais teria aparecido em lugar algum.

“Isso [gravações] nunca apareceu no processo, ele nunca apensou em lugar nenhum. Veja, eu acho que neste momento tem o STF, tem o CNJ, eles tinham de procurar aonde que ficou juntado no processo o que ele apreendeu, porque aquele material nunca mais apareceu e nunca mais reformaram uma sentença dele [Moro] no TRF-4, porque tinha vários desembargadores lá que estavam comprometidos. Ele não apresentou isso, esses materiais nunca foram apensados no processo. Ele deve ter usado aquilo de arma para chantagear”, acusa o ex-deputado.

Ainda segundo Garcia, entre as gravações feitas por Sérgio Costa Filho estariam imagens de uma suposta “Festa da Cueca”, feita na suíte presidencial do Hotel Bourbon, um dos mais tradicionais de Curitiba, no final de 2003. O evento teria contado com a participação de aproximadamente 30 pessoas, entre desembargadores, prostitutas e convidados.

“O Bertholdo fretou dois jatinhos para trazer não sei quantos desembargadores do TRF-4, levar eles num jogo da Seleção no Pinheirão e depois teve a ‘festa da cueca’, que o Bertholdo foi comigo, com a mulher dele na época e com o Sérgio, sócio dele. Lá tinha um monte de desembargador com um monte de mulheres que uma cafetã mandou. Eu presenciei essa festa e o sócio do Bertholdo gravou essa festa”, relata ele. “O Sérgio tinha um prendedor de gravata com câmera escondida e ele gravou os desembargadoes que, segundo o Sergio Moro, iam lá receber dinheiro. O Moro pegou essas imagens, eu que ajudei ele a pegar”, reforça o empresário, afirmando ainda que depois que Moro pegou esse material teve até um desembargador que, com medo de a gravação vir à tona, resolveu contar para a esposa sobre a ‘festa da cueca’ e a mulher acabou se separando dele.

“O Moro, a partir daí, tinha os desembargadores na mão. Aonde que estão essas gravações? Elas tinham que estar no processo, eu ajudei a buscar. Cadê essas gravações? Por que não apareceram? Ou ele usou isso para fazer chantagem? E aí eu é que sou o criminoso? Eu quero fazer acareação com ele. É gravíssimo o que está acontecendo aqui em Curitiba. E ainda eles afastam um juiz [Eduardo Appio] que estava tentando tirar os esqueletos do armário e botam a substituta, que é pau mandada do Moro, do Deltan, dessa turma toda aí”, aponta ainda o ex-deputado, reclamando da juíza Gabriela Hardt – que tomou seu depoimento em 2021 e não teria dado prosseguimento às denúncias que ele apresentou.

Filho de ministro do STJ que condenou Lula teria sido ‘poupado’ por Moro

Além das gravações envolvendo desembargadores do TRF-4, Sergio Moro teria conseguido, através dos materiais colhidos por Tony Garcia, uma gravação em que o nome de Octávio Fischer, hoje desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e filho de Felix Fischer (ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça), apareceria como um operador no STJ. Na época Octávio era advogado – tendo virado desembargador através do chamado quinto constitucional em 2013, por indicação de Beto Richa – e foi acusado de ter recebido parte de um montante de R$ 600 mil pagos por Tony Garcia, na época deputado estadual e candidato ao Senado, para ajudar a trancar a ação contra si no STJ.

“Moro e o MPF sabiam que eu ia ter uma reunião com o Bertholdo. E bem nesse dia apareceu o [Michel] Saliba [outro advogado] junto, de surpresa. Num determinado momento o Bertholdo, junto com o Saliba, diz: ‘agora vamos contar para você aqueles R$ 600 [mil] que você pagou para nós, para quem foi’. Eu falei ‘então me conta’. Porque era isso que eu precisava, porque eles [Moro e MPF] achavam que eu era cúmplice de uma compra de sentença no STJ. O Bertholdo vira e fala desse jeito: ‘olha aqui: R$ 200 mil foi pro ministro [Vicente] Leal, R$ 200 mil foi para o escritório do filho do Felix Fischer e os outros R$ 200 mil, ninguém é de ferro, ficou para nós’. Eu falei ‘porra, você me falou que custaria R$ 1,2 milhão isso daí e que você pagaria R$ 600 [mil] e eu R$ 600 [mil] para você ser meu primeiro suplente e você ainda me tomou dinheiro?’ [Bertholdo responde] ‘é, a gente precisava fazer distribuição de lucro e tal’, brincou comigo ainda. Isso está nos autos.”

Ainda segundo Garcia, Octávio Fischer na época era advogado e poderia ter sido processado pelo MPF. Entretanto, nunca foi apresentada qualquer acusação contra o filho de Felix Fischer, enquanto o pai mais tarde, na condição de ministro do STJ, condenaria Luiz Inácio Lula da Silva.

Entrevista com cartas marcadas e acusações falsas

Tony Garcia ainda acusou que em 2006 deu uma entrevista para a Revista Veja incriminando o Bertholdo e o Partido dos Trabalhadores (PT) no caso do Mensalão. Nessa entrevista, Garcia dizia que José Dirceu era quem pagava o Mensalão do PMDB – uma entrevista que mais tarde foi até mesmo utilizada como prova para condenar criminalmente o petista. Segundo o empresário, no entanto, o que foi dito à imprensa na ocasião havia sido combinado previamente com o entrevistador, enquanto a entrevista teria sido arranjada por Sergio Moro e Carlos Fernando dos Santos Lima.

“Eu fui entrevistado no meu escritório e eles me brifaram sobre o que eu tinha de falar. Eu fui briefado pelo Moro e o Carlos Fernando para pegar o PT”, disse Garcia, afirmando ter se encontrado com o jornalista da Veja um dia antes da entrevista, quando teria sido informado sobre tudo o que deveria responder no dia seguinte. “Isso tudo foi forjado. É um golpe feito nas estruturas do poder para chegar a quem eles queriam.”

‘Eles visavam o lucro pessoal’

Por fim, Tony Garcia ainda foi questionado se Sergio Moro teria recebido algum dinheiro “por fora” por conta das descobertas que teria feito com a ajuda dele próprio e de outros delatores. O empresário, então, afirma não ter como responder a essa pergunta, mas não se furta de comentar: “Eles visavam o lucro pessoal. Eles só iam em cima de pessoas que eles podiam ter alguma coisa para ficar na mídia. Ficaram famosos pelo que fizeram”, afirma o ex-deputado, dizendo ainda que cada passo e cada processo tocado por Moro e seus asseclas no MPF eram passos muito bem pensados.

“Nada aqui foi feito por acaso. Nada. Tudo foi de caso pensado. Eles criminalizaram a política, a advocacia, criminalizaram tudo, e depois eles foram buscar refúgio justamente no que eles criminalizaram.”