Vereadores de Curitiba anunciaram hoje que vão pedir a abertura de processo de cassação do mandato de Renato Freitas (PT), que participou no sábado de ato na Igreja do Rosário, no Largo da Ordem, em Curitiba. A manifestação foi organizada para protestar contra o assassinato do congolês Moise Kabagambe, que foi espancado até a morte no último dia 24, no Rio de Janeiro. Atos semelhantes ocorreram em outras onze capitais do País.
Em Curitiba, o ato começou em torno das 17 horas e, de acordo com os manifestantes, um pouco depois do início, o padre da Igreja teria começado a empurrar os manifestantes que estavam na escadaria da igreja.
Neste momento, as pessoas presentes começaram a gritar ‘racista’ para o padre, que fez sinal de positivo com as mãos. Os manifestantes ocuparam a igreja em forma de protesto. Conforme declarações de presentes, o vereador Freitas, teria coordenado a ocupação.
Em nota, Freitas afirmou que “o local do ato foi escolhido pela relação histórica do local com a população negra curitibana”, porque a igreja “foi construída por e para pessoas escravizadas, uma vez que negros e negras não poderiam entrar em outras igrejas de nossa cidade”.
“Entramos juntos na Igreja que estava vazia, de forma pacífica, relembrando que nenhum preceito religioso supera o amor e a valorização da vida. Pacificamente, assim como entramos na igreja, saímos e seguimos com a manifestação, reivindicando políticas públicas para imigrantes e de combate ao racismo na cidade”, alegou o parlamentar.
A Arquidiocese de Curitiba divulgou nota de repúdio contra a manifestação, afirmando que “infelizmente, o que houve no último sábado foram agressividades e ofensas. É fácil ver quem as estimulou”. De acordo com a entidade, “A posição da Arquidiocese de Curitiba é de repúdio ante a profanação injuriosa”.
Repercussão – O episódio monopolizou os debates na sessão de hoje da Câmara Municipal de Curitiba. Vários parlamentares, entre eles o líder do prefeito na Casa, Pier Petruzziello (PTB) e Éder Borges (PSL). Eles acusam Freitas de infringir artigo do Código Penal que prevê o crime de “perturbar” cerimônia religiosa.
“Repudiamos qualquer ato de violência e atos discriminatórios, em quaisquer de suas formas, entendendo legítimas as manifestações pacíficas que visem a proteção dos direitos de todos os cidadãos. Da mesma forma, esta Casa não compactua com quaisquer violações às liberdades religiosas e locais de culto, na medida em que se trata de um preceito fundamental para se configurar um estado democrático”, declarou o presidente do Legislativo. Kuzma concluiu dizendo que a CMC “não se furtará em apurar quaisquer fatos postos à apreciação, com a devida isenção e orientada pelos limites impostos pela Constituição”.
A maior parte dos vereadores que se manifestou em plenário criticou Renato Freitas por verem no ato uma ameaça à liberdade de culto. Membros da bancada evangélica lembraram que o parlamentar já foi denunciado ao Conselho de Ética da Câmara, após chamar pastores de “trambiqueiros”, e que o caso foi arquivado. Em geral, os parlamentares separaram a realização do protesto pelos assassinatos do congolês Moïse Kabagambe e de Durval Teófilo Filho, no Rio de Janeiro, que consideram legítimos, da invasão à Igreja do Rosário.
“Foi escolhida (para a manifestação) a Igreja dos Pretos, construída pelos pretos e para os pretos, justamente porque na igreja central, na Matriz, os negros eram proibidos de entrar. Uma Igreja dos Pretos que, embora tenha esse nome, é cuidada pelos brancos. Lá estivemos às 18h e não atrapalhamos nenhuma missa. As filmagens mostram que a igreja estava absolutamente vazia. Entramos e dissemos que nenhum preceito religioso supera o amor e a valorização da vida. Lá dentro, afirmamos isso, e saímos ordeira e pacificamente, e eu desafio a qualquer um provar o contrário”, defendeu-se, em plenário Renato Freitas.
“Respeitei a decisão do Conselho de Ética sobre o vereador Renato [arquivamento do caso das ofensas a evangélicos], mas venho alertando desde 2021 que fomos atacados como cristãos. Invadir uma igreja e perturbar a fé de pessoas que se preparavam para uma missa, com um ato de cunho político, é um crime para detenção. Se entra na minha igreja, eu chamava a polícia e mandava prender”, disse Osias Moraes (Republicanos). Ele reclamou que, por conta do ato de Freitas, a Câmara de Curitiba tem sido “achincalhada”.
Para Ezequias Barros (PMB), o que aconteceu no sábado foi “inadmissível”. “O vereador ultrapassou os limites da lei. O local de culto é inviolável. A situação nos deixou boquiabertos. No ano passado, fomos chamados de trambiqueiros e ficou por isso mesmo. E agora, o que o Conselho de Ética irá fazer? Vão passar a mão na cabeça do vereador? É inacreditável a postura do vereador do PT”, afirmou.
Marciano Alves (Republicanos) classificou o ocorrido como “cristofobia” e disse que se “hoje foi [invadida] uma igreja católica, amanhã será a evangélica”. Oscalino do Povo (PP) defendeu que, pela repercussão do caso, ele deve ter chegado até o Papa Francisco, no Vaticano. “Nesse fim de semana mataram uma policial negra em São Paulo e eu não vi nenhuma manifestação. Somos contra qualquer tipo de violência. [A invasão] está bombando nas redes sociais, está feio para nós”, reclamou a vereadora Sargento Tânia Guerreiro (PSL).
“Foi uma violência política o que aconteceu lá. Não havia motivo para aquilo ter acontecido. Temos que dar um basta nas ações extremadas, tanto da direita, quanto da esquerda”, afirmou Mauro Ignácio (DEM). Beto Moraes (PSD) e Noemia Rocha (MDB) se somaram às críticas à invasão da Igreja do Rosário, assim como Alexandre Leprevost (Solidariedade) declarou sua solidariedade à comunidade católica de Curitiba.
“Pelo cargo relevante que ocupa, a responsabilidade dele é bem maior. O Renato podia ter a grandeza de chegar aqui e falar que cometeu um erro. Mas, não, chega tentando justificar. O ser humano tem que aprender a recuar, pois não é feio ter humildade. Isso vai fechando portas”, lamentou Mauro Bobato (Pode). “A esquerda quer acabar com a liberdade de culto e esse vereador passou de todos os limites”, defendeu Eder Borges (PSD), dizendo que tomaria providências sobre o caso na Câmara.
Secretário se manifesta
O Secretário de Estado de Comunicação, João Evaristo Debiasi, também se manifestou sobre o fato: “Respeito é uma palavra forte e que deve ser repetida diariamente nas nossas vidas. Respeito pela vida humana, pelo próximo, pela liberdade, pelas religiões, pela fé alheia, pela comunidade. Respeito é um sentimento que nos irmana apesar de todas as diferenças, inerentes a qualquer sociedade. Por isso, devemos ter respeito pela família do jovem congolês Moïse Kabagambe, brutalmente assassinado no Rio de Janeiro. Respeito pelas manifestações pacíficas que pedem justiça e denunciam mais um caso de racismo no Brasil. E lamentavelmente condenar a falta de respeito de parte de um grupo que entrou na Igreja do Rosário, no último sábado, em Curitiba, com bandeiras políticas e palavras de ordem, em uma cena de manifesto desrespeito com a fé alheia. A busca pela justiça é um dever. A luta contra excessos, também”