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Ana Beatriz Prudente Alckmim lança livro em São Paulo este mês_Foto de Divulgação


Aos poucos, as novas gerações, com todas as suas particularidades, desafios e contradições próprias, começam a protagonizar obras de arte. É o caso do lançamento de Ana Beatriz Prudente Alckmin, pedagoga, ambientalista e ativista dos Direitos Humanos, que lança o romance, “Ela, sua gata e Tel Aviv”.

A obra combina ficção contemporânea e manifesto cultural, em um texto que discute as contradições de uma geração hiperconectada. A protagonista, Margot, é uma jovem judia preta de Nova York que administra um e-commerce de moda e vive como microinfluencer.

Cercada por tendências, curtidas e press kits, ela atravessa a pandemia até perder a mãe. O luto a leva a questionar os limites da vida digital e a embarcar em busca de sua ancestralidade e novas formas de pertencimento. Mais do que narrar uma experiência individual, o romance articula moda, redes sociais, espiritualidade, diversidade e crítica cultural em uma trama que revela a busca contemporânea por identidade.

Ao mesmo tempo íntima e política, a narrativa propõe uma leitura sobre como cultura e memória se entrelaçam na formação de sujeitos urbanos. Autora mulher, judia e preta, Ana Beatriz traz para a literatura brasileira uma voz inédita e necessária, atravessada por sua atuação em projetos sociais e de acolhimento. Sua estreia literária ecoa como reflexão e resistência, unindo a leveza da ficção a debates urgentes sobre corpo, gênero, ancestralidade e consumo.

“Ela, sua gata e Tel Aviv” se apresenta como um romance cosmopolita e provocador, ideal para leitores interessados em compreender a literatura como espelho das tensões culturais e sociais do nosso tempo.

Sobre a trama

A obra traz a riqueza do mundo judaico contemporâneo, com seus diversos perfis de identidades, diferentes fenótipos e pluralidade de vivências. Na obra há denúncias sobre escravização moderna e tráfico de pessoas, além de reflexões sobre sustentabilidade no mundo da moda, imigração e o uso de mídias sociais como instrumento pedagógico.

A autora é pedagoga formada pela USP, ambientalista e ativista pelos Direitos Humanos. Filha de intelectuais da USP, cresceu cercada por livros e, desde a infância, fez da leitura sua principal companhia.

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Ana Beatriz Prudente Alckmim conta que é leitora de ficção desde muito nova.

Entrevista

Acompanhe a entrevista com a autora Ana Beatriz Prudente Alckmin, que lança “Ela, sua Gata e Tel Aviv” pela editora D’Plácido.

A Vida É Palco – Você sempre escreveu artigos sobre direitos humanos e diversidade. O que te levou a mergulhar agora na ficção?

Ana – Sou uma leitora assídua de ficção desde a infância. Fui criada em uma casa com biblioteca; por meus pais serem cientistas, havia muitos livros jurídicos, de antropologia e de outras áreas das ciências humanas. Mas sempre houve muito livro de ficção também. Na infância, aos dez anos, eu já lia Fernando Sabino, o que não é uma leitura comum para uma criança dessa idade. Essa paixão veio muito cedo porque eu sempre li muitos livros de ficção.
Embora eu escrevesse artigos sobre temas de sustentabilidade, tecnologia e direitos humanos, eu sempre escrevi crônicas; publiquei algumas e tenho muitas guardadas. Ela, sua Gata e Tel Aviv nasceu como uma crônica. As pessoas diziam: “isso é muito legal, quero ler mais”, “tem que ter continuidade”; e a crônica virou esse livro lindo. É um livro para sentar, desligar de tudo e ler: uma leitura gostosa, que ao mesmo tempo traz reflexões. Ele não é alienante; conecta o leitor à realidade, mas permite um percurso saboroso.
Acredito que agora também é um bom momento para lançar este livro. Eu acredito muito no poder da literatura antirracista, e considero que este livro é antirracista sob alguns aspectos. Ele valoriza o povo judeu em um momento de aumento assustador do antissemitismo e ajuda a desmistificar, desconstruindo estereótipos em torno dos judeus. Ao mesmo tempo, apresenta uma diversidade de mulheres negras que aparecem no livro, cada uma com sua história e trajetória — fora de estereótipos construídos no Ocidente. Assim, a obra atua em duas frentes antirracistas importantes: desconstrução de estereótipos sobre judeus e sobre mulheres negras.

A Vida É Palco – Como foi transformar sua experiência real com refugiadas e causas sociais em matéria-prima para um romance?

Ana – Acredito que todo autor de ficção faz algum “laboratório” para escrever sobre realidades, para que a obra faça sentido. No meu caso, usei como laboratório a minha própria trajetória e sensibilidade na área de direitos humanos. Fui criada próxima a movimentos sociais: minha mãe, acadêmica e humanista; meu pai, cientista, também muito próximo dessas pautas. Desde cedo conheci movimentos de defesa de mulheres e de minorias e essa foi a minha fonte.
Tenho um olhar especial para a pauta dos refugiados porque sou pedagoga pela USP. No curso, somos muito estimulados a ir para a escola pública e a estagiar; eu fiz isso. Apesar de ter estudado a vida toda em escola particular na infância e adolescência, conheci a escola pública no estágio. Nas escolas públicas de São Paulo há muitas crianças filhas de refugiados, crianças que chegam de países e realidades muito sofridas, marcadas por afrontas aos direitos humanos. Conheci histórias dessas crianças e de suas mães; tive contato com ONGs e projetos sociais que trabalham com essas mulheres e compreendi o horror do tráfico humano e da escravização de mulheres no século 21.
Algo interessante no livro é apresentar diferentes perfis de refugiados. Ao trabalhar com refugiados na vida real, encontramos pessoas que fugiram por diversos motivos, de países em diferentes regiões do mundo, trazendo traumas tanto de origem quanto do próprio deslocamento.

A Vida É Palco – Margot é uma personagem muito forte. Quanto dela tem de você — e quanto é pura criação literária?

Ana – Quando desenvolvi a Margot, pensei em uma geração. A Margot não sou eu; a Margot é uma geração de mulheres que chegam aos 30 anos ainda construindo sua história profissional; mulheres que podem querer se casar, mas não colocam o casamento como prioridade. Mulheres que não se veem obrigatoriamente como mães, que podem vir a ser, mas não tratam a maternidade como algo inerente. Cuidam da família e dos pais, mas procuram ter o próprio espaço.
São mulheres que, ao construir carreira, têm propósito e valores: desenvolvem empreendedorismo feminino com sustentabilidade, preocupadas em não perpetuar a precariedade profissional de seus colaboradores. Estão inseridas numa cultura de inovação que exige reinvenção constante diante dos desafios contemporâneos. Então, a Margot é uma síntese geracional.

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A Vida É Palco – O maior desafio foi tratar de temas tão pesados (como tráfico sexual) com leveza?

Ana – Na minha opinião, o tráfico de pessoas é tão pouco abordado que a maioria duvida de sua ocorrência, e isso me preocupa muito. É um problema crescente, grave, que pode atingir pessoas de qualquer classe social. Recentemente vimos na mídia casos de jovens de classe média, formados em boas universidades, atraídos para cargos na área de tecnologia em países da Ásia e, ao chegar, submetidos a uma realidade de escravização de pessoas, inclusive sendo transferidos à força para outros países, ou seja, traficados.
Eu quis trazer esse tema porque o considero urgente, mas tive a preocupação de não tirar a leveza do livro, que é feito para propiciar prazer de leitura. A cada capítulo, você fica ansiosa para saber o que vai acontecer com a Margot e com os demais personagens. Eu me sinto na obrigação de tratar de temas primordiais como defensora de direitos humanos, mas sem abrir mão do que a obra se propõe a ser: uma “novela em forma de livro” que aborda questões contemporâneas com sensibilidade.
Também fiz questão de trazer a força do terceiro setor. Em qualquer país, os governos têm a obrigação de combater as violências e cooperar para que não ocorram em outros territórios. Mas as ONGs, muitas vezes fundadas por pessoas que viveram ou estudaram essas violências, têm papel estratégico no enfrentamento. No combate à violência contra a mulher, considero primordial a participação das organizações da sociedade civil.
Temas difíceis como uso de mulheres como arma de guerra, exploração sexual, tráfico, precisam ser normalizados no debate público. Só fortaleceremos o combate quando denunciarmos e falarmos mais sobre eles. Isso exige letramento: compreender o que representa a exploração do corpo feminino, por que determinados perfis são escolhidos para sofrer essa crueldade. Como pedagoga, acredito que educar sobre esses assuntos pode ser leve e em linguagem acessível. Tratar do tema dentro de um livro, fazendo-o brotar no meio da narrativa com delicadeza e leveza, ajuda a normalizar a conversa. Muitos acham que o tráfico de pessoas é raro; não é. O silêncio só fortalece criminosos que se beneficiam da exploração de mulheres.

As ONGs, muitas vezes fundadas por pessoas que viveram ou estudaram essas violências, têm papel estratégico no enfrentamento

A Vida É Palco – Há uma cena do livro que você considera o coração da narrativa?

Ana – Sim. Sem dar spoilers: há um momento em que a Margot organiza um evento e aparecem os mais diversos perfis de judeus, mostrando a pluralidade da comunidade judaica global, diversidade étnica, ideológica e de formas de professar a fé. O judaísmo é muito rico e diverso; essa cena é uma pequena amostra desse mosaico.
Gosto muito também do trecho que conta a chegada dos judeus etíopes a Israel, a etnia judaica Beta Israel. Eu ainda não havia encontrado na ficção latino-americana um romance que trouxesse essa história. O livro menciona a conhecida operação do Mossad, mas também fala de famílias e mulheres judias etíopes que foram por via terrestre por conta própria, enfrentando muita violência no caminho, especialmente em territórios onde o antissemitismo e a violência contra a mulher são normalizados. Trazer essa história é importante para a representatividade da Beta Israel e para fortalecer a ideia de diversidade étnica dentro do próprio universo judaico.

A Vida É Palco – O que mais te surpreendeu nesse processo de estreia como escritora de ficção?

Ana – Mais do que surpresa, emoção: ver o livro físico pronto. Escrever é uma gestação; ver o livro pela primeira vez nas mãos foi como ter um filho nos braços. Esse livro vai chegar a pessoas que não conheço, produzirá alegria em algumas, tristeza em outras; vai agradar a uns e desagradar a outros. É um filho que criei para o mundo.

A Vida É Palco – Como foi a reação das pessoas próximas quando souberam que você estava escrevendo um romance?

Ana – Ficaram felizes. Eu era muito cobrada para escrever um livro. Já entrevistei ministros do STF, publiquei artigos sobre temas relevantes, mas o livro ainda não tinha acontecido. Cheguei a ser abordada em um shopping por um leitor que me acompanha nas redes e disse: “Leio seus artigos toda semana, quando vou ter um livro seu na minha biblioteca?”.
Sinto que, para quem convive comigo, agora “cumpri uma tarefa” que esperavam de mim. E esse não será o último; é apenas o primeiro. Eu sou escritora e, num mundo que ainda não valoriza tanto a escrita, afirmar isso é romper uma barreira. Sempre me senti escritora pelos muitos textos publicados, mas, com um livro, isso se torna definitivo.

A Vida É Palco – O livro é o primeiro de uma trilogia. O que o leitor pode esperar para os próximos volumes?

Ana – Há muito chão na vida da Margot. Quando ela achar que a vida está estável, virão reviravoltas. Novos personagens surgirão; personagens já conhecidos terão desfechos inesperados. Muita emoção vem por aí. Eu arrisco dizer: se este livro é legal, o próximo será ainda melhor.

A Vida É Palco – Você se sente mais confortável como articulista, ativista ou romancista em formação?

Ana – Que pergunta… Ninguém nunca me perguntou isso. Não sei. Eu me considero uma boa articulista, disso não tenho dúvida. E agora estou navegando em águas novas. Vamos ver como será.

A Vida É Palco – Como sua trajetória como pedagoga influencia a forma como você conta histórias?

Ana – Sou didática, sem dúvida. Na Faculdade de Educação da USP, eu adorava “Didática”; fui aluna do professor Jaime Cordeiro. Acredito que a vida é uma grande escola: aprende-se na família, nas vivências. Estou sempre buscando recursos pedagógicos para explicar e iluminar temas e questões. O processo de aprendizado pode ser leve, gostoso e em linguagem acessível. A educação é missão; estou sempre mediando pessoas e conhecimentos, às vezes por caminhos não óbvios. Aprende-se muito lendo um romance.

A Vida É Palco – Quais autoras ou livros de estreia te inspiraram nesse momento?

Ana – Leio muito e há muitos autores e autoras que me inspiram, mas prefiro não citar nomes para não ser injusta. O livro é uma porta para o conhecimento: é impossível ler sem aprender algo, mesmo sobre temas que já dominamos — a leitura nos instiga a um novo olhar.

A Vida É Palco – Qual mensagem você gostaria que os leitores levassem ao terminar “Ela, sua Gata e Tel Aviv”?

Ana – Tolerância. O livro fala muito sobre tolerância. Mesmo entre aqueles que parecem iguais, há diferenças. A convivência exige tolerância, resiliência e, acima de tudo, empatia. Precisamos olhar de forma generosa para o mundo do outro, um mundo que não nos pertence.
O livro traz muitos elementos da vida judaica; quem não é judeu pode se surpreender com aspectos do cotidiano que a obra apresenta.
Na minha caminhada pelos direitos humanos, apaixonei-me, por exemplo, pelo universo dos povos indígenas brasileiros. Eu não sou indígena; precisei ter humildade para aprender, ouvir e desmistificar ideias pré-concebidas. Eles não são todos iguais: há muitas etnias, diferenças e opiniões. É assim com todos os grupos humanos: as diferenças podem coexistir. Pessoas diferentes podem conviver, aprender juntas e se ajudar.

A Vida É Palco – Se pudesse conversar com Margot, o que perguntaria a ela?

Ana – Honestamente, eu não perguntaria nada. Eu daria um abraço na Margot. Ela enfrenta uma perda muito dolorosa; o livro acompanha um longo processo de luto. Eu a abraçaria.

A Vida É Palco – O que esse primeiro livro revelou sobre você que até então você mesma não sabia?

Ana – Como judia, sempre amei o meu povo, mas, ao escrever este livro, entendi que esse amor é imensurável dentro de mim. Sofro com o aumento do racismo contra pessoas judias. Nada justifica o racismo contra judeus, assim como nada justifica o racismo contra pessoas negras, nem a desumanização de minorias ou culpabilizações indevidas.
Durante a escrita, eu mesma me surpreendi com a dimensão desse amor. Dói ver manifestações de ódio contra judeus. Nas sinagogas que frequento, sempre ouvi discursos de amor e respeito à vida, independentemente de quem seja. Quando falo de valores judaicos, falo de amor e de preservação da vida.

A Vida É Palco – E, para fechar: se pudesse resumir o livro em uma palavra, qual seria?

Ana – Laços. Ao longo do livro, a Margot descobre laços que nem sabia que existiam. Ela percebe vínculos e pertencimentos a espaços, grupos e lugares; constrói e fortalece laços ao longo da narrativa.