Ir ao teatro continua fora de cogitação, mas o mundo da performance cênica não parou. Inúmeras iniciativas mantêm artistas vivos nos dois sentidos da palavra, ainda que em meio a muitas dificuldades.
Quero falar de uma experiência a que pude assistir e que tem sessão nesta quinta (17 de setembro). “Penélope”, sim, ela que fica e que espera, mas aqui não pelo regresso do marido Ulisses, como no mito de Homero. Uma mulher que retorna do estrangeiro e entra em diálogo profundo com o irmão. Surgem cobranças, acusações, necessidades de afeto e perdão.
Uma apresentação pelo Instagram faz pensar em primeiro lugar na tecnologia envolvida. Como funciona? É live? É gravado? É interativo? Todas essas questões são satisfatoriamente respondidas nos primeiros minutos (na criação da diretora Nadja Naira em parceria com Paulo Rosa e Álvaro Antônio), quando se vê que há um primoroso desenho de luz, de telas, de entra e sai dos atores Pablito Kucarz e Uyara Torrente (da Banda Mais Bonita da Cidade).
Mas as surpresas de natureza técnica e estética não ofuscam o aspecto humano, a potência de um diálogo criado para os palcos mas que felizmente chega a nós ainda na pandemia.
Longas conversas (40 minutos, aqui) lembram Godard, ou mesmo Woody Allen. Na trama, anos se passam, o que traz a estranheza da “live” que não é derrubada após os 60 minutos, e dos temas delicados que requerem uma vida para serem esgotados (se é que alguma vez o são).
Como conectar-se a alguém verdadeiramente? E quando esse alguém é um irmão ou irmã com quem perdemos contato? Certamente requer sacrifícios (“comer um quilo de sal juntos”, ou quem sabe tecer e destecer uma mortalha que nunca termina).
É verdade que relacionamento dá trabalho. Por isso em “Penélope” surge a acusação da fuga, algo que todo mundo que emigra escuta em um ou outro momento. Descobrir-se e conquistar o mundo pode requerer alguns abandonos.
Mas quem pode dizer o que é certo? Existe uma lei onde esteja escrito que é necessário ou proibido partir? Aqui entra também o tema do que é exigido das mulheres.
Pensando a partir do texto, surge a questão da pandemia – ela que aprofunda o diálogo ou explicita conflitos. Cabe a nós escolher.
Mas nunca é tarde para se buscar um fio solta nessa meada enosada de conflitos e ir puxando devagarinho, para se conhecer e reconhecer, abrir espaço para aceitar o outro diferente, amar.
No fim, o perdão se mostra como única solução possível para a paz, de si e dos outros.
Em tempo: o tema do cuidado com os pais na velhice aparece em 100% das peças a que assisti nesta pandemia (em todas as duas). A outra é “Hansel et Gretel”, que tem um trecho disponível aqui.
SERVIÇO
“Penélope”
Com dramaturgia da Lígia Souza e direção de Nadja Naira. No elenco, a atriz Uyara Torrente e o ator Pablito Kucarz.
Dia 17/09, às 20h, pelo Instagram, com bate-papo com a equipe depois.
Ingressos disponíveis no link: https://www.sympla.com.br/penelope__977024