
Crítica do espetáculo “Temporada de Caça”, com a Minha Nossa Cia.
O mundo corporativo rende muita piada nas redes sociais, nas festas de fim de ano e cochichos de elevador, mas andava sumido dos palcos. “Temporada de Caça” retoma esse prato cheio de vivências/críticas/desabafos, com texto de Dimis, direção de Vinícius de Souza e encenação da Minha Nossa Cia.
Em cena, vemos diferentes pontos de vista de uma mesma sala onde ocorre a seleção de um novo funcionário para um “cargo muito importante”. A escolha acaba se delongando um tanto quanto além do esperado, e as relações entre os quatro candidatos e seus dois selecionadores vão se radicalizando.
Conforme nos confidencia o programa (viva, um programa impresso em tempos de QR Code!), o texto de Dimis satiriza “o maravilhoso capitalismo”, em toda sua promessa de perfeição não entregue. “Eu passei dois anos sofrendo todo tipo de assédio moral numa empresa chamada xxxxx. Se eu tivesse ido para a terapia, você não estaria, neste momento, lendo isso.”
Impossível o espectador não se identificar com as dinâmicas de grupo em busca de um emprego ou agressões passivas por parte das autoridades corporativas. Concorrer a uma vaga é um momento de expectativa e sujeição, quase um primeiro encontro amoroso. O candidato se coloca totalmente disponível, pronto para o que der e vier. Talvez por isso, o discurso entabulado por quem busca emprego passa pela autoficção, pois ninguém quer correr o risco de dar uma resposta errada. Não tem quem não floreie sua persona.
E por falar nisso, quanto é verdade em seu LinkedIn? E nas páginas que você segue? O que se escreve parece sempre estar maquiado por uma crença cega na humanidade corporativa, pessoas que só tendem a melhorar. Isso quando todos estivermos “na mesma página”, “alinhados”, “focados” e, claro, com atitude proativa, otimista e positiva.
Nesta “Temporada de caça”, os head hunters em cena parecem buscar o inalcançável, num adiamento que beira o teatro do absurdo, um exagero da realidade. O espectador agradece iniciativas como esta, carregadas do bom e velho humor. Baseada em repetições, as esquetes vão degringolando o comportamento, e falas e coreografias empresariais viram gag. A pesquisa do passado dos candidatos (ninguém quer contratar um psicopata) vai ao cúmulo do detetivesco. Tudo dosado em pílulas, separadas por títulos que dialogam humoristicamente com a cena.
Quando a plateia é convidada a dar um salto imaginativo para um futuro distópico, ficamos presos às nossas referências do cinema pós-apocalíptico. Difícil competir com Hollywood. As máquinas querem nossos empregos? Coitadas.