
As Festas Juninas são um dos maiores patrimônios culturais do Brasil, misturando religiosidade, alegria popular, comidas típicas e símbolos marcantes. Entre todos os elementos que compõem esse universo, a fogueira talvez seja o mais icônico. “Presente no centro das celebrações, ela aquece os corpos, ilumina as noites frias de junho e evoca tradições ancestrais que atravessam os séculos”, explica a professora Ana Beatriz Dias Pinto, doutora em Teologia pela PUCPR e referência na área de estudos sobre culturas religiosas no país. Mas, o que há por trás desse costume que resistiu ao tempo e às transformações da vida contemporânea? Descubra agora sete curiosidades fascinantes sobre as fogueiras de São João que você provavelmente ainda não conhece.
1. Origem bíblica: uma fogueira para anunciar o nascimento
“A ligação entre as fogueiras e a festa de São João remonta à própria narrativa cristã. Segundo a tradição, Isabel, mãe de João Batista, acendeu uma fogueira no alto de um monte para avisar sua prima Maria, mãe de Jesus, que seu filho havia nascido. Esse gesto teria sido combinado entre elas durante a gravidez e serviria como sinal para celebrar o nascimento do precursor de Cristo – justamente 6 meses antes do Natal”, explica a professora.
Essa simbologia se fixou no imaginário cristão medieval e foi incorporada às festas populares como uma forma de homenagem a São João Batista. Com o tempo, a tradição chegou ao Brasil pelas mãos dos colonizadores portugueses, sendo ressignificada. A fogueira passou então a simbolizar não apenas um sinal sagrado, mas também um ponto de encontro comunitário, de fé e de festa.
2. Formato da fogueira indica o santo homenageado
Um detalhe curioso — e muitas vezes ignorado — é que o formato da fogueira pode revelar qual santo está sendo homenageado. Essa diferenciação simbólica era mais comum nas festas tradicionais do interior, especialmente nas regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Segundo a tradição popular, a fogueira de São João tem a base arredondada e troncos dispostos em forma de cone. Já a fogueira de Santo Antônio é montada em formato quadrado. Por fim, a fogueira de São Pedro, é erguida em formato triangular, com lenhas cruzadas.
Essas distinções também possuem significados ocultos. De acordo com a professora Ana Beatriz, a fogueira de São João, de forma circular, representaria o solstício de verão europeu (em junho), enquanto a de Santo Antônio evocaria estabilidade e proteção familiar. Já a de São Pedro teria relação com os pescadores e os ventos do mar, elementos ligados ao santo que é guardião das chuvas e das chaves do céu.
3. O papel da fogueira como tecnologia ancestral de comunicação
Antes da popularização dos meios de comunicação modernos, as fogueiras cumpriam um papel vital em muitas comunidades rurais: serviam como tecnologia rudimentar de comunicação à distância. Em noites juninas, acendê-las em pontos estratégicos do vilarejo permitia sinalizar acontecimentos importantes, como nascimentos, casamentos ou mesmo invasões.
Durante as festas de São João, acender uma fogueira era como “ligar o canal” para iniciar as comemorações. “As pessoas viam a fumaça e o clarão à distância e entendiam que a festa havia começado. Em algumas regiões do Brasil, famílias combinavam até mesmo de acender a fogueira ao mesmo tempo, como forma de manter viva a tradição e criar um senso de unidade”, relembra a professora.
Além disso, a fogueira possuía uma função ritualística de purificação. O fogo era (e ainda é) considerado um elemento que afasta os maus espíritos, protege contra doenças e fortalece os laços de amizade e solidariedade entre os participantes da festa.
4. Entre a fé e o folclore: promessas e superstições em torno da fogueira
A presença da fogueira nas festas juninas também está cercada de crenças e superstições. Uma das mais populares é a de que pular a fogueira traz sorte e afasta o azar. Nas festas do interior, sobretudo entre os jovens, o ato de pular a fogueira era também um rito de passagem — uma forma de provar coragem ou demonstrar interesse amoroso por alguém.
Outra tradição muito comum era fazer promessas ao redor do fogo. A crença dizia que quanto mais alto subisse a chama da fogueira, mais forte seria a bênção do santo. Assim, pessoas com problemas de saúde, dificuldades financeiras ou desentendimentos familiares costumavam lançar bilhetes com pedidos ou oferendas no fogo, esperando que o calor os levasse até o céu.
Algumas simpatias também envolviam a observação das brasas e da fumaça: se a fumaça da fogueira fosse para o lado direito, significava sorte no amor. E se a brasa demorasse a apagar, era sinal de que o desejo ou a promessa seria atendido.
“Esses elementos mostram como a fogueira atua como um ponto de convergência entre o religioso, o mágico e o popular, marcando a identidade afetiva e espiritual da celebração, uma vez que os rituais em torno do fogo tem muito de Sagrado e também de Profano”, assinala a especialista.
“Muito além de um simples adereço festivo, a fogueira junina representa a confluência de saberes e tradições que atravessam a história e o imaginário coletivo brasileiro. Ela é chama que aquece, mas também que comunica, que purifica e que celebra. É símbolo de religiosidade, mas também de resistência cultural, especialmente em tempos de urbanização e apagamento de práticas populares”, opina Ana Beatriz.
Hoje, mesmo com o avanço das tecnologias e as restrições urbanas ao uso do fogo, a fogueira continua viva no coração das festas juninas — seja em miniaturas decorativas, fogueiras elétricas ou fogueiras reais em zonas rurais. Ela evoca memórias afetivas, reúne pessoas ao redor do calor comunitário e mantém acesa a chama das tradições que moldam a nossa identidade. Por essa razão, celebrar os santos juninos não é apenas vestir camisa xadrez e dançar quadrilha: é participar de um legado histórico que nos lembra da importância da coletividade, da fé e do encantamento com o mundo. E no centro de tudo isso, lá está ela — a fogueira — pulsando como o coração luminoso da festa.