Assim como as ciências da área da saúde, também a teologia busca respostas para a mente humana. Freud foi o precursor desses estudos. (Imagem: Pixabay).
O filme “Freud além da alma” é um tipo de obra que faz muita impressão. Ele narra os cinco anos iniciais da carreira de Sigmund Freud, a partir de 1885, quando o psicanalista ele entra em contato com os primeiros casos de histeria e, ao contrário do que diziam seus colegas da época, passa a investigar as causas deste mal através de questionamentos psicológicos, e não físicos. A partir daí, retrata sua ida para a França, seu casamento e a formulação das primeiras teorias a respeito do Complexo de Édipo e da influência da sexualidade no histórico mental de uma pessoa. Tais questões são abordadas de maneira muito interessante no filme, tendo como ponto de partida a relação especial que o doutor Freud desenvolve com uma de suas pacientes, vítima de profundos transtornos originados por possíveis traumas de infância.
Como em muitos campos especializados, a psicanálise tem seus próprios termos técnicos. Por isso, o filme oportuniza um olhar de amplitude ao tema, que é uma área que ainda é estudada pela psicologia e mesmo por acenos de teologia em sua prerrogativa de análise da subjetividade humana. Embora já tenha muito ouvido falar o nome “Freud” na vida, nem sempre a sociedade compreende o conceito de que grande parte da vida mental, tanto cognitiva quanto emocional, ocorre fora da percepção consciente de uma pessoa. Ou seja, de que alguns pensamentos podem exigir atenção proposital para serem trazidos à mente.
A psicanálise está especialmente interessada no inconsciente dinâmico, visando analisar aqueles pensamentos e sentimentos que são ativamente mantidos fora da consciência pela ação das defesas pessoais de alguém. Esses pensamentos e sentimentos despertariam ansiedade ou autocensura ao se tornarem conscientes. Frequentemente organizados como fantasias, eles continuariam a exercer efeitos poderosos sobre o comportamento, as atitudes e nas experiências de uma pessoa – de acordo com Freud. Essas fantasias seriam de algum modo vestígios do passado que descrevem relacionamentos desejosos do eu com os outros.
Freud chegou a esta constatação por meio da observação e inferência facilitada pelo método de associação livre e pelo foco em fantasias, sonhos e transferências em seus pacientes. Além disso, ao retratar a questão de um conflito, o filme sobre Freud demonstra o quanto a intensidade de um conflito é grande variando de pessoa para pessoa, uma vez que a mente humana busca um compromisso entre objetivos conflitantes (desejo e defesa) e as demandas da realidade que facilitam sua satisfação.
Assim, os compromissos mal adaptados impediriam de alguma maneira o crescimento e o desenvolvimento humano, interferindo no estabelecimento de relacionamentos íntimos satisfatórios. Desses conflitos derivam de fases anteriores da vida, mas que persistem de forma “disfarçada” ao longo da vida humana; eles seriam frequentemente externalizados e uma pessoa então pode atribuir a origem de seus problemas ao mundo exterior.
Tal modo de defesa seria a maneira como a mente se protege contra experiências emocionais dolorosas; é um ato inconsciente que serve para manter o equilíbrio psíquico de alguma maneira. Essas defesas podem assumir muitas formas e as pessoas tendem a utilizar um conjunto específico delas, que contribuem para a organização de seu “personagem”, de suas “máscaras” que lhe garantem sobrevivência no mundo. A defesa contra as emoções dolorosas inevitavelmente evidentes na situação psicanalítica foi chamada por Freud de “resistência”.
Para se realizar tal trabalho e se buscar atingir aquilo que o filme propõe em seu título, que seria a experiência para “além da alma”, se demonstra a importância da aliança terapêutica entre o paciente e o analista, mesmo diante de uma possível “transferência” , no qual pensamentos e sentimentos conscientes e inconscientes sobre o psicanalista derivariam de alguma maneira de seus primeiros relacionamentos com os pais.
Como estratégia de cura para as “dores da alma”, um recurso seria a associação livre, que nada mais é do que um processo mental pelo qual o paciente revelaria seus pensamentos ao analista sem censura. No discurso humano normal, é feito um esforço para fornecer ao ouvinte um conteúdo organizado, coerente e direcionado a um objetivo. Ao relaxar esses esforços, o discurso do paciente segue caminhos associativos que estão ligados por pensamentos e emoções inconscientes, em vez de razão e lógica conscientes, demonstrando o princípio do determinismo psíquico. O analista é capaz de fazer inferências sobre a vida mental inconsciente do paciente e fazer conexões que não são aparentes de outra forma.
Os métodos de defesa do paciente, bem como os impulsos desejosos, são revelados. Creio que por essa razão, o método da psicanálise seja polêmico. Uma das maiores críticas à teoria psicanalítica é que ela dá muita ênfase à infância. Por um lado, a teoria de Freud diz que o desenvolvimento da personalidade ocorre durante a infância, mas muitos psicólogos modernos dizem que esse desenvolvimento é vitalício.
A psicanálise é conhecida por ser uma área controversa e sua validade como ciência é muito contestada. Ela é uma terapia eficaz para lidar com transtornos mentais e tem se mostrado eficaz em muitos aspectos. No entanto, é baseada na teoria da personalidade de Freud, que é fundamentalmente falha por não ter nenhuma evidência de pesquisa de apoio. Como ponto positivo, é uma terapia longa e intensiva e demonstra que terapias dessa natureza produzem bons resultados.
Além do mais, a psicanálise retém uma influência importante tanto no passado quanto nos dias atuais. Tanto que os conceitos psicanalíticos também são amplamente utilizados fora da arena terapêutica, em áreas como a crítica literária psicanalítica, bem como na análise de filmes, contos de fadas, perspectivas filosóficas e outros fenômenos culturais.
Como aspectos negativos, muitos afirmam que na constituição psicanalítica Freud ignorou diferenças individuais. Além disso, muitos críticos afirmam que alguns terapeutas não estão ajudando os pacientes a recuperar memórias reprimidas por meio da intervenção psicanalítica. Mas, que em vez disso, eles estariam plantando “falsas memórias” na mente de seus pacientes.
Indiferentemente de suas controvérsias, a psicanálise pode ser considerada sim um produto do seu zeitgeist, de uma época em que o conhecimento da mente humana ainda era limitado. Mas que possui sua importância e representatividade para os dias de hoje, uma vez que ela não apenas influenciou a história da Psicologia, mas possibilita acenos para a interpretação e cura das relações dos seres humanos com suas histórias de vida, experiências, sentimentos e necessidades de enfrentamentos. Certamente, a cura pela fala proposta pela terapia psicanalítica pode ser altamente benéfica, desde que seja conduzida por um bom terapeuta.