Na imagem, estudantes da turma de Mestrado/Doutorado em Teologia da PUCPR, ano de 2015, com o Prof. Dr. Clodovis Boff (Imagem: Arquivo Pessoal).

Durante meus estudos de Mestrado, realizados em 2014 e 2015, tive a oportunidade de frequentar às aulas do renomado teólogo Prof. Dr. Clodovis Boff. Recentemente, revisitei um de seus artigos, intitulado “O rigor do método: princípios elementares em Aristóteles”, que apresenta o raciocínio do estagirita acerca da necessidade de precisão, de rigor e de exatidão para se compreender a relação humana com o conhecimento. E tal material me trouxe novas luzes para a compreensão do papel da ciência teológica.

Ao longo do texto, Boff explica pontos bastante interessantes, que procurarei aqui resumir, dada sua contribuição para a compreensão do método teológico enquanto ciência. Aos leigos no tema que têm acompanhando nossas postagens, acrescento um dado importante: o professor Clodovis é um dos maiores teólogos brasileiros, já aposentado da academia, mas que continua escrevendo e muito contribuindo sobre a reflexão de temas essenciais ao estudo da Teologia. É autor do best seller “Teoria do Método Teológico”, fruto de sua tese de doutorado pela Universidade de Louvain, na Bélgica. 

Revisitemos, então, quatro pontos essenciais explanados no material mencionado:

1. Termos paidéia, pepaideuménos, tò akribés e apaideusia

Clodovis defente a importância da educação e da instrução para o homem que deseja ser culto e bem formado. Refere-se à paidéia como sendo a “educação” propriamente dita. O termo pepaideuménos representaria “a característica do homem bem educado, capaz de verdadeira humanidade ou de razão”. Já a expressão tò akribés nada mais seria do que o “rigor, a precisão, a exatidão” para se compreender uma epistemologia. Por fim, a palavra apaiudeusia refere-se à “ignorância epistemológica”, à “falta de formação”, ou seja, à carência de conhecimento, de cultura ante um determinado objeto de estudo.

2. O objeto da ciência mede a ciência

Tendo em vista a necessidade de se discernir em cada pesquisa científica que é realizada sobre o nível de argumento e de profundidade que ela requer, Clodovis demonstra que é preciso indicar, logo de início, o foco de sua proposta. Só então seria possível adequar a medida de pensamento e profundidade para sua ilustração, de modo que ela tenha o rigor exigido por sua medida. Isto ajudaria o pesquisador a compreender que o princípio de um método, quando bem delimitado, contribui para que o estudo em questão não seja improcedente e incipiente. É importante ressaltar que o caminho que a ciência percorre não é apenas trilhado por seu objeto de estudo: é também influenciado pela perspectiva do cientista (a pergunta que ele faz).

3. Importância do discernimento epistemológico e do uso do rigor

É imprescindível para que uma pesquisa obtenha resultado, que o cientista examine a natureza do que vai tratar e o rigor que ela exige. Afinal, “sem estar minimamente equacionado, um problema torna-se insolúvel”, diz Clodovis Boff. Por meio dessa explanação, o autor demonstra que há diversidade de tipos de rigor, cabendo à disciplina intelectual a capacidade de discernir e formar-se quanto ao método que se deve aplicar a cada espécie de ciência, de modo a não criar confusão entre os códigos do saber. Em síntese: o critério é sempre relativo ao assunto a que se aplica.

 

4. Destaque ao rigor e ao gênero próprio da Ciência Teológica

Por tratar de um objeto maior, a Teologia possui um gênero próprio e, assim, destaca-se entre todas as outras ciências. Nesse sentido, o rigor exigido ao seu estudo é simples e relativo: deve-se levar em conta a Doutrina Sagrada, especialmente porque a experiência de fé seria sua técnica metodológica partindo da compreensão da Revelação. Ao possibilitar a reflexão da ciência teológica articulando o campo da fé (transcendência) e o da razão (imanência), o pesquisador desta área precisa estar atento para não cair no reducionismo ou no desvio de seu objeto de estudo. Afinal, a Teologia possui um rigor sui generis e a última palavra da ciência é a fé, aponta Clodovis.

 

Questionamentos pertinentes à percepção de Clodovis e Aristóteles

A partir desses itens levantados por Clodovis Boff e acima aludidos, cabe-nos questionar o modo como o homem realiza sua busca da utilidade das ciências. Para Aristóteles, “buscar utilidade ou vantagem em tudo é algo totalmente ridículo”. Mas… Não seria justamente essa a razão primeira para a existência de uma ciência? Deve haver limites para o atuar de uma ciência em face à garantia da sobrevivência humana?

Quanto ao uso inadequado de um método, para Aristóteles, aplicar a todas as ciências o mesmo critério é inadmissível.  Por essa razão, como é possível saber todas as possibilidades de um método? É plausível compreender todas as alternativas de métodos existentes em relação a todas as ciências? Como levar em conta, do ponto de vista epistemológico e axiológico, a existência de conflitos entre rigor e valor, de modo a não mecanizar o ser humano e evitar de qualificar à ciência um papel que não é dela?

Quanto às duas paideias abordadas por Clodovis: a educação completa se dá em dois planos formativos: sapiencial e prudencial. Tais aspectos são importantes para o homem, uma vez que pouco adianta ter uma cultura teórica geral se não se tem uma cultura prática particular. Se pouco adianta saber o “como” das coisas sem saber seu “por que”, de que forma a Teologia, enquanto ciência, pode contribuir para a sabedoria e o conhecimento?

 

Algumas consideraçoes pessoais sobre o papel da Teologia 

Ter sido aluna de Clodovis Boff foi uma honra que a academia me concedeu. Engatinho ainda na Teologia e analisar seu pensamento em sua percepção de Aristóteles é tarefa árdua – e que pode ainda ser muitas vezes revisitada. A análise de Clodovis é reflexiva e atual. Demonstra que, à medida em que o acúmulo de conhecimento e, consequentemente, o acesso a bens variados tornou-se alternativa para a sobrevivência, o homem conduziu-se a um processo de submissão ao “ter” em detrimento do “ser”, o que gradativamente o sentenciou à perda de sua identidade, ao vazio, à dificuldade de compreender seu valor e a razão de sua vida. Talvez seja de fato essa percepção que o conduziu à escrita dos volumes de “O livro do Sentido”.

Ao retratar a crise humana, o autor demonstra-nos oportunidade de reflexão não só sobre a vida em si, mas a possibilidade de compreender que o estudo da Teologia enquanto ciência pode ser uma importante alternativa para se conhecer os meios e também a razão de viver que está presente na essência de todo ser humano.

Os princípios elementares de Aristóteles, em face aos argumentos explanados pelo professor Dr. Clodovis Boff são a prova concreta de que a Teologia está à serviço da ciência e da fé, e não o contrário, como muito se pensou ao longo da Idade Média e mesmo em estudos posteriores. 

A evolução da ciência ocorre diariamente; isto impõe a cada pesquisador um ritmo de desenvolvimento e de exigência pessoal pesados. Nossa cultura de produção e de consumo tem cada vez mais reduzido o ser humano de protagonista a mero coadjuvante nas relações sociais, o que o encaminha para vivenciar o drama de pensar que é livre, mas paradoxalmente constatar em seu quotidiano que já não o é.

A Teologia é um saber universal e, sob a luz da Revelação, pode contribuir para que compreendamos sempre mais o sentido de sua existência e aplicabilidade. É certamente por meio do uso ético, crítico, com rigor, com precisão e com exatidão da ciência que o ser humano pode tornar-se romper com a cultura de apaideusia que o escraviza, conduzindo-o à verdadeira sabedoria. E esta, por sua vez, o ajudará a reescrever os rumos de sua própria história de fé e de percepção do Sagrado.

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Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AQUINO, Tomás. Seleção de Textos, 2ª ed. Trad. De Luíz João Baraúna, São Paulo, Editora Abril Cultural, 1979 (Col. Os pensadores).

BOFF, Clodovis. O rigor do Método: princípios elementares em Aristóteles. Localizado em: Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Escola de Educação e Humanidades. Reg 50279. 2015. 12p.

____________. Teoria do método teológico. Petrópolis: Vozes, 1998.