A vida humana na fé é uma realidade de múltiplas dimensões, que vão desde a vida interior até a vida planetária. (Imagem: Pixabay)
Na Teologia, de acordo com Clodovis Boff, é importante distinguir a verdadeira tradição (que é um processo vivo, dinâmico e criativo) do tradicionalismo, que entende coisificar e mumificar a tradição, o que só pode fazer matando-a. Portanto, o momento construtivo da teologia e o seu confronto com a vida torna a tradição decisiva para conferir a uma pessoa ou comunidade uma identidade histórica, um enraizamento vital, uma âncora existencial. Sem tradição, as pessoas ou comunidades tornam-se vítimas das mudanças, do desorientamento geral e recaem sobre o niilismo. Assim sendo, as funções principais da tradição na Igreja são: constituir o texto bíblico, conservá-lo passando-o adiante e atualizá-lo criativamente através de novas releituras, segundo os tempos.
Toda escritura, especialmente a Sagrada, só irradia seu sentido integral quando é lida dentro da tradição que a gerou, a acompanha e segue adiante. Assim sendo, devemos distinguir: a “tradição apostólica”, que é fundadora dos textos do NT e é condição formal (tal uma atmosfera) para que esses explicitem todo o seu sentido; e a “tradição eclesial”, que prolonga dinamicamente a primeira, a atualiza e ao mesmo tempo cria novas tradições, que concretizam, nas diferentes culturas e épocas, as exigências da “tradição apostólica”. A tradição apostólica, porque divina, permanece sempre a norma crítica de todas as “tradições eclesiásticas”, no sentido de renová-las, corrigi-las e engendrar novas.
No caso de um dogma, ele é uma verdade revelada, que indica qualquer verdade de fé. Eles não são barreiras para o pensamento, mas são corrimãos para proteger e apoiar a caminhada. No dogma há o que permanece e o que muda. Permanece a substância visada, assim como aquela formulação que foi uma vez expressa, irreformável sobre ele, mas que pode progredir no sentido de crescimento, não de transformação. Ele dependerá do tipo de linguagem da época, do seu contexto histórico, o lugar do dogma em questão na “hierarquia das verdades”. Sua finalidade é a expressão de fé, e não na mera reflexão.
A sistematização teológica é o passo mais importante da teorização da fé. Ela passa por 3 estágios: análise do conteúdo interno da fé, sistematização desse conteúdo numa síntese orgânica e, por fim, a criação em que se desenvolvem novas perspectivas de fé. Afinal de contas, o método teológico termina na atualização da fé. É uma exigência da práxis! Isso, porquê a vida humana na fé é uma realidade de múltiplas dimensões, que vão desde a vida interior até a vida planetária. E a Teologia não deve e nem pode excluir nenhuma dessas dimensões, procurando uma lógica do “agir”, onde se determine objetos de ação, se faça uma proposta de meios concretos de vivência e, por fim, se chegue a uma decisão em favor da volta, voltada para a ação.
Diante desse conteúdo vislumbrado por Boff, como é possível distinguir o que é doutrina comum de fé? No caso do dogma, o que é opinião ou hipótese pessoal, assim como o que é mera tese teológica ou expressão popular? Cabe à Teologia delimitar esse campo ou deve deixa-lo livre, especialmente em prol das pessoas que são mais simples no pensar da fé, sem uma formação teológica “completa”? Não seria isso justamente aproximar a Teologia da verdadeira vida e a vida da verdadeira Teologia?
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* Ana Beatriz Dias Pinto, é comentarista convidada do blog e nos traz reflexões sobre temas atuais e contextualizados sob a ótica do universo religioso, de maneira gratuíta e sem vínculo empregatício, oportunizando seu saber e experiência no tema de Teologia e Sociedade para alargar nossa compreensão do Sagrado e suas interseções.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
BOFF, Clodovis. Teoria do método teológico. 6 ed. Petrópolis: Vozes, 2015. p. 237-296.