Religião e as veias abertas do neoliberalismo na América Latina

Ana Beatriz Dias Pinto

Imagem de Bruno Andrade por Pixabay

No domingo, 19 de novembro, a Argentina elegeu seu 12º presidente da república, o candidato de direta Javier Milei, da coalização La Libertad Avanza. Milei ficou com 55,69% dos votos válidos, contra 44,3% de Sergio Massa.

Com isso, Milei se tornou o presidente mais bem votado da história no país com mais de 14,4 milhões de votos. A posse será no próximo dia 10 de dezembro. Contudo, há de se considerar a problemática desta ascensão política, pois além de camuflar intenções perigosas, a campanha do novo presidente argentino demonstra que seus eleitores optaram por um candidato perigoso.


Campanha polêmica e veias abertas para o neoliberalismo

Ao longo de sua campanha, Milei propõe-se a eliminar, em grande parte, as regras estatais, tais como aquelas relacionadas à mudança climática ou aos monocultivos impregnados de agrotóxicos. Deseja permitir que seus cidadãos portem armas e continue reduzindo os direitos dos povos indígenas – algo muito semelhante ao ocorrido no Brasil recentemente, pela questionável política do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ademais, Milei pretende eliminar a moeda nacional e registrar os gastos fiscais por meio de um programa econômico de choque, que inicialmente afetaria os argentinos mais vulneráveis.

E a problemática alcança um patamar histórico para a América Latina no século XXI. Anteriormente, no século XX, a América do Sul se tornou um lamentável depósito das grandes ideias e utopias europeias – assim como herdou ao longo do século XVI uma política colonialista exploratória que determinou em grande sentido suas mazelas. Ademais, o mesmo pode ser dito das fantasias reacionárias, também importadas da Europa, que desempenharam seu sangrento papel no continente mais de uma vez.

Esse pressuposto, por exemplo, já foi elencado na obra “As Veias Abertas da América Latina”, do uruguaio Eduardo Galeano, que em 1971 examinou a história do continente latinoamericano desde o período da colonização europeia até a Idade Contemporânea e traça uma crítica a esse espírito neoliberalista. Ele apresenta argumentos contrários à exploração econômica e à dominação política, inicialmente perpetradas pelos europeus e seus descendentes, e posteriormente pelos Estados Unidos.


Perspectivas e impacto

Com a vitória de Javier Milei, o século XXI tem, desta vez, uma nova oportunidade de perceber o perigo de ideias radicais de direita América do Sul. Além disso, essa forma de vitória de um candidato anarcocapitalista em eleições presidenciais é única no mundo, o que reforça ainda mais as implicações de seu impacto não só para a Argentina, mas em todo o continente.

O experimento de Milei em suas promessas de campanha inspiram cuidado, uma vez que usou uma metodologia “populista”, prometendo proporcionar às pessoas, especialmente aos jovens, a sensação de merecerem uma oportunidade de mudança de vida. Aliado a este discurso, o reforço a ideais tradicionais religiosos também merece atenção: “Deus, pátria e família” são uma tríade perigosa quando alinhadas a estratégias políticas mantidas a partir de uma espiral militar, autoritária e religiosa, encabeçada sobretudo pela figura de sua vice, Victoria Eugenia Villarruel (e que nunca é demasiado relembrar, também má sucedida num Brasil obscurecido pelo bolsonarismo).

Javier Milei tem, possivelmente, uma enorme responsabilidade, não apenas para com seu país, uma vez que conferiu ao liberalismo radical uma face nova, ainda mais agressiva. Isto merece atenção da comunidade internacional por seu viés oportunista e perfil belicoso.